Capítulo I - Les passants

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 Os ponteiros do relógio corriam sem parar enquanto o homem de cabelos negros e semblante sério encarava o grande painel de cortiça em sua frente, esse ato havia se tornado um ritual de todas as manhãs, sua rotina consistia em chegar cedo o suficiente na delegacia para ter a certeza de ser o primeiro a abrir as portas do seu escritório, mas nunca antes de passar pela cafeteria e se servir de um copo de café preto sem açúcar.

Ele poderia apontar com os olhos fechados onde cada foto estava pendurada, falar com total certeza todos os horários registrados e os rostos das testemunhas, seu esforço naquele caso não podia ser menosprezado, mas mesmo depois de um mês sua equipe não conseguiu provas suficientes para apontar para algum suspeito.

 Um homem caucasiano de quarenta e quatro anos foi encontrado morto em seu apartamento de luxo, pela empregada doméstica. O corpo estava em um estágio inicial de decomposição, com os ossos da perna estilhaçados graças a um esmagamento, realizado com uma arma que nunca foi identificada, assim como o autor do crime.

Mesmo com a rotina corrida que o delegado tinha, as vezes era necessário fazer uma pausa. E essa pausa tinha cabelos loiros e longos, sempre presos num coque alto, um sorriso extravagante que chamava a atenção dos policiais do andar, mas ninguém sabia se o que mais chamava a atenção era o seu sorriso ou seu cachecol vermelho esvoaçante.

Mesmo com todo o seu mau humor, o delegado se levantou assim que a garota mais nova abriu a porta, e ele já sabia o que estar por vir, eles já se conheciam havia um tempo, mas ele ainda se surpreendia com suas atitudes as vezes.

—Eu disse que iria comprar comida fora hoje.— Comentou em seu tom rude como sempre, não era a sua intenção, mas era natural dele, já que sua cabeça ainda rodava em torno do caso que estava trabalhando.

—Eu sei, mas você já fez isso três dias seguidos na semana passada e eu fiquei aqui conversando com o vento. Seu horário é apertado demais e você precisa comer alguma coisa que não seja industrializada. — A garota comentou com um gesto quase cordial fechando a porta de madeira bruta atrás de suas costas. — Não me olha com essa cara, tem batata frita crocante, e eu sei que você gosta.

Os movimentos da garota foram automáticos enquanto organizava a mesa de escritório, apenas movendo as coisas do lugar para dar espaço para o recipiente com a comida que ainda estava quente, depois de repetir essa tarefa quase todos os dias ela acabou se acostumando.

A expressão de desgosto do homem rígido era visível, ele parecia que a qualquer momento iria voar em cima da lousa cheia de fotos, mas não o fez.

Com uma cara emburrada e uma falta de vontade, Nicholas acabou se sentando novamente em sua cadeira, agora observando a garota sentada em sua frente, tendo apenas a mesa de madeira pesada os separando, e um pote cor de rosa com sua comida pronta.

—Sabe que não tem necessidade de fazer isso todos os dias, mas eu agradeço a boa vontade.— Por um milésimo de segundo, um sorriso pôde ser avistado nos lábios pálidos do moreno, estando assim devido ao frio do meio do outono.— Uma delegacia não é o lugar mais apropriado para você passar o seu tempo.

Ainda que houvesse a movimentação constante de pessoas passando pelas grandes janelas de vidro com as persianas abertas, a garota com as bochechas rosadas não parecia enxergar nada que não fosse o homem ranzinza sentado a sua frente, com as olheiras disfarçadas e a barba por fazer.

—É claro que tem necessidade, você é um viciado em trabalho, se eu não vier até a delegacia não vou conseguir te ver nunca.—  Seu tom de voz abaixou um pouco ao falar a frase, como se ela esperasse alguma reação de Nick, mas como em todos os outros dias essa reação não aconteceu.— Não é como se fosse uma obrigação, sabe? Eu realmente gosto de fazer isso.

Red Bone [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora