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As dezasseis horas da tarde eram consideradas um período de tempo crítico para mim. Não só tinha o sol forte a embater na minha cabeça, misturado com uma brisa fresca que anunciava a aproximação da estação do ano seguinte, o inverno, como também possuía uma enorme moleza, cuja não era adequada, para quem estava a percorrer o caminho para o seu local de trabalho. Além disso, encontrava-me atrasada, só para ajudar o meu trágico estado de espírito. Desci os pequenos degraus do autocarro e, num ritmo de correria, desloquei-me os metros que restava para a entrada da livraria, logo, segurando na maçaneta da porta para a empurrar e me ser possível adentrar no espaço. Como costume, o estabelecimento encontrava-se envolvido num ambiente pacato, apenas, com Paula no fundo a organizar uma parte da estante lá situada. Num ápice, acomodei a minha bolsa atrás do balcão, retirando o meu aparelho móvel da mesma e repousando-o sobre o vidro do obstáculo que dividia a zona dos funcionários daquela destinada a atendimento ao público, e sentei-me, numa postura confortável, no banco, colidindo com as minhas costas na parede cinzenta. Nesse mesmo instante, Paula ocupou o meu campo de visão.

- Desculpa pelo meu atraso. – De imediato, exprimi o meu pedido de perdão. – Prometo que não volta a acontecer. – Comprometi-me a não repetir o comportamento demonstrado naquele dia, ainda que o atraso fosse de poucos minutos.

- Nunca me importei com essas coisas, Eleónora. – A de cinquenta anos desvalorizou. – Tal como tu, utilizo os serviços dos transportes públicos e sei quão difícil pode ser usufruir desses serviços públicos alguns dias, especialmente a estas horas. – Acrescentou e, ainda, conquistou o meu sorriso de agradecimento pela compreensão. – Mal chegaste, mas vou ter de sair, agora, se quero chegar às horas certas da minha consulta. Não te preocupes com o fecho da loja, porque conto conseguir despachar a tempo para fazê-lo eu própria. – Avisou.

Com a sua característica bondade, deixou um pequeno e carinhoso beijo na minha testa, despedindo-se, e, depois de verificar ser possuidora dos seus pertences, abandonou a livraria, proferindo mais algumas palavras de despedida. Vendo-me sozinha no espaço, empurrei a pequena porta ao lado do balcão, que me fechava naquela zona de atendimento, e percorri os cantos do local, já bem conhecidos por mim, à procura de qualquer obra literária que, ainda, não tivesse lido ou, já, não lesse há tanto tempo, sendo-me possível recordar da história. Foi a vez da estante relativa à literatura portuguesa captar a minha atenção, em particular, o primeiro e último nome do único escritor português a ganhar o Prémio Nobel da Literatura, até então, e uma das suas grandes obras, As Intermitências da Morte. Agarrei na obra e retornei ao local que me era destinado. As minhas íris azul-esverdeadas iniciaram a leitura, cuja era interrompida, por vezes, com entrada de clientes, contudo eram poucas as vezes, para minha felicidade, visto que a pior coisa que me podiam fazer era interromper as minhas leituras. Algo irónico para quem se encontra a trabalhar, pois o meu objetivo era auxiliar as pessoas quando necessitavam e não enriquecer a minha cultura com as inúmeras histórias presentes no meu local de trabalho. Encontrava-me tão concentrada nas páginas carregadas de linguagem e estilo de José Saramago que não me apercebi da entrada do último cliente, sempre, anunciada pelo sino por cima da porta.

- Ainda bem que as minhas suspeitas estavam corretas. – Assim que o rouco tom de voz do internacional português se introduziu nos meus ouvidos, o meu corpo sobressaltou como reação à sua inesperada presença no local. – Quero acreditar que não me estás a evitar. – Elevei o meu olhar e encontrei o seu intenso castanho a contemplar-me.

Com os braços, a suportar o seu peso, sobre o balcão e as mãos cruzadas sobre o mesmo, Rúben fitava as minhas feições, apresentando um bonito sorriso nos seus lábios. Os meus olhos, logo, seguiram para a sua indumentária, que consistia numa T-Shirt básica branca, coberta pelo casaco alusivo ao clube que ele defendia profissionalmente, e um par de calças de ganga, sendo concluída, com os seus Nike Air Force 1, uma escolha de vestuário que aumentava o seu ar atraente e atrevido que era completado com o seu sorriso.

touch and go | ruben dias [slow updates]Onde histórias criam vida. Descubra agora