Tinna era tão cruel quanto Mat. Ele a colocou para trabalhar dentro da casa para me vigiar, ou melhor, ser um cão de guarda.
Mat trabalhava na côrte do palácio, e por ser um cargo tão importante, algumas vezes teria que ficar viajando durante dias para cumprir suas obrigações. E claro, eram os meus dias favoritos dentro daquela prisão. Eu poderia passar o dia no piano.
Quando eu tocava, sentia estar longe, os problemas desapareciam, as notas se espalhavam pelo meu corpo e pela casa. Era mágico. Taylor e eu aprendemos a tocar quando ainda éramos pequenas, e assim poderíamos tocar em várias festas para arrecadar dinheiro. Lona preferia o violino, mas ambas eram boas no que faziam.
E quando Mat estava em casa, eu não poderia tocar, para ele eu só estava fazendo "barulho" enquanto ele tentava descansar. Mesmo nos dias que ele não estava em casa, deixava Tinna para me vigiar.
Lembro-me da última vez que tentei fugir enquanto ela estava dormindo, fui deixada trancada no quarto durante dois dias. Sem comida. Depois daquele dia, eu fiquei bem exausta para pensar em outra idéia mirabolante. De fato, eu me considerava muito valente, mas haviam dias em que eu só queria deixar de existir.
O terreno era muito amplo, o que me levou a pensar que a melhor alternativa seria fugir pela janela do último andar, e essa terrível tentativa me rendeu vários arranhões e principalmente, hematomas pelo meu corpo.
As consequências eram as mesmas, ela sempre me deixava trancada e sem comida. Confesso que depois disso, comecei a desistir de fugir desse jeito. Era horrível ficar sem comida! E se existe algo que eu goste mais do que tocar piano nessa vida, esse algo é comer. Tinna sabia disso, e sempre apelava para meu ponto fraco.
Mas hoje, ela está completamente estranha. Avistei-a andando de um canto para o outro com o olhar apreensivo, e uma carta na mão. Enquanto eu fingia estar lendo um livro, sentada na poltrona da sala ao lado do armarinho de bebidas.
Eu não sabia o que estava escrito na carta, mas por ter abalado Tinna, com certeza deveria ser algo muito importante.
E eu precisava descobrir.
Ela não sabia que eu a observava. Dirigiu-se então ao quarto em que dormia quando Mat não estava em casa. Esperei alguns minutos, e resolvi colocar em prática algo que eu não sabia se iria dar certo. Então, resolvi tentar.
Precisava ser rápida. Alcancei uma faca, cortei os fios que ligavam os aparelhos telefônicos, e vi a luz que irradiava desaparecer. Com a mesma faca, e em golpes ligeiros raspei algumas partes da minha própria pele, furavam apenas a primeira camada de pele, então não poderia me causar nada. — Só uma dor terrível. — A dor era lógica e o sangue começava a se derramar de forma vagarosa. Espalhei por meu pescoço e vestido, fazendo manchas sofríveis.
E então comecei a atuação. Me joguei ao chão fazendo um grande estalo.
— Tinna, corra! Está doendo muito, eu vou morrer! - me contorcia de forma, a fazer qualquer um jurar que eu estivesse morrendo de dor.
Em poucos segundos ela estava agachada ao chão, junto a mim.
— Lucy, o que aconteceu... — arregalou os olhos — COMO ISSO ACONTECEU? — dizia ela em meio a berros.
— Tinna, por favor. Eu preciso de um médico, estou me sentindo muito mal.
Ela correu ao telefone e percebeu os cabos desligados, embora não tivesse associado, havia desconfiança em seu tom de voz.
— Por acaso você está tentando alguma coisa? Esses cabos estão cortados! Não tem como chamar médico algum!
Ela veio em minha direção. Puxei o colarinho de seu vestido, e cravei os olhos nos seus. Havia medo naqueles olhos escuros, que sempre fora tão indecifráveis.
— Escute Tinna, você sabe o que vai lhe acontecer quando Mat descobrir que algo ruim aconteceu comigo, e a responsável por isso foi você, que não se atreveu a ir chamar um médico enquanto a esposa dele estava morrendo, clamando por ajuda? Você consegue imaginar o que ele vai fazer? — engoli em seco.
Sua boca se tornou uma linha fina, seus olhos mostravam o espanto instalados. Ela sabia mais do que ninguém, como Mat poderia ser cruel e frio. Até mesmo as piores pessoas, não gostariam de ter Mat como inimigo.
Ela cruzou a porta em passos largos, e eu me senti em triunfo. Sabia que não demoraria muito, então corri até o quarto em que levou a carta, e comecei revirá-lo.
O espaço era pequeno, não seria difícil achar. Levantei a cama, abri as gavetas, o armário, os colchões e nada. Percebi então no alto, um vaso. Me pendurei por cima do armário, fazendo as gavetas como apoio. Senti os cortes ardendo, mas não poderia parar. Peguei o vaso e lá dentro estava uma carta, de papel um pouco amarelado e lacre rasgado.
Carta enviada por: August Greta.
Destinatário: Mat Braganza.August Greta. Eu me recordava do nome. Tinha certeza que já havia ouvido diversas vezes. Assimilei ao jornal oficial de Greta, era um nome conhecido.
Então em um súbito momento, ficou claro. August era o conselheiro real, sempre esteve no jornal oficial ao lado do rei. Era isso. O conselheiro do rei, o principal cargo da côrte! Mas o que ele havia de querer logo com Mat? Retomei a carta em minhas mãos.
Mat,
Venho por meio desta carta, lhe contar tudo o que acabou de acontecer. Não estava em nossos planos, preciso que você venha ao meu encontro o mais rápido o possível para decidirmos a forma que faremos.
Nós o mandamos para o local mais longe. Mas ele reapareceu em Greta, conseguiu fugir do hospício onde tínhamos colocado. Acredito que ele deixava de tomar o que mandamos, provavelmente tinha idéia do real motivo. O lado bom é que não fomos nós que o capturamos cara a cara, então ele não vai poder nos acusar. Mas o rei o encontrou e já assumiu como filho, vai fazer a revelação no jantar.
Carter está de volta. Estamos perdidos.Meu coração pulou, minhas mãos tremiam. Comecei digerir as palavras lentamente, para então tomar consciência do que eu havia lido. Comecei a suar.
"Carter está de volta. Estamos perdidos."
Aquelas palavras ecoavam em minha mente, em um turbilhão de emoções e pensamentos. Tudo fazia sentido.
Carter nunca havia conhecido o pai. Sua viagem para outro país a trabalho sem me dizer nada. Meu pai ser convidado para servir a côrte. Mat querer casar tão rápido com uma pobre moça que mal conhecia. A obsessão dele por mim.
Era por causa de Carter, ele sempre soube que Carter era o príncipe perdido.
Minha cabeça girava, meu corpo não respondia aos meus comandos, e então, tudo ficou escuro.
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Amor & Liberdade
RomanceA luta entre o amor e a liberdade. Poderia ela, unir os dois? De um lado, existe o seu passado, humilde e apaixonante. De outro lado, existe a vida na qual ainda está acorrentada. Mas em um audacioso dia, ela encontra uma carta, que mudará todo o ru...