Despedidas-6

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- Você é um camarada bem apressado, sabia? -Kathrym replicou- Podia pelo menos deixar eu terminar de explicar o que aconteceu naquele dia e porque você sobreviveu. E não queria saber mais sobre o amuleto que lhe entreguei? -no meio de tanta informação afogando minha mente eu tinha me esquecido totalmente do amuleto.

Porém aquilo já estava começando a me dar dor de cabeça e eu precisava de um tempo pra processar o que ela me disse. Me virei para ela dizendo:

- Olha Kathrym, já é tarde da noite, você acabou de virar minha realidade de cabeça pra baixo, eu descobri que eu sou um lobisomem agora e que provavelmente vou ter que ficar anos longe da minha família se quiser controlar isso. Você pode me fazer o favor de esperar até amanhã pra começar a falar sobre amuletos e pedras brilhantes?? -perguntei, exasperado.

- Muito bem então, filhote de lobo. Descanse hoje, amanhã venha me encontrar aqui pela manhã e eu vou te ajudar a explicar pra sua querida família que você virou um licantropo sobrenatural e que precisa vir comigo aprender como se controlar para não sair matando pessoas aleatoriamente pelas ruas -ela respondeu minha pergunta com um sorriso zombeteiro.

Dei um aceno de cabeça aborrecido em sua direção e me dirigi para longe dali. Me virei para trás antes de sair da clareira, e ali no meio estava uma loba de olhos roxos parada no lugar onde antes estava Kathrym. Surpreso eu vi a loba tomando seu caminho para longe da clareira e tomei meu próprio rumo para casa também. Caminhei devagar, pensando em tudo que havia ocorrido desde a noite da mordida até as revelações de hoje, tentando juntar as peças de um quebra-cabeça sem ter todas as peças. Tão pedido estava em pensamentos que acabei passando direto pela minha casa e só reparei quadras depois. Retornando meus passos anteriores, voltei para casa, certificando-me de trancar a porta. Me despi e coloquei aconchegantes roupas de lã para me deitar, mas fiquei mais uma ou duas horas deitado de olhos abertos apreciando a luz da lua minguante que atravessava minha janelas, me perguntando o que o futuro me aguardava.

No dia seguinte, lá estava eu me forçando a acreditar que a noite anterior foi real. Se o que Kathrym disse foi realmente verdade então ela está certa sobre eu ter que me afastar do vilarejo. Me lembrei do cadáver da corça que agora eu sabia que fui eu quem matei, e eu realmente não quero que ninguém em Alfend sofrendo o mesmo destino por minha culpa. Tentando me conformar com essa nova ideia me levantei, peguei um pedaço de pão na cozinha e saí em direção à clareira.

Chegando na clareira, Kathryn já estava lá me aguardando com um olhar de repreensão que não me deixou muito confortável.

- Argh, eu vou ter que ser mais clara com você da próxima vez pelo visto. Quando eu digo venha me encontrar pela manhã eu quero dizer logo antes de o sol nascer, e não perto do meio-dia-me repreendendo logo cedo, que ótimo.

- Então, tem alguma ideia de como a gente vai sair daqui sem espalhar pela cidade o fato de sermos monstros?-perguntei, totalmente ignorando suas palavras anteriores.

- Primeiro, nós somos licantropos, ok? Não monstros. Ainda somos nós mesmos debaixo de todo o pelo, garras e dentes. Bom, você ainda tem que aprender a se controlar um pouco melhor, né filhote de lobo? -eu estava começando a me arrepender de aceitar conselhos dessa mulher uns dez centímetros mais baixa que eu e com uma atitude nada amigável- Enfim, tirando isso eu tive sim uma ideia de como sairemos daqui sem levantar muitas suspeitas.

- E? Que ideia foi essa? -perguntei, um pouco curioso pra saber que tipo de ideias aquela mulher poderia pensar.

- Simples, fala pra eles que você descobriu rastros ou informações sobre a tal "besta" que vem atacando o vilarejo de vocês. E que vai partir pra encontrá-la e matá-la com ajuda de uma caçadora extremamente habilidosa que você conheceu. -e foi isso que ela disse. Nada mal, eu acho.

- Não tenho certeza sobre a parte da caçadora habilidosa ainda, mas acho que isso poderia funcionar... -um calafrio com uma pontada de medo seguida de uma faísca de expectativa me assolou- Espera, nós vamos mesmo caçar o outro lobo também ou é apenas a nossa desculpa?

Kathryn me encarou com um olhar frio como o gume de uma adaga prestes a tirar uma vida, seus olhos emitindo seu sobrenatural brilho arroxeado enquanto ela dizia:

- Nós vamos caçá-lo. Ele ou ela é um lobisomem selvagem, mas também é uma pessoa cruel por baixo da fera, deu pra sentir o cheiro no sangue dos mortos. O cheiro de pura crueldade humana misturada ao ódio do lobo.

Engoli em seco, sem saber se me sentia aterrorizado com isso ou talvez um pouco esperançoso de talvez conseguir vingar a morte dos moradores de minha terra. Deixando o futuro de lado me voltei ao presente. Eu e Kathryn fomos até a casa de meus pais e nos pomos a explicar.

- Pai, mãe, eu tenho que partir em algumas horas, já explico tudo para vocês, esperem aqui enquanto eu busco a Kass pra explicar pra ela também -trouxe Kassandra até a casa também e comecei.- eu vou seguir os rastros da fera que matou Belrom.

Ao meu anúncio se seguiram três reações diferentes, de três das pessoas que eu mais me importava no mundo. Minha querida mãe se sentou na cadeira, já se preocupando, mas sabendo que de nada adiantava tentar tirar essa ideia da minha cabeça, sabia que eu era teimoso como meu pai. Meu velho, Leonard, aposentado caçador que me ensinou a usar meu primeiro arco e flechas acenou sério colocando a mão no ombro de minha mãe para acalmá-la. Kassandra por outro lado parecia aterrorizada, e não podia culpá-la. Ela viu de primeira mão o que aconteceu da última vez que me deparei com a criatura e nosso noivado seria no próximo mês.

- Kass, me desculpe. Você sabe que uma pista não fica fresca por tanto tempo, e eu tenho que me vingar pelo Belrom. Ele sempre ajudou nossa família e esteve conosco esse tempo todo. -tanto eu quanto Kassandra derramamos uma lágrima de saudade antecipada. Ela me deu um sorriso por baixo de seus cabelos acenando com a cabeça que entendia.

- E que pista foi essa que encontraram Ben? -meu pai fez a pergunta que eu sabia que devia ter preparado uma resposta antes; eu sabia que tinha esquecido de alguma coisa.

- Achamos rastros de que ele possa ter ido para o Sul, talvez em direção à Elderford. -depois de dizer isso, foi quase como se um fantasma tivesse aparecido no lugar de Kathrym. Todos na sala tinham esquecido que ela estava ali, em um canto, silenciosa como uma sombra- ah, meu nome é Margaret por sinal, a contadora de histórias do outro dia- ela sorriu para Kassandra, que fez o mesmo ao reconhecê-la. -contadora de histórias é no meu tempo de folga aliás, eu sou uma caçadora de criaturas perigosas. As histórias tinham que vir de algum lugar, certo?

- E como você veio a cruzar caminhos com Ben, Margaret? - minha mãe perguntou, entrando na conversa.

- Bom, eu vim aqui para Alfend com boatos de uma criatura atacando das sombras, matando como um animal. Quando cheguei aqui descobri que alguém tinha sobrevivido ao ataque e fui atrás dessa pessoa para conseguir pistas da criatura. E assim eu conheci o Benjamin aqui -ela apontou pra mim no final da explicação

- E descobriram o que a criatura era? -meu pai não conseguia esconder o espírito de velho caçador, sempre querendo saber mais.

- Ainda não temos certeza, mas talvez seja um Koguar. -eu a olhei com curiosidade, não fazia ideia de que criatura ela estava falando, mas achei melhor perguntar depois.-Bom, terminem as despedidas então, estarei esperando na clareira na saída da cidade Benjamin, vê se não se demora muito.

Depois disso eu terminei de me despedir de minha família, abraços e lágrimas de saudade foram trocados, me abaixei para dizer adeus para meus irmãozinhos, Elyra e Edward, dizendo para não causarem encrencas. Dei um último abraço em meus pais e um demorado beijo de despedida em Kassandra. Me voltei para minha casa, peguei meu arco e flechas, guardando-os no tubo de couro para manter o material protegido do frio para que não trincasse. Peguei algumas roupas para a viagem e comida, colocando tudo em uma mochila e parti novamente para a clareira. Me virei uma última vez para o arranjo de construções que foi meu lar por 21 anos. Me voltei para frente e para meu árduo novo caminho.

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