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"O sonho é apenas o despertar da liberdade que se acorrenta no mundo real."

...

Inutilmente eu reescrevia a mesma notícia pela quinta vez, revisando nas minhas anotações os pontos principais e os narrando da maneira que deveria ser mais atrativa. Contudo, era apenas mais uma tentativa inútil e frustrada.

Meus dedos corriam freneticamente pelas teclas, digitando letra por letra, compondo palavras e ao final apagando tudo como se nunca tivesse o feito. Meu único dever era reproduzir a realidade, nua e crua, sem fantasia ou sensacionalismo, com a mão mais fria que poderia haver. E, por dois anos, isso nunca me foi um problema. Redigir textos jornalísticos, criar manchetes puras e expor a realidade, eram as coisas que eu fazia com a mesma facilidade que respirar.

Me forço mais uma vez, não era comum que eu não pudesse relatar um problema enraizado no mundo contemporâneo, o comum roubo de dados online. Um fato que ocorre em qualquer lugar do mundo. Mas algo me segurava, o ponto principal era o fim daquela ação, o motivo pelo qual era feito o roubo de identidades. Várias pessoas sendo uma só. E eu já não sabia, se ainda era eu.

Desde aquele sonho, sinto como se me afastasse de mim mesma e me tornasse mais parte do mundo corriqueiro, feito de momentos frágeis e em pressa. Tudo se sente rápido, entretanto, na mesma velocidade também se esvaece. Eu era parte do mundo com validade e curta duração.

Hoje identidades são roubadas, você está no noticiário, assim como os outros "você", amanhã seu nome já não importa mais. O topo do mundo é feito de ruínas frágeis, que desabam todos os dias nas raízes do esquecimento.

Então nós somos apenas mais um, só a contagem do mundo da estatística,  você existe para fazer parte dela. Um número qualquer, somado na existência trágica do valor nunca lhe dado. Tudo é um número, na rua se ouve pessoas falando sobre os acontecimentos, e as notícias giram apenas em torno de números. O mundo parece empilhar corpos, mas as pessoas apenas os somam, se há mais de um na mesma situação, então você é apenas um conjunto. Aquele que a vida se foi, não precisa ser batizado por um nome, podemos colocá-lo como mil e três ou oitenta mil.

Um para oito, oito para um. Tanto faz desde que você não se enquadre entre eles, enquanto estiver fora disso, você ainda é você. Entretanto, é o infeliz isolado de grupos. Não pertence nem a uma catástrofe. E, é desta maneira que o nosso trágico mundo se comporta. Separando e o etiquetando em grupos, aos quais nunca fora perguntado se gostaria de pertencer.

Vencida pelos meus pensamentos, apoio meu braço na mesa, repousando minha testa sobre meu palmo. Meus dedos a massageiam levemente, enquanto eu tentava fugir da minha fadiga de expressões. Em alguns minutos, tudo ao meu redor começa a me irritar. O som do teclar na mesa ao lado, o toque do telefone, os ponteiros do relógio, o simples balançar da cortina, a minha respiração.

Me levanto, pegando o café em minha mesa e seguindo pelas escadas até o terraço daquele prédio. A porta velha da saída emperra como de costume, meu joelho se dobra para empurra-la, enquanto minha mão faz o mesmo trabalho. Ao lado de fora, eu sinto o ar gélido tomar meu corpo, diferente da reação espontânea e comum, meu corpo relaxa e não aponta alguma reação em se proteger do frio.

Estava próxima da barra de segurança, com meus braços repousados sobre o o ferro que sustenta a vidro. Meus olhos se fecham, sentido o vento cortar minha pele e levar meus fios escuros.

"Abra seus olhos."

A frase ecoava em minha cabeça, e eu lutava contra ela. Eles já estiveram abertos o suficiente para me afastar de tudo, então fechá-los era o pouco que podia me trazer de volta para mim.

Pandora | Kim HongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora