O que faria se toda a sua vida até então fosse uma mentira? Apesar de ser difícil se imaginar numa situação assim, eu conseguia sentir a dor da Bianca em meu coração. Sua mãe deve ter tido seus motivos para fazer o que fez, mas mentir nunca será uma boa saída. Ilude, fere, dilacera os sentimentos de quem acredita em tal mentira.
Montávamos um quebra-cabeças com as peças que tínhamos, e no nosso caso, faltavam muitas. Trazer Bianca para perto poderia não ajudar a acelerar o processo de descobertas, mas a tiraria de um cenário que naquele momento traria grande dor.
Pelo menos por um período de férias, ela estaria com a gente e estávamos dispostas a aproveitar essa oportunidade da melhor maneira possível. Fomos ao seu encontro e esperávamos o seu voo chegar.
Na área de desembarque a avistamos ainda de longe com o olhar perdido e desorientado. Ao se deparar com a gente estampou um sorriso de orelha a orelha que aos poucos deu lugar as lágrimas.— Que saudade eu estava de vocês! — Jogou-se em cima da Yang que continuava se fazendo de durona.
— Sempre chorona. Para com isso.
Bianca a abraçava ainda mais forte. Rendendo-se aos carinhos, Yang retribuiu o abraço.— Só você para tumultuar nossa vida — forçava o punho fechado contra a cabeça de Bianca brincando.
Em uma cultura que contato físico não é muito comum, éramos exceção. Embora tivéssemos sangue coreano, tínhamos em nossos corações o acalento brasileiro. Crescer num país tão amoroso fez total diferença em nosso estilo de vida, e não mudamos o jeito de lidar umas com as outras.
— Senti tanto a sua falta, rabugenta.
— E eu? — Ergui os braços chamando a sua atenção.
— Você também! — Passou o braço em volta do meu pescoço.
— Sinto em lhe dizer, mas ela estava com mais saudades de mim — Yang implicou.
— Só porque ela não te vê a mais tempo...
— Pode parando porque eu amo e sinto falta das duas!
— Hum, olha só a caçula brincando com a gente — brinquei.
— Vivemos pra ouvir isso — Yang disse e gargalhamos juntas e Bianca deu um leve sorriso.
Apesar de parecer triste e abatida por tudo que vinha acontecendo, ficou claro que Bianca se sentia mais confortável por estar em nossa companhia. Claro, não estava pulando de alegria, mas já era um grande começo.
Resolvemos que ela ficaria comigo. Apesar de dar aula, meu horário era bem flexível. Já o de Yang era quase todo sugado pelo trabalho, tanto que nos deixou em casa rapidamente:
— Vamos entrar e tomar alguma coisa — disse enquanto tirávamos as malas do carro.
— Não vai dar mesmo — fez beiço. — Estou com um documento importantíssimo em cima da minha mesa esperando pela minha análise. Temos uma campanha em breve e algumas coisas estão bem atrasadas — ela notou o semblante desanimado de Bianca. — Mas prometo que amanhã a gente sai pra comer alguma coisa!
— Podemos levar ela pra conhecer nosso restaurante de sempre — frisei as últimas palavras por não concordar tanto com esse termo comumente usado por Yang.
— Ah, presumo que esteja doida pra encontrar aquela obra de arte novamente... — Yang Mi piscou dando um sorriso meia-boca.
— Que obra de arte? — Bianca ficou curiosa.
— Um homem gato que a Débora conheceu nesse restaurante, já esbarrou com ele mais de uma vez...
— Para de falar bobagem! — Interrompi.
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O quanto ele me amava
Romansa"Eu finalmente decidi mudar, me soltar das correntes do medo que tanto me sufocavam - fiquei tão livre que finalmente pude voar e sem pensar duas vezes, voei." Débora Lee está cada vez mais perto dos trinta quando sua vida toma um caminho que apesar...