III - É pequeno, tem asas, chifres e pode te comer vivo.

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  O caos se instalou rapidamente. Os guardas avançaram enquanto os prisioneiros tentavam segurá-los, o sangue jorrou pelo chão, mas o nosso lado estava desarmado e isso era uma desvantagem tremenda.

  Acontece que eram poucos soldados para tantos presos, e estes começaram a tomar suas armas para virar a balança. Eu vi homens e mulheres tomarem a frente para interceptarem os guardas, combatendo-os com tudo o que podiam. Garotos mais velhos jogavam-se para ajudar. Vi um menino ter a perna perfurada com uma lança, outra mulher perdeu a orelha enquanto entrava no meio de algumas crianças menores, e um velho que teve o coração empalado por uma das lâminas.

  A cena era horrível. O homem que pegara a lança de mim enfrentava Lince em um duelo mortal. O primeiro que cometesse um erro acabaria morto, mas o comandante trajava uma armadura com poucas brechas, e isso não nos ajudava. 

  Kiara me empurrou para frente e corremos em meio à multidão, olhando em todas as direções para tentar achar uma saída. Um soldado tentou nos interceptar com uma estocada, mas puxei a garota para o lado bem a tempo de evitar algum estrago, segurei o cabo da lança com as duas mãos e tentei puxá-la, mas ele me jogou para o lado sacudindo-a. Eu era inútil assim em combates. 

  Minha nova colega aproveitou a distração para se aproximar de nosso atacante o suficiente para acertá-lo com um soco nas costelas. O coitado foi jogado para trás e se bateu em um de seus companheiros que estava ocupado com uma mulher que tentava desesperadamente tomar sua arma, e o encontrão foi tudo o que ela precisava para isso. Ela empalou um deles no pescoço com a ponta da lança e depois fez o mesmo com a cara do outro que tentava se levantar. Isso me chocou de tal forma que minha mente foi se perdendo. Não sei no que estava pensando ao libertar todas aquelas pessoas. Com certeza não seria resolvido tudo conversando, mas não imaginei aquela matança diante dos meus olhos.

  Kiara jogava para longe todo guarda que tentava a sorte com ela e dava para ver em seu rosto a satisfação por estar descontando a raiva nos culpados de sua prisão. Era dona de uma força que com certeza não era humana, mas não deixava de ser uma criança.

  Meu cérebro tentava focar em várias coisas ao mesmo tempo enquanto passávamos por aquela carnificina. Entre tudo, acabei por ver o momento exato em que Lince acertou o homem careca no meio do peito, mas que mesmo assim tentou continuar lutando até cair. Vi um garotinho correr até ele, chorando, e então percebi que era o mesmo garoto que segurava a mão do homem dentro da cela. Vim reparar a semelhança entre os dois apenas agora.

  O menino tentou sacudir o pai, que respirava com dificuldade. Ele implorava para não ficar só, implorava para que seu pai não o deixasse. Eu podia ouvir o seu lamento entre toda a confusão. Foi nesse exato momento em que o chefe da guarda sacudiu a lâmina da lança em um arco e a cabeça do garoto rolou ao lado do homem, que assistiu aquilo antes de seus olhos perderem a cor. 

  Senti meu peito ser tomado por angústia enquanto meus sentidos fugiam do meu corpo. Havia matado todas aquelas pessoas apenas para que eu pudesse fugir. Libertei todos pra que se tornassem uma distração para os guardas.

  Acho que alguém me puxava em meio aquela bagunça. Sim, era isso mesmo. Uma garota ruiva tentava me levar para fora daquele banho de sangue, mas as minhas pernas não colaboravam com ela e faziam questão de tropeçar em qualquer coisa que aparecesse. Kiara, a menina que a pouco tempo mal conseguia se mexer, agora tentava me tirar do perigo, com uma expressão de assombro e determinação no rosto.

  Minha visão deveria estar realmente horrível. Acho que vi vários pássaros entrarem voando pelos corredores  que seguiam mais adiante e se aglomerarem no teto de forma desorganizada. Levei um empurrão no peito que me fez bater com as costas no chão, tirando todo o ar dos meus pulmões, e logo uma lança passou voando por cima de mim. A ruiva havia me tirado da trajetória da arma e agora lutava com o soldado que a lançara. O tempo que levei para lembrar como respirar foi o suficiente para reparar que aquelas coisas que voavam rapidamente no teto eram Targuins.

A Aliança de Lótus - O Filho do ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora