Capítulo IV - Mon coeur

1K 164 107
                                    

As ruas da cidade estavam com uma grande quantidade de pessoas o que era comum para aquela hora do dia, Nicholas evitava encarar o rosto de todos que passavam ao seu lado para manter o controle das suas emoções, mas os olhares odiosos não eram nada fáceis de engolir. Não era bem essa situação que ele imaginava passar quando iniciou a sua carreira policial, muito menos que teria tantos casos em aberto em um período de tão curto tempo, talvez sua reputação fosse justa, ainda que tivesse se esforçado todas as noites para encontrar o culpado.

Ao chegar na delegacia o policial estranhou o silêncio que estava instalado no local, correu os olhos por todos aqueles presentes no departamento e seus colegas voltaram ao trabalho desviando a atenção. Preferiu não questionar e entrou na sua sala que estava intocada, se alguma coisa estivesse fora do lugar Nick perceberia, seu transtorno obsessivo compulsivo foi descoberto ainda durante a infância e mesmo que o tratamento tivesse ajudado um pouco, os sintomas durariam por toda a sua vida.

Estar naquela sala fechada trazia uma paz indescritível para o homem e ele quase não notava o quanto seus ombros relaxavam nesse ambiente. Depois de alguns segundos ele espalhou sobre a mesa todas as pastas com os crimes arquivados nos últimos anos em uma sequência bem específica e incomum, a única maneira que ele conhecia de se concentrar completamente na sua pesquisa

Depois de mais uma conclusão frustrante o policial guardou todos os arquivos nas gavetas com tranca se certificando de que ninguém poderia violar o lacre, ao menos não sem fazer barulho o suficiente para chamar atenção. Seus minutos sozinhos duraram pouco tempo já que em seguida o seu irmão mais novo bateu na porta anunciando a sua presença com uma cara bem mais suspeita do que nos outros dias, sua reação normal faria um interrogatório para descobrir a causa, mas hoje não era um dia normal, mais um caso foi arquivado por falta de provas e ele não pôde fazer nada a respeito.

 Os morenos agora à paisana caminharam até o estacionamento do prédio trocando algumas palavras antes de se separarem, ambos sabiam que as consequências desse ocorrido aparecerão mais rápido do que nunca no dia seguinte. Agora as portas do edifício estavam fechadas e a iluminação pública clareava todas as ruas e monumentos, mas aquela velha cidade nunca dormia.

E assim como aquela cidade, Angel LeBlanc também nunca dormia.

Em suas botas de couro, sobretudo vermelho e vestindo a peruca morena costumeira, a assassina silenciosa saiu para seus compromissos. O local que seu chefe havia marcado era estranho, diferente das outras vezes, era em um hotel restaurante luxuoso, digno da elite de Toulouse.

Angel foi guiada pelos atendentes até um quarto daquele hotel cinco estrelas, e assim que entrou, manteve sua pose profissional.

—Fiquei sabendo que fez amizade, pequeno anjo.— A voz rouca e potente ecoou pelo quarto, e o homem de barba grisalha estava sentado na poltrona no canto do quarto.— Oficial Wild, não é mesmo?

A grisalha se manteve calma, sem alterar suas expressões faciais em momento algum, ainda mais quando o homem se levantou e andou em sua direção, agora ela podia ver o copo com whisky em suas mãos, e o cheiro de álcool invadiu o seu nariz.

—Bem, eu não vou te julgar, muitos ratos daqueles vão nessas padarias fuleiras, mas o ponto aqui é: ele pareceu interessado naquele negócio, não achou, mon coeur?—O tom ácido do moreno grisalho fazia o estômago da garota revirar de pensar em algo que ele poderia fazer.— Mantenha ele por perto, quanto mais perto, melhor. Ele me parece ser um homem de poucas palavras, mas eu aposto que ele compensa em ações. Esse homem é o que vem me perseguindo faz um bom tempo, e quem sabe você não possa acabar com isso?

Um sorriso maldoso se abriu nos lábios do homem, que segurou na nuca da grisalha com brutalidade, a mantendo próxima de si, sem poder desviar o olhar.

— É melhor não me trair, mon coeur. Eu preciso de você viva, e preciso daquele policial nojento também, tenho planos para vocês dois. Por hora apenas faça ele se aproximar de você. Está dispensada!— E com a mesma postura endurecida pelo medo que sentia, Angel saiu do quarto, com um mau pressentimento que não era normal, enquanto sua espinha se arrepiava a cada passo para fora daquele estabelecimento.

Mesmo aquela sendo mais uma das noites frias do outono algumas pessoas ainda caminhavam pela rua, o instinto observador de Angel acabou passando os olhos pela garota que atravessa a rua vindo em sua direção com um cachecol que cobria metade do seu rosto, provavelmente na esperança de não congelar.

O caminho das duas se cruzaram por uma questão de segundos, a garota loira tinha um cheiro forte de bebida grudado no seu casaco cor de caqui, mesmo não tendo bebido uma gota de álcool durante toda a noite, aquilo era apenas o resultado que recebia do local onde trabalhava. O encontro não teve nada de especial ou marcante, uma troca de olhares e um cumprimento padrão foi tudo o que elas tiveram nesse espaço curto, seguindo os seus caminhos logo depois.

A bailarina levou pouco mais de dez minutos para chegar até o seu pequeno dormitório nas imediações, os discos de vinil empoeirados e os livros de poesia na estante eram o que mais chamavam a atenção, sem contar os diversos quadros espalhados que havia ganhado de presente de um velho amigo pintor. Aquele era o seu porto seguro, onde ela sabia que não teria que lidar com comentários maldosos e desnecessários, estava bem vivendo sozinha durante os últimos anos.

O silêncio foi quebrado por um barulho baixo arranhando o vidro da porta que dava até a varanda, depois de tirar uma pequena caixinha de sua bolsa a garota foi de encontro a sua convidada. Uma ave com penas pretas e brilhantes que a bailarina apelidou de Beatrice estava a sua espera, pulando de um lado para o outro apoiada na estrutura metálica da sacada.

—Calma! Eu comprei... — Samantha despejou um pouco do cereal em um pote branco e o corvo se aproximou de imediato para se alimentar, era quase uma obrigação realizar esse feito e como agradecimento a ave trazia algum objeto brilhante vez ou outra para retribuir o favor.

Agora ela já havia completado todas as tarefas do dia, ao menos quase todas, ainda se sentia um pouco estranha por não ter encontrado o oficial mesmo depois de atravessar a cidade para isso, no entanto a ideia de que poderia tentar de novo no próximo dia a deixava animada. Seu cabelo continuava preso, mesmo enquanto estava sozinha em casa e os motivos nem ela sabia explicar direito, depois de se livrar da roupa suja e tomar um banho demorado, Samantha se deitou sentindo o seu corpo todo agradecer por isso.

Red Bone [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora