Capítulo 2 - Ficante carente?

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Leia ouvindo a música 2: David Garrett - Dangerous

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Ando de um lado para o outro em minha sala e tento me acalmar. Natasha deve chegar a qualquer instante. Além de madrasta, ela também é minha chefe, até a nomeação oficial. Experimento todas as técnicas de relaxamento ensinadas por minha psicóloga; bebo água. Respiro fundo diversas vezes em uma contagem de 5-3-5 (inspira. Segura. Expira). De olhos fechados, contraio todos os músculos do corpo, sentada em minha cadeira confortável, e solto um por um devagar, tentando me concentrar em algo além dos pensamentos. Não resolve. A palavra carente fica ecoando na minha cabeça como um enredo ruim de escola de samba.

Desisto de fugir dos pensamentos e mergulho nas lembranças como uma verdadeira masoquista de carteirinha. O relacionamento com André, que pelo visto não foi tão importante assim para ele, foi intenso desde o primeiro dia para mim. Ele foi o primeiro cara que conheci através desses aplicativos de gente solteira (ou deveria ser, né), então eu estava bem nervosa e aquilo tinha tudo para dar errado. Mas não deu. Foi ótimo. Ele era bonito, simpático, educado, inteligente e havia acabado de sair do trabalho, então ainda estava usando roupa social – o que causou uma boa impressão. Para completar o pacote, ele se mostrou muito responsável quando decidiu não beber naquele encontro, porque estava dirigindo e morávamos relativamente longe.

Eu, como boa leitora de romances e com essa enorme (e às vezes idiota) fé no amor que tenho, derreti igual sorvete em um dia de sol por aquele cara com quem estava conversando há uma semana. Estava tudo certo naquele primeiro encontro com o André, ainda não estava completamente caída por ele, até que ele se levantou para ir ao banheiro e vi o tamanho do bumbum daquele homem. Era absurdo, sério. Nunca vi bunda como aquela na minha vida. Nem o Taylor Lautner ganhava daquele incrível par de nádegas. Eu sabia que em algum momento descobriria seus defeitos, no entanto, como diria Otto, meu melhor amigo: quem sabe não seriam suportáveis só por aquele bumbum magnífico?

Passamos a nos ver todos os finais de semana, sem exceção, e passávamos horas conversando. Durante quase um ano inteiro, nós saímos, viajamos e eu até conheci sua família e seus amigos. Ele bebia todo final de semana, então passei a sentir uma ressaca constante para tentar acompanhá-lo. Como ele pode dizer que aquilo não foi um namoro? Que eu era sua ficante?

O pior nem é isso. O pior foi que, conforme o tempo passava, suas características sagitarianas foram aparecendo – me desculpem todos desse signo, mas nunca mais entro nessa furada – e de repente as coisas começaram a ficar estranhas. André não se esforçava em nada na vida, tinha tudo de mão beijada e perspectiva zero de futuro. Seus planos se baseavam em viajar o mundo com o dinheiro da empresa do pai. Isso não combinava nadinha comigo, que, desde muito cedo, precisei aprender o que era responsabilidade. Mas, por amor a homens de bunda grande, suportei.

Por um bom tempo nosso relacionamento foi leve, sem cobranças ou grandes problemas, apesar de Otto sempre fazer questão de me lembrar que André era uma criança presa em um corpo de adulto (e que corpo...!). Isso ficava bem nítido por duas situações específicas: a) ele não pretendia sair da casa dos pais e b) seu quarto era todo decorado de super-heróis. Nada contra nerds, mas era um pouco difícil para Otto levar a sério um cara de vinte e tantos anos que usava um cobertor com estampas da Marvel.

Passei por cima disso também. Tudo em nome da tal bunda – que, preciso confessar: valia o esforço. Com o decorrer do tempo, comecei a perceber que André queria a vida de solteiro de volta. Sempre que falávamos de coisas mais sérias – porque eu achava muito estranho ir para a casa dele e ter que dividir o banheiro com seu irmão mais novo –, ele fugia como o diabo foge da cruz. Corria do assunto sem nem olhar para trás. Fui ficando cansada, óbvio. Não via futuro na relação, e só descobri que ele também não quando me deparei com uma garota japonesa em seu colo no Honda Civic do pai dele. É aquela velha história repetida e clichê: homem não sustenta mentira por muito tempo, uma hora você descobre a merda porque começa a feder. E, claro, porque, depois de muitas doses de vodka, é uma baita burrice deixar a namorada – ou ficante, para ele – na mesa do bar com os amigos, dizer que vai ao banheiro e, em vez disso, entrar no carro estacionado na esquina. Eu enxergo muito bem de longe. E não bebo vodka.

Uma mentira (im)perfeita [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora