VI - Os reis exigem uma audiência.

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Após tomar o café da manhã, fomos separados. Gunter e seu pessoal estavam desmontando a feira, e já haviam percebido que Kiara, mesmo se contendo, era mais útil que eu. Logo ela estava lá no meio trabalhando com eles enquanto eu varria a taberna, e sabe-se lá que fim teve Itah.

Terminei de limpar todo o estabelecimento, contrariando Paul, que insistiu em dizer que eu só precisava varrer, mas estava contente com a vida e queria demonstrar.

O velho que vimos no dia anterior apareceu novamente, com seu hábito de brindar com a própria garrafa. Ele me cumprimentou alegremente quando passei por perto em direção à porteira.

Aprendi a pescar naquela manhã. Um rio cortava a floresta próxima à vila, e Jack, o jovem magro que estava no bar no dia em que chegamos, cujo o tio perdera o braço para uma horda de targuins, chamou-me para lá.

Jack era bastante alto, esguio, pele morena e olhos claros. Tinha um rosto bonito e, de acordo com ele, possuía 22 anos. Viera para Lugar Nenhum depois de quase ter sido preso enquanto roubava de viajantes. Contou-me também a história de alguns dos moradores. A srta. Berguins era uma caloteira procurada quando moça. Paul era um explorador que, após ter visto quase tudo o que essa vida tem a oferecer, estabeleceu seu negócio aqui. E citou ainda vários outros que agiam como mercenários ou caçadores de recompensas. Ele gostava de conversar.

Voltamos para a feira levando três cestas de peixes. Cada um de nós ficou com dois e vendemos os outros seis na feira. O dinheiro foi repartido, e Jack fez questão de contá-lo corretamente em minha frente, ainda que eu dissesse que não era preciso.

O sol do meio dia brilhava fortemente sobre nossas cabeças. Eu me despedi do rapaz e voltei para a taberna, onde encontrei Itah sentado enfrente ao balcão. Suas roupas estavam sujas de terra e haviam folhas secas em seus cabelos.

Quando questionei em que tarefas ele esteve ocupado, disse que estava caçando perus:

- Eles costumam vir pra cá nessa época do ano. Grandes como um porco, e a carcaça vale um bom dinheiro.

- Pegou algum? - Perguntei ao me sentar do seu lado. Ele fechou a cara.

- Não. Só patos.

Kiara chegou após alguns minutos, empapada de suor, e só parou para falar com a gente após ter tomado um banho. Aparentemente teve uma manhã bem exaustiva.

Alguns minutos depois de eu e Itah termos nos lavados, Paul anunciou que o ensopado de pato estava pronto, o qual comi com satisfação. Tudo ali era saboroso, e até as tarefas mais cansativas me enchiam de um sentimento que eu não sabia explicar.

Devorei uma das coxas, minha parte preferida das aves. O caldo estava uma delícia, refogado de legumes e temperos. Agradeci à vida sem nem me dar conta do ato.

Nossa tarde, novamente, resumiu-se a ficarmos de bobeira pelo prado, deitados debaixo de uma árvore. A vida do loiro era bem interessante, o completo oposto da minha. Itah viajava por aí, vivendo de caça e, pelo o que dizia, roubando de ladrões. Sempre passava um tempo fora, depois voltava para Lugar Nenhum onde recebia abrigo na taverna.

Pego uma folha seca no chão e me distraio quebrando-a até se esfarelar. Respiro a brisa leve que nos envolvia, muito diferente do ar abafado do porão. Só depois de chegar ali naquela vila eu finalmente pude perceber que estava livre. "Quero viver aqui", me descobri pensando, mas logo senti a barriga gelar. Kiara foi a primeira pessoa que pude chamar de amiga, e logo mais teríamos que nos separar.

Olhei para a ruiva, que observava o céu com um olhar perdido. Era dessa forma que ela ficava quando sua mente não estava distraída com algo. Estava pensando nos pais, e talvez até se sentindo culpada por estar ali deitada enquanto os mesmos estariam preocupados com o que teria acontecido com ela.

A Aliança de Lótus - O Filho do ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora