I - Sou péssimo em jogos de pique-esconde.

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  Era noite, as estrelas brilhavam forte no céu, sem sinal de nuvens, e eu corria por entre os becos escuros e sujos formados entre prédios quadrados iguais de três andares de Ohkla, uma cidade média e simples, com as vozes de vários guardas me perseguindo. Meu nome é Caim, e hoje é meu décimo quarto aniversário. Parabéns para mim.

  Entendam, eu não pedi pra nascer. Afinal, quem pediu?
Minha mãe me teve com dezoito anos, e é importante destacar que nasci por acidente. Ela era prometida para o filho de um duque, afim de aumentar as economias das duas famílias.
Obviamente me ter foi uma desonra para os Caster. Minha mãe entrou em depressão e meus avós, tios e tias, primos e primas e... bem, a família toda me odiava, sem exceção. Fala sério, acho que até a empregada tinha medo de chegar perto de mim. Deve ter chegado a conclusão que: Se ela me tocasse, sua filha poderia acabar sendo mãe solteira. Coitada da filha dela, e eu nem sabia se ela tinha realmente uma filha.

  Fui criado escondido de tudo e todos, sem nunca poder ver ninguém, podendo apenas ler as centenas de livros que se acumulavam no depósito. O único motivo pra me ensinarem a ler foi para que não acabasse saindo de casa por curiosidade. Observa-se que funcionou perfeitamente.

  Bom, minha mãe, Sue, morreu quando eu tinha cinco anos, devido à pressão que a sociedade maravilhosa pôs sobre ela. Uma mulher sendo mãe sem um homem para trabalhar e cuidar de tudo? Jamais. Então ela morreu sem conseguir aguentar os olhares ao sair de casa. Obrigado, sociedade.

  Não que ela significasse algo para mim. Uma pessoa que ficou parada vendo o filho ser tratado como um animal ou objeto não merece muito mais que eles. Ela estava doente, mas não posso deixar de culpa-la por ter engravidado de mim. Estava prometida, então por que se sujeitou ao risco? Culpa dela também por ter me deixado nascer.

  E sim, eu estou fugindo nesse exato momento. É que é meio duro viver no porão de uma mansão. Vocês sabem quanta tralha junta no porão de uma mansão? Vou dar uma dica: Muita.

  Os guardas vestiam armaduras leves de cota de malha, cada um segurando uma lança e com um capacete do império na cabeça. Era um capacete de prata com uma crista projetada para frente. Eu esperava que ele recebessem um dinheiro a mais só por usar aquilo.

  Podem até pensar que, por me manterem preso dentro de casa a vida toda, eu não deveria conhecer aquela cidade tão bem ao ponto de estar despistando aqueles guardas. É meio vergonhoso dizer isso, mas essa já é minha décima sétima tentativa de fuga. Parem de me olhar com essa cara, eu só tenho quatorze anos, e eles tem lanças. Eu não tenho lanças.

  Dei uma guinada para o beco da direita e pulei por cima da grande de uma escada de incêndio, subindo os degraus rapidamente, pulando dois de cada vez até chegar ao teto.
Esses prédios da zona urbana costumavam ficar bem juntinhos uns dos outros, eram grandes e tinham quartos pequenos. Normalmente usados por viajantes ou pessoas que não tinham dinheiro para comprar algo melhor. E eu agradecia por aquele teto reto maravilhoso, por onde poderia correr e saltar de um para o outro.

  Corri cada vez mais para o leste. Tinha que chegar no centro comercial, onde acharia alguma carroça que me tirasse dessa maldita cidade. Mas Ohkla era grande, e eu ainda estava à alguns quarteirões do lugar. O medo de ser pego novamente apertando meu peito, minha respiração descontrolada me sufocando cada vez mais e a cabeça latejando. Lince, o chefe da guarda, havia deixado claro que eu iria pagar caro na próxima vez que meu avô, um comandante aposentado, o comunicasse de meu sumiço

  Falando no diabo, vi o homem lá em baixo enquanto corria pela lateral da estrutura. Ele me olhava com um ar de ferocidade.

  Notar Lince era fácil. Ele devia ter uns dois metros de altura, cabelos castanhos cortados na régua bem na altura do queixo, e era o único que não usava o capacete, mas, entre o equipamento e aquele cabelo lambido, eu prefiro o capacete.

A Aliança de Lótus - O Filho do ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora