V - Paul é legal, ele serve batatas.

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    Naquele mísero segundo em que o silêncio total reinou no estabelecimento, minha mente alertava todo o meu corpo para que fugisse dali imediatamente. Mas antes mesmo dos impulsos chegarem em meus membros, todos os ocupantes do recinto levantaram as canecas e gritaram alegremente, alguns se curvando tanto para trás que caíam das cadeiras, gerando mais risadas.

  Todos brindavam Itah e o cumprimentavam, outros passavam as mãos na sua cabeça ou trocavam soquinhos com o mesmo, perguntavam por onde ele tinha andado dessa vez e por quanto tempo ia ficar. O loiro apenas acenava com a mão para as perguntas enquanto ria. Chegava a ser engraçado ver aquele menino receber tanta bajulação de marmanjos adultos e, em sua grande maioria, bêbados.

  Eu e a ruiva nos mantivemos atrás dele, rígidos e desconfortáveis, até chegar ao balcão, onde um único barman, que presumi ser Paul, enxugava canecas com um trapo encardido. Ele era alto e musculoso, seus ombros largos, mãos calejadas e a pele bronzeada deixavam claro que já havia trabalhado muito duro nessa vida. Em sua cabeça, os únicos pelos que haviam estavam no grosso bigode negro. O homem olhava de Itah para nós sem demonstrar emoção alguma, mas meteu as mãos embaixo do balcão e tirou uma garrafa grande, que abriu e despejou um líquido azul em três canecas.

  - Podem sentar. - Disse Itah, ao virar-se para nós e se acomodar em um dos bancos altos que ficavam na frente do balcão.

  Eu e a ruiva fizemos o mesmo, sem saber como reagir àquele lugar. As pessoas estavam sentadas em volta das mesas, conversando alegremente. Homens e mulheres de diferentes idades, alguns de aparência perigosa, outros nem tanto. Vez ou outra um deles vazia um comentário que gerava risos, e logo tomava um soco, o que gerava mais risos ainda.

  Olhei para Kiara, aturdito. Talvez devêssemos ir embora, aquele lugar não me parecia seguro, aquelas pessoas não me pareciam seguras.

  Uma mulher loira, praticamente tão grande quanto Paul, com uma mistura de gordura e músculos, apontou com o copo para o garoto ao meu lado e perguntou:

  - Diga para nós, querido, o que conseguiu dessa vez?

  E Itah, que tentava esconder um sorriso orgulhoso ao meter a mão no bolso da mochila da pano, tirou de lá um frasquinho do tamanho de um dedo, com um líquido roxo dentro.

  A mulher, ao ver, deu assobio de assombro. O bar se calou e todos levantaram os copos para saudá-lo. Só eu e a ruiva apreciamos não ter entendido o que era aquilo. De fato, eu me sentia um intruso naquele lugar.

  - Um belo achado. - Falou um homem barbudo do fundo.

  - Mas que coisa! - Ouvi um guincho vindo do canto oposto. Era um velho baixinho que, pela bengala que segurava consigo e pela venda suja que cobria seus olhos, percebi que era cego. - Vai ser assim todas as vezes? Digam-me o que o garoto trouxe de uma vez! - E ficou resmungando.

  - Veneno de Gáugalo, seu velho asqueroso. - Uma mulher alta, de cabelos inteiramente vermelhos, que usava uma calça e uma peça de peitoral que cobria-lhe pouco mais que os seios, deu uma pancadinha com o nó dos dedos na cabeça do cego. Não pude deixar de me perguntar se aquela armadura servia-lhe realmente de algo.

  Bom, agora somente eu não estava entendendo, pois ao ouvir do que se tratava o líquido, Kiara olhou-o assombrada e se inclinou para longe.

  - O que é um gáugalo? - Perguntei, sem paciência, para ela.

  Pude ver que a menina ia começar a falar, mas uma voz na nossa frente disse primeiro:

  - Serpentes. - Era Paul, que estava saindo por uma porta que levava aos fundos da estalagem, trazendo três pratos com batatas assadas e pondo em nossa frente. - Medem, em média, uns quatro metros brincando. Têm chifres grossos, uma ponta na cauda tão dura e afiada quanto uma lança, e duas presas enormes carregadas com o veneno mais letal conhecido pelo homem. - Ele enxugou as mãos com o trapo e o jogou no ombro. - Comam.

A Aliança de Lótus - O Filho do ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora