Abri os olhos lentamente, e senti minha cabeça doer. Na verdade, tudo estava dolorido. Mexi um dos dedos dos pés e certifiquei-me que conseguia senti-lô. Soltei um longo suspiro, e aos poucos minha visão ainda turva, começava clarear.
Percebi que nunca estive neste lugar antes, era vazio, frio e sujo. Bem diferente da casa em que estive instalada durante poucos, porém — tenebrosos — anos.
No fundo do cômodo, havia uma pequena mesinha quebrada, — provavelmente estivera alí há um bom tempo —, e ao lado dela, avistei um armário com aspecto de velho. Então, em uma pequena, — porém rápida — fração de segundos, um serzinho pouco menor que um sapato, correu em uma direção que eu sequer consegui decifrar.
Era um rato.
Era um rato?Senti meu corpo gelar por dentro, e então dei um salto, com um claro objetivo de me levantar. Nada se moveu, e só então percebi que novamente estava presa em uma das laterais da parede.
— Tinna...? — nenhuma resposta — Tinna, você está aí? — esperei por poucos, e intermináveis segundos, mas nenhum som foi ouvido.
Não havia respostas. Meu coração retumbava em meu peito, ao perceber que estava novamente, a mercê de alguém. Fechei os olhos com força suficiente para tentar achar, em uma tola tentativa, algo que pudesse me acalmar.
Desde muito pequena, eu conhecia a história do príncipe perdido, — ou melhor —, todos conheciam. Tudo ocorreu poucos anos antes de nascer, há 21 anos atrás. O rei anunciava que estava a procura de uma mulher grávida, de família pobre. Ela era empregada do palácio, quando estava prestes a ocorrer um evento memorável: A grandiosa seleção do rei Efrom. O rei contará abertamente a todos que teve relações com uma das criadas, a qual pertencia seu coração, — porém quando a pobre criada soube que a seleção iria começar, fugiu do castelo. — Mas então, o nobre relatou aos conselheiros que passava noites em claro atormentado com seus sonhos em que Cristany — mãe de Carter — aparecera com um menino em seus braços.
Como o rei poderia tirar conclusões de sonhos? Muitos afirmavam que ele poderia estar louco. Eu não. Embora o rei Efrom, não seja a melhor das pessoas, — ele certamente teve muita coragem e amor, ao expor algo que poderia acabar com seu reinado e com seu país.
Cristany com certeza era linda e delicada, recordo-me muito bem, de seus cabelos loiros compridos que a revestiam, o olhar bondoso e ao mesmo tempo, penetrante, que lhe presenteava com o mais lindo dos contrastes. Algumas marquinhas enfeitavam seu rosto ao decorrer do tempo, mostrando que já havia passado por algumas experiências. Mas se o rei afirmou que deixaria a seleção por sua causa, em rede nacional, por que ela havia se escondido? Por que escolhera viver uma vida miserável, e colocar a vida dos filhos e a sua própria, em tantos riscos e desumanização?
Eram dúvidas persistentes. Com certeza, deveria haver algo além disso, eu não sabia o que era, mas sempre senti que Cristany escondia alguns segredos. Conseguia ver em seus olhos, o pedido de socorro.
Senti calafrios no corpo, e retornei a me concentrar nos cortes em meu corpo. Certamente, não estava arrependida de tê-los feito, mas a ardência não me permitia esquecer que ainda estavam alí.
— Tinna, acabou a brincadeira, me tire daqui agora, eu estou mandando! - gritei de maneira histérica. — Desculpe... eu só quero que me tire daqui!
Escutei barulhos de chaves, e senti um enorme alívio percorrer meu corpo. Tinna poderia ser um pouco má, mas ela não me deixaria morrer. A porta foi aberta. Não era Tinna.
— Acho que você me chamou. — disse ele, encostando o quadril na lateral da parede.
— Mat, eu... — minha garganta queimava — preciso que me solte, estou com muita dor.
Deu dois passos largos em minha direção, e alcançou meu rosto com a mão livre.
Virei o rosto de forma brusca, na verdade, mais brusca do que eu gostaria.
— Está com dor? — disse ele sussurrando, desta vez mais perto do meu ouvido — Certamente, você não tenha pensado nisto na hora em que mexeu em coisas que não deveria.
Lembrei-me de Tinna, com certeza havia me visto com a carta nas mãos, e então não hesitou em contar tudo para ele. Tinna conseguia ser tão maldita!
E sem pensar, as palavras pularam da minha boca:
— Como você consegue ser tão horrível Mat? — tentei controlar a respiração, e então prossegui: — Você fez a minha família ficar em ameaça de perder a casa e tudo que nela havia. Você arquitetou tudo, para que eu não pudesse estar perto de Carter. Para internar ele em um hospício, como se ele fosse louco! Você deveria estar lá. Não ele.
Ele hesitou, e levou às mãos a boca.
— Uau! Palmas para você Lucy! Desvendou o grande mistério, eu sou o vilão. — ele gargalhava em meio as palavras. — Francamente, você acha que eu realmente me casei com você, por amor? Atração? Nunca! Qual o seu atrativo? Eu posso ter todas as mulheres aos meus pés. E você? É bonitinha, mas sempre quis ser justa demais, o centro das atenções. Só me casei com você para dar motivos para aquele idiota acreditar que não queria mais ele, e amava a mim.
Eu pensava que nunca poderia sentir isso de forma emocional, mas realmente, aquilo foi uma facada em meu coração. Ele me enganou. Enganou Carter.
— C-como você pôde?
A risada dele fazia eco no quarto vazio e feio. Eu me sentia tonta, me sentia burra. Deveria ter ido atrás de Carter, deveria procurar entender o que realmente tinha acontecido, deixei a pessoa que me fazia bem, ir embora sem explicações. Comecei a imaginar o quanto ele deveria ter sofrido, e como eu pude ter feito parte daquilo. Ele perdera tudo. Foi traído das piores maneiras.
Mat chegou perto de mim, e me beijou no rosto. Senti meu estômago embrulhar.
— Fique tranquila, você não vai ficar aqui por muito tempo. Aliás, para você ver como sou uma boa pessoa, resolvi trazer um amiguinho pra te fazer companhia. Eu tenho outros a sua espera, e outras espécies de animaizinhos tão adoráveis como esse! Nosso segredo, vai ir com você para o inferno! Espero que você tenha uma lenta e dolorosa morte. Eu te amo!
Fechou a porta e voltou alguns segundos depois com uma grande caixa, Mat ficou entre a porta e abriu a tampa da caixa. De dentro dela uma cobra com pouco mais de 1 metro se rastejava em direção ao chão do quarto.
Meu coração estava prestes a sair pela boca. Ele sorria me encarando. Deu, as costas e fechou a porta atrás de si.
Senti a respiração cortada, e lentamente comecei a aceitar meu destino. Iria morrer.
Não poderia fazer nada para mudar meu passado, com certeza carregaria a culpa de não ter ido atrás da pessoa que mais amei na vida. Mas pelo menos, eu o amei.
Eu sempre soube que ele era um príncipe, era o príncipe do galpão que desrespeitava o toque de recolher para me encontrar. Agora ele ocupava o cargo que sempre foi seu.
Então, dei-me conta do animal ardiloso que se aproximava de mim. Eu não entendia de cobras, mas sabia que aquela, era mortal.
Não iria demorar muito.
———— ♡ ————
As vezes somos surpreendidos de diversas formas. Por diversas pessoas.
— Venha, eu vou te tirar daqui. — disse Tinna, entrando como um raio.
Meus olhos encheram.
Tinna jogou um arco comprido e pontudo sobre a serpente, e me desamarrou com agilidade. Jurei que pude ouvir sair dos meus lábios um: "amo você."
— Corra! Não temos muito tempo.
Segurei a mão de Tinna e corri. Meu coração batia como pancadas, e eu não sabia para onde estava indo, nem o que iria acontecer. Mas eu tinha uma única certeza:
Mat iria lidar com alguém à sua altura. E esse alguém era eu.
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Amor & Liberdade
RomanceA luta entre o amor e a liberdade. Poderia ela, unir os dois? De um lado, existe o seu passado, humilde e apaixonante. De outro lado, existe a vida na qual ainda está acorrentada. Mas em um audacioso dia, ela encontra uma carta, que mudará todo o ru...