Eu acordei aos poucos, a luz voltando à minha volta enquanto eu vagarosamente sentava meu corpo na beira da cama. Notei que estava na cama da enfermaria da cidade e levei alguns minutos tentando entender o porquê... Então as memórias da noite anterior chegaram com tudo, uma sombra escura, um uivo assustador, a vida se esvaindo dos olhos de um amigo na minha frente, um brilho amarelado de olhos cruéis, dentes enormes cravados no meu braço, o sangue quente escorrendo nas minhas costas... Num impulso me sentei na cama e ergui meu braço até minhas costas; meu braço direito estava enfaixado assim como meu torso. Eu sobrevivi. Lágrimas traçaram um caminho pelo meu rosto, carregando a tristeza de uma perda e o alívio de ainda estar vivo.
Me levantei da cama e notei que haviam duas outras camas ocupadas pelo que pareciam cadáveres. Meu coração batia forte quando reconheci um dos corpos como Belrom, e o outro corpo sendo de Laurent, o coureiro; eu não era tão próximo dele, mas eu o conhecia e ele sempre foi alguém que trazia alegria na vila.
Raiva me preencheu quando pensei naquela criatura, agora mais do que nunca eu sabia que não era apenas um animal comum, o olhar daquela criatura tinha o ódio e a crueldade presente apenas em criaturas inteligentes. Aquele monstro estava caçando de um modo engenhoso e iria voltar. Minha visão começou a me confundir nesse momento, por um instante tudo a minha volta ficou extremamente mais nítido e mais claro, eu pude notar os fios de lã dos lençóis, percebi a pequena mosca voando do outro lado do quarto, no canto de minha visão eu notei Natalia, a curandeira entrando no quarto. Quando me virei para ela meus olhos falharam, parecia que o chão estava vindo na minha direção enquanto o mundo escurecia novamente.
Na segunda vez que acordei, Natalia estava ali perto trabalhando em algumas ervas. Ela olhou para mim e disse:
- Você acordou de novo, vê se fica deitado dessa vez. Você está ferido demais pra ficar me dando trabalho tentando andar sozinho por aí e me causando mais preocupação! Espere aqui, e eu vou chamar sua família em alguns instantes.
- Desculpe por isso, e obrigado por tratar de minhas feridas. -eu respondi, enquanto tentava organizar os fatos recentes.
Alguns minutos depois minha família entrou no quarto e eu deixei de lado esses pensamentos. Minha mãe vendo que eu estava vivo e bem se virou para meu pai chorando de alívio em seu ombro. Meu pai deu um leve sorriso para mim, enquanto meus dois irmãozinhos já vieram quase me esmagando com abraços doloridos mas reconfortantes.
- Deixem ele respirar crianças, ele ainda está machucado sabiam?-Natalia interrompeu.
Nessa hora calor preencheu meu coração quando Kassandra entrou pela porta correndo; seus longos cabelos loiros bagunçados atrás dela, seus olhos brilhando com lágrimas de tristeza e alegria ao mesmo tempo na hora em que me viu. Minha noiva se aproximou da cama limpando as lágrimas; mesmo com a bagunça dos cabelos e olhos vermelhos pelo choro, ela estava linda.
- Não me assusta desse jeito seu idiota! -ela disse enquanto me abraçava.
- Ah, também senti sua falta Kass...
Eu estava alegre naquele momento, mas uma faísca de tristeza, medo e raiva me atormentava no fundo da minha alma enquanto eu pensava... Eu virei pro lado e fiquei surpreso de ver que os cadáveres que ali estavam antes não se encontravam em lugar nenhum. Me virei para o meu pai:
- Pra onde levaram o corpo do Belrom e do Laurent??
- Ben, você está desacordado a 4 dias, os corpos foram limpos e levados para prepararem um funeral no fim da semana. -ele me respondeu com um olhar de pesar.
Dias se passaram e, apesar dos avisos da curandeira, eu me levantei e fui ajudar os outros a preparar para os funerais. Nesse tempo meu pai reuniu os aldeões para discutir sobre a criatura, afinal eu fui o primeiro a dar uma boa olhada no bicho e sobreviver. Eu expliquei para eles, com a raiva transparecendo em minha voz, que o que eu vi não era um animal comum ou mesmo um lobo atroz, mas uma criatura inteligente, com olhos quase conscientes, uma fera com traços de fera e forma humanóide, com uma força sobre humana. Me assustei quando disse isso e pensei ter sentido um cheiro familiar por perto, o cheiro da besta... Olhei para os lados, medo e desespero se instalando em minha alma, mas nada encontrei. Pensando estar apenas assustado e imaginando coisas, voltei meus sentidos para a discussão a minha frente.
Quando a semana acabou eu participei do funeral na vila, e prestei algumas palavras de respeito por meu falecido amigo.
- Belrom foi um ótimo amigo, quase da família. Ele sempre estava criando esculturas e equipamentos interessantes que ninguém além dele entendia pra que serviam. Com pesar eu me lembro de sua partida, mas com alegria devemos nos lembrar...-enquanto falava, meus sentidos se alteraram novamente, minha visão me permitindo enxergar as lágrimas escorrendo pela bochecha da mãe de Belrom, meus ouvidos percebendo o barulho das crianças brincando a algumas quadras dali, inocentemente sem entender a seriedade do evento, pude sentir o cheiro do sangue abaixo de palmos de terra e por um momento minha voz falhou- devemos lembrar... l-lembrar de épocas mais felizes e dos seus sorrisos durante a vida."- terminei de dizer e corri de volta ao lado de Kassandra, angústia pela morte de meu amigo e medo do que estava ocorrendo comigo.
Passados dias fiquei buscando informações da criatura que vi na taverna da vila, o único local com livros interessantes, deixados ali por aventureiros e contadores de história viajantes. Infelizmente a coleção de livros de lá era pequena e continha poucos livros sobre criaturas mágicas. Exausto, deixei essa pesquisa de lado no momento, preocupando-me com o casamento que se aproximava, Kassandra e eu estávamos com uma alegria que diminuía um pouco a tristeza causada pelas perdas recentes, e eu não iria deixar que umas alterações nos meus sentidos atrapalhasse; afinal não devia ser nada demais, certo? Apenas estou enxergando melhor, ouvindo melhor e sentindo melhor os cheiros... tenho certeza de que devem ser apenas meus sentidos reagindo àquela noite, tentando me adaptar para os perigos ou algo assim.

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Lobo da Floresta
AdventureEssa é a história de como o meio-elfo Benjamin Ifeza foi mordido por um lobisomem e levado a se exilar de sua terra natal para encontrar algum meio de controlar o lobo dentro dele. Bom, isso começou como a história de um personagem meu para Dungeon...