Prólogo

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Florença, Itália

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Florença, Itália.

Ano de 1492


Havia uma última coisa que podia fazer. Talvez a mais difícil e pior de todas que tinha feito desde que a escuridão do luto eclipsara seu coração.

Voltar para o lugar que suas mãos haviam profanado.

Se tivesse escolhas, não voltaria. Por vergonha. Por medo.

Mas as escolhas já não existiam mais.

A lua estava alta; um manto prata que cobria o mundo. Mas dentro dele ruía apenas um breu interminável.

A capa oscilava nas costas enquanto ele corria pelos becos. As ruas de paralelepípedos craquelavam aos seus pés, e as sombras das construções pareciam se inclinar uma contra a outra, formando um canal que ressonava as batidas altas do seu coração.

O que foi que eu fiz?

E a pergunta que mais o assombrava: o que ela fizera com ele?

Esfregou o peito, sentindo a saliência da cicatriz recente que tomava forma na pele, e continuou correndo, descendo pelas vielas estreitas que formavam um caminho desconhecido para a maior parte das pessoas. Névoa azulada flutuava no ar.

Não olhou para trás em momento algum; mas a audição captava o estalar do fogo feroz que insurgia nos cantos mais escuros do caminho.

Parou diante da escadaria de ardósia. Não havia barulho.

Porque, horas atrás, eu calei todos os sons desse lugar.

Teria se afogado na culpa se não estivesse trincando de medo, questionamentos e terror. O que seus olhos haviam contemplado... Tinha certeza de que nem as pessoas comuns, nem os homens que conheciam o que ele conhecia, haviam visto algo como aquilo.

Como aquele fogo.

Com a pulsação latejando na garganta, subiu os degraus sem se importar se estava profanando o local outra vez.

Ao alcançar o salão de luz bruxuleante, ele olhou em volta. O fiapo da lua que se esgueirava pela claraboia iluminava os corpos ensanguentados.

Todos tinham lutado. Todos tinham morrido. Em suas mãos.

Ele comprimiu os olhos, abafando o grito que queria rugir.

Foi a respiração baixa que o trouxe de volta. Virou o rosto; um dos anciões caído no chão ofegou, olhando em sua direção.

Ele poderia ter implorado por perdão, mas não havia tempo. Agachou-se ao lado do velho, erguendo-o com o máximo de cuidado que conseguiu. Esperou pela acusação. Ela também não veio. Mesmo assim, sentiu a recriminação nos olhos do ancião, na névoa que serpenteava do lado de fora, no frio intrínseco da noite e da alma.

— Onde está a harpa? — o ancião sussurrou.

— Não está comigo.

— Está com ela?

— Também não.

— Então, onde está? — Houve um momento de silêncio. O ancião inspirou fundo; a dor irradiava em seu semblante. — O que aconteceu esta noite? O que aconteceu quando você desceu?

Ele baixou o rosto; os fios escuros do cabelo caíam pela testa.

— Ela me enganou. Quando percebi, selei a harpa. — Foi tudo o que optou por contar. A vergonha e a humilhação queimavam no sangue. — Só que não consigo mais encontrá-la. Isso nunca aconteceu antes.

O ancião tossiu.

— É porque é o legado apenas do meu sangue proteger a harpa. Desde que as filhas do Tempo e da Terra abençoaram meus antepassados. — E ergueu a mão trêmula; os dedos do velho tocaram o peito dele, a cicatriz exposta, fazendo-o estremecer.— Ela o marcou com o fogo negro.

— O que isso significa?

Uma brisa estranha bufou. Ele olhou de soslaio para os cantos; era como se a essência ardente dela deslizasse pelas sombras.

Quase podia inalar o cheiro do fogo que não era fogo.

Estava perto. Estava muito perto.

— Posso sentir no ar, na matéria e nas estrelas. Isso se estenderá pelos tempos. O que foi roubado perturbará as leis do equilíbrio até que volte para seu lugar de origem. E... — O ancião o fitou; naquele momento, achou que o velho estava enxergando para além de sua alma marcada. — Somente aquele que carrega meu sangue será capaz de ajudá-lo um dia.

Ele olhou em volta, olhou para todos os corpos ao seu redor.

— Seu sangue? Mas... Estão mortos.

As nuvens se moveram do lado de fora, encobrindo a lua e a luz nos olhos do ancião.

Ouviu o rugido do fogo quando o velho morreu em seus braços.

Fogo negro, fogo ardente, um fogo que surgira do nada.

Ele se levantou assustado; a fumaça cresceu mais rápido do que seus olhos foram capazes de registrar. Sombras rastejavam pelo salão. Escuras, cinzas, sem rostos.

Podia escutar o eco sussurrante através das labaredas.

"As portas do destino... São uma só...".

Sem pensar, correu na direção do grande vitral em meio ao ar fumegante; gritos ecoavam na cabeça, nas chamas que consumiam as colunas.

A morte era melhor do que qualquer outro destino.

Ele se atirou contra o vitral no mesmo instante em que a casca da presença sombria o alcançou.

O fogo negro explodiu junto aos cacos, se espalhou e destruiu toda a construção, ardendo por um dia e uma noite, como o ventre vivo do mais denso pesadelo.

O fogo negro explodiu junto aos cacos, se espalhou e destruiu toda a construção, ardendo por um dia e uma noite, como o ventre vivo do mais denso pesadelo

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Olá, amores!

Sejam bem-vindos ♥

E aqui estamos em mais uma aventura! Desta vez, uma fantasia urbana com investigação policial, cheia de ação, mistério e romance ♥

Hoje, além deste prólogo, será liberado o capítulo 1 e o capítulo 2. Boa leitura!

Rosa Negra | DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora