VIII - O plano por trás do plano.

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Fui levado para um corredor que ficava à esquerda dos tronos, seguido de perto por dois demônios bípedes.

Eram levemente mais altos que eu, com membros grandes demais e magricelos, além de uma couraça acinzentada e coluna curvada. Não pareciam ter olhos, apenas uma boca sem lábios lotada de dentes pontiagudos.

Eu andava meio desorientado, sem prestar uma atenção real ao local que estávamos indo. Pra falar a verdade, eu estava a ponto de desabar.

Eu era um mestiço, filho de um demônio. Significa que esse foi o motivo de eu ter sido tratado mal a vida toda. Minha mãe não teve culpa de nada, ela era apenas uma menina de dezoito anos que foi forçada a carregar um monstro dentro de si e teve a vida destruída por pessoas que só usaram-na e a jogaram fora. Ela devia ter ficado com vergonha de sair em público. Era uma mulher prometida. Provavelmente me odiava com todas as suas forças.

Paramos em frente à uma porta de metal bem grande. Os bípedes que me acompanhavam puxaram uma chave e a abriram com um rangido horrível.

Atravessando-a, pude ver que era um quarto com paredes de quase dois metros de espessura, iluminado por duas tochas em lados opostos, e ali no meio estava a ruiva, suja, sentada e abraçada aos joelhos. Corri em sua direção assim que ela levantou o rosto e vi seus olhos lilases. Ela fez o mesmo e, no momento em que nos encaixamos em um abraço, eu desatei a chorar. Chorei por ela, chorei por minha mãe, e chorei por mim.

Antes de contar tudo, quis saber se estava bem, se haviam feito algo com ela e o que tinha acontecido.

Depois que me acertaram, ela partiu pra cima dos reis. Disse que arremessou colunas neles e que tentou me salvar ao máximo, mas não conseguiu fazer nada. Eles prenderam-na aqui embaixo, onde a alimentaram com umas frutas cinzentas e sem gosto. Achava que eu estava morto, mas nada mais foi feito.

Um risco de contentamento aliviou meu pesar ao saber disso, mas Kiara ainda estava preocupada e, assim que a olhei nos olhos de perto pela primeira vez, ela se assustou e pegou meu rosto com as mãos.

- Caim, o que aconteceu com seus olhos?

- Como assim? - Questionei.

- Seus olhos estão vermelhos!

- Eu estava chorando.

- Não, Caim, sua íris! Sua íris está vermelha! - Ela continuou olhando para mim, aparentemente perguntando-se se isso era um problema.

Parei um pouco antes de responder. Meus olhos são castanhos, ou ao menos deveriam ser.

- Preciso te contar uma coisa...

E foi então que falei para ela tudo o que aconteceu, tudo o que me disseram e tudo o que estava sentindo. Era como retirar um peso de cima de mim e felizmente, ou infelizmente, Kiara sabia o que era sofrer preconceito por ser uma mestiça.

Passamos um bom tempo calados, e eu não olhava nos olhos dela. Sentia uma sensação desconfortável ao encará-la, como se eu pudesse ser algo ruim.

- E o que você acha disso? - Ela perguntou, pondo a mão em meu ombro. - De que lado você está?

- Preciso realmente escolher um lado? - Questionei, sentindo-me completamente sem chão. - Os dois lados me parecem bem ruins.

Ela concordou com um aceno de cabeça.

- Mas o que eles fizeram...

- Eu não consigo perdoar. Lembrava do resto dela com indiferença, até mesmo rancor. Mas agora... tudo que eu queria era voltar e jamais ter chamado sua atenção pra mim. Jamais lembra-la da minha existência. Quem sabe assim ela ainda poderia estar viva. - Senti meu coração se encher de pesar novamente.

A Aliança de Lótus - O Filho do ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora