Capítulo 1 - Sem sal?

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Leia ouvindo a música 1: Titanium / Pavane (Piano/Cello Cover) - David Guetta / Faure - The Piano Guys

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Encaro a capa da revista Pessoas Influentes em cima da minha mesa. O título gigantesco de uma manchete me salta aos olhos: "De filha a diretora do maior grupo de seguros de saúde do Brasil". No caso, eu.

Um sorriso forçado está travado no rosto da minha própria imagem, sentada na cadeira do meu pai com os braços cruzados, os cabelos pretos e lisos presos em um rabo de cavalo cheio de Photoshop e, nos olhos, um delineador que, admito, ficou bem feito pela primeira vez na vida. Abro a revista e passo pela entrevista gigantesca que a jornalista fez comigo na semana passada. Percebo que estou suando só de me ver ali, naquelas páginas, e tento controlar todos os meus poros para não molhar a blusa branca que escolhi de maneira muito infeliz para um dia quente no Rio de Janeiro. Tudo o que não preciso é virar um meme entre os colegas de trabalho.

Marina Portella, a herdeira de Alfredo Portella de Lima. Releio meu próprio nome na primeira folha da entrevista, abismada por como as coisas ganharam uma proporção inesperada. Eu não sou o tipo de pessoa que gosta de holofotes ou da mídia. No entanto, cada vez mais se torna impossível escapar de momentos assim. Parece que vou ter que me acostumar...

O assunto está em voga desde que a empresa anunciou que, quase sete anos após a morte do meu pai, enfim alguém assumirá sua cadeira. Nunca pensei que isso atrairia a atenção de tantas pessoas, afinal, a maioria delas costuma estar bem mais preocupada em conhecer a rotina saudável de algum astro da televisão ou em se sentir inútil por nunca alcançar aquele mesmo patamar. Por que alguém se importaria comigo?

Não que isso tudo seja totalmente novo para mim. Eu cresci aqui, nesses corredores enormes, no meio de homens engravatados e reuniões intermináveis. Meu pai assumiu a Seguradora Portella quando meu avô, o fundador da empresa, morreu. Eu ainda era um bebê quando tudo isso aconteceu. Então, desde que me entendo por gente, convivo com essa rotina caótica e familiar. Assumi uma posição aqui logo que terminei a faculdade de Administração, então, sei falar com propriedade sobre meu trabalho e o funcionamento da empresa, mas, no auge dos quase vinte e cinco anos, não sei dizer se me sinto preparada para trocar essa sala pela dele. É uma responsabilidade e tanto. E, por mais que eu pareça bem resolvida e confiante diante dos funcionários, essa não é bem a verdade.

E a verdade é que estou apavorada. Meu pai dirigia a empresa melhor do que ninguém. Ele era o cara que dava conta de tudo, que resolvia todos os problemas e ainda encontrava tempo para cuidar da filha órfã de mãe. Mais verdade ainda é que, por querer abraçar o mundo, ele infartou antes dos 50 anos e não teve tempo de me preparar para isso oficialmente, como meu avô fez com ele. Agora estou aqui, nas mãos de Natasha, a madrasta nada invejosa e muito solícita que sei que, a qualquer momento, vai entrar nessa sala chutando meu calcanhar.

Sopro o ar com força, tento me distrair de todas essas ideias e volto a folhear a revista até bater os olhos em uma pergunta sobre a viagem que tenho marcada. Um congresso no Canadá de Direito de Seguro e Previdência, onde vou representar a empresa para discursar sobre a implementação de um projeto para mulheres que fizemos no ano passado. Será minha primeira viagem internacional a trabalho, e isso está me tirando o sono. E, para completar minha ansiedade, só consegui um voo em cima da hora.

Uma notificação no celular me chama a atenção e quase o derrubo no chão ao ver o nome na tela. Plínio, o encontro fracassado da noite anterior. Sério, como ele ainda tem coragem de me procurar?

Mordo o lábio inferior, irritada, e apago a notificação. Aproveito e excluo o número da lista de contatos. Acho que nem se eu fizesse yoga três vezes por semana eu seria capaz de me transformar em algum tipo de ser humano good vibes, que ignora comentários como os dele. Escutar de um cara que eu sou bem-sucedida demais – DEMAIS – pro gosto dele só me fez afogar as mágoas em uma garrafa de vinho, situação da qual estou um pouco arrependida hoje, com essa dor de cabeça chata. Não podia faltar ao trabalho, então escondi as olheiras com maquiagem, fingi que nada havia acontecido e segui em frente. É o que tenho feito desde sempre quando o assunto é minha vida amorosa. Eu poderia dizer que tenho o dedo podre, mas acho que seria injusto com o coitado do meu dedo, que não tem nada a ver com isso. Para falar a verdade, nem faço ideia de qual seja o meu critério para escolher alguém. Só sei que eles são todos parecidos. Tive cinco relacionamentos e fui corna nos cinco. Se não for o dedo, alguma coisa podre eu tenho que ter.

Uma mentira (im)perfeita [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora