Somente petalas;

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Arthur García

   Se passaram cinco dias desde o meu encontro com Gael. Chloe está esperando o resultado do vestibular sair e abuelita se inscreveu em um clube para senhoras. Eu comecei a pintar o quadro de Gael, peguei uma tela grande, tem mais ou manos meio metro. Comecei a esboçar as mãos de Gael e sempre me lembro de quando a segurei, e como aveludada sua pele era contra a minha.
  Toda vez que começo a pensar nele, eu sinto um forte gosto de lavandas no fundo da minha língua. Mas acho que seja minha imaginação para me inspirar a pintar o quadro, e sinto um perfume de lavandas também, mas de novo, acho que seja minha imaginação. Eu tenho conversado com ele todos os dias, quando ele está perto de mim, o humor dele oscila entre frio e ignorante para doce e relaxado diversas vezes. Por exemplo, ontem eu fui visita-lo na floricultura. Ele me recebeu com um sorriso, eu fui para abraça-lo e seu sorriso murchou e ele recuou. E repentinamente ele passou a mão pelo meu braço carinhosamente enquanto falava comigo. Eu não entendo o que está acontecendo com ele, será que ele trata todos assim? Eu será que eu sou o problema?
Eu tenho tido muita tosse ultimamente, algumas vezes, saem pequenas pétalas roxas, mas eu acho que é coisa da minha cabeça por estar muito concentrado nesse projeto do Gael.
  Estou nos fundos da cafeteria no intervalo, sentado com Marcos.
—Você está sentindo esse cheiro, Arthur?
—Que cheiro?
—De... Flores — ele começa a farejar o ar como um cão e se vira para mim quando me vê tossir.
—Deve ser o novo aromatizador de ambiente que colocaram na cafeteria.
—Ah, verdade. Você tá bem? Estás tossindo toda hora.
—Não é nada, acho que só um pequeno resfriado.
  Começo a tossir de novo, e pequenas pétalas roxas voam da minha boca. Elas não passam de meio centímetro, são muito pequenas. E eu as ignoro.
Quando estou prestes a me levantar, Marcos me puxa pelo avental.
—Hoje eu e o Gael vamos no bar, pelas sete da noite. Se você quiser, pode aparecer lá. Nunca te vi bêbado — a última parte sai junto com uma risada.
—Claro, eu apareço lá pra você me embebedar.
  Solto uma risada leve que se mistura com uma tosse forte. Volto para a cozinha e começo a lavar a louça, a água gélida escorrendo pelas minhas mãos e me refresca. Hoje está muito quente, ainda mais dentro dessa cozinha.
  Se passam alguns minutos até uma tosse continua e forte me dominar por inteiro, sinto como se meu peito ficasse menor e eu não conseguisse puxar o ar me fazendo ficar um pouco tonto. Eu corro para o banheiro pois sinto que vou vomitar, assim que chego cuspo na pia branca um único botão de lavanda que estava um pouco manchada de sangue. Consigo sentir o gosto de ferro dominar minha boca, e olho para o espelho perplexo.
—Que porra é essa?!
Quando sinto que vou desmaiar eu respiro fundo três vezes. Jogo a flor no lixo e lavo minha cara. Devo ter engolido sem querer em algum momento... eu não sei o que está acontecendo comigo, isso é tudo muito estranho e desesperador. Eu vou tentar ignorar, acho que se eu fizer isso vai parar.
Volto para a cozinha e começo a guardar as coisas para fechar meu expediente. Depois de uma hora, me despeço de Marcos e vou pegar minha bicicleta. No caminho para casa paro na floricultura para comprar um vaso de lavandas para saber como pinta-las melhor.
—Pintor, o que te traz aqui? —Gael vem até mim com um sorriso no rosto, ele está tão lindo com o uniforme do trabalho. Ele estava meio suado, parecia que estava carregando algumas coisas pesadas.
—Vim comprar lavandas, para seu quadro
—Que amável... Começou a usar perfume de lavanda também?
—O quê? Não... por quê?
Ele se aproxima de mim e começa a me cheirar, e seu rosto fica perto do meu pescoço. Sinto sua respiração no mesmo, involuntariamente solto um pequeno suspiro e ele se afasta.
—Você está com cheiro muito forte de lavandas. Vem, vou pegar suas lavandas.
Eu o sigo até os fundos da estufa, onde tem alguns vasos de flores, e por fim as lavandas. Ele pega um dos vasos e me dá, quando vou tirar minha carteira ele segura minha mão.
—É por minha conta.
—Fico te devendo essa, Gael.
Sorrio para ele e ele me dá um soco fraco no ombro. Vou até a frente da loja e coloco o vaso na cestinha da bicicleta, me despeço de Gael e vou para casa.
Quando chego em casa, coloco o vaso perto da janela. Abuela não está, e Chloe está na cozinha fazendo algo.
—Chloe aonde está Madalena?
—Ela foi no encontro do clube de senhoras. Eu levei ela, parecem todas muito doces... e velhas.
—Claro... o que você está cozinhando?
—Sopa, para você. Te ouvi tossir a noite toda.
Eu a abraço e dou um beijo na sua bochecha, vou para o banheiro para tomar um banho e tirar o suar do dia. Coloco o chuveiro no gelado, para me refrescar.
"Deve estar no mínimo 30 graus lá fora"  penso enquanto tiro a roupa e a jogo em cima da pia. Começo a tossir continuamente de novo e saem mais pétalas pequenas, eu as ignoro. Acho que se continuar assim elas irão simplesmente desaparecer. Entro no banho e sinto a água gelada escorrer no meu corpo como um choque térmico, a água me faz arrepiar e me recordo do beijo no pescoço que Gael me deu.
Eu não quero gostar dele. Eu me recuso a sentir algo.
   Pois eu sei que não seria correspondido.
Tento afastar meus pensamentos sobre isso jogando um pouco de água gelada no meu rosto. Saio do banho e esse cheiro de flores não sai de mim. Não importa quantos banhos eu tome ou quanto perfume eu coloque.
Coloco uma roupa larga e saio para a sala. Me sirvo de sopa que Chloe fez para mim e sento no sofá para comer.
Minutos depois ela sai dizendo que ia buscar Madalena no clube.
As flores. Qual o porquê dessas flores? Por que lavandas? Quando isso vai acabar?
Eu levanto depois de comer um pouco — Estou praticamente sem apetite nos últimos dias — e vou para o quarto, olho para o quadro de Gael, que até agora é composto por algumas linhas fracas de lápis. Saio do quarto rapidamente e pego o vaso que deixei perto da janela e o coloco na mesinha ao lado da minha cama, fico o observando por um tempo. As folhas verdes, as pequenas pétalas roxas ao sol da tarde e o cheiro que perfumava o ar. Agora eu sei porque são as favoritas de Gael, são simples e minimalistas. Os tons de roxo, branco e verde são tão claros e delicados, e o cheiro é hipnotizante, assim como ele.
Eu começo a tossir e cuspo um pequeno botão de lavanda. O coloco dentro do vaso, novamente, ignorando.
Passo um tempo pintando o fundo do quadro, até que vejo a hora.

18:46

Tenho que ir ao bar encontrar Marcos e Gael. Saio do meu quarto com a minha carteira e o celular no bolso. Passo pela sala e me despeço de abuelita, que estava no sofá assistindo televisão. Subo na minha bicicleta e pedalo até o bar, que é um pouco longe da minha casa então passo por algumas ruas e finalmente chego, a noite começa a cair e está super abafado quando entro no bar.
Assim que entro, no fundo vejo os dois sentados em uma mesa redonda bebendo cerveja. Sinto minhas mãos começarem a soar e eu cuspo mais umas pétalas de lavanda no caminho até a mesa. —imagino se alguém notou.
—Arthur, enfim chegou, estás atrasado hein. Estava falando agora com Gael: "o que será que aconteceu com o nosso Picasso?" — Eu me sento na mesa redonda entre Gael e Marcos. Gael me encara profundamente antes de me cumprimentar.
—Então, o que você vai beber, Arthur? — pergunta Marcos colocando sua mão sobre meu ombro. Eu consigo sentir que ele está um pouco embriagado pelo jeito que ele se move.
—Bourbon, eu acho. O que eu sempre bebo.
—Não! Você vai beber algo para ficar bêbado... que tal um copo de uísque? É como bourbon, só que melhor.
—Claro, claro... — digo em tom de deboche — pode ser, já que você quer me embebedar, traga mais de um copo.
Antes de poder falar mais algo ele levanta e vai até o balcão. Gael coloca sua mão sobre minha coxa e eu congelo com o seu toque.
—Eu que falei para Marcos te convidar.
Ele solta um sorriso meio torto. Consigo sentir o cheiro do álcool quando ele fala, ele parece estar bem embriagado.
—Ah é? Mas por que?
—porque eu gosto de ter você por perto. — por dois segundos ele se aproxima de mim, então, parece que ouviu o que disse e muda dramaticamente de comportamento— gosto de te ter por perto pois me sinto mais jovem.
—Sou apenas dois anos mais novo que você, Gael.
—Que seja.
Ele tira bruscamente sua mão da minha perna e dá um gole na bebida. Novamente, tão frio repentinamente. É assustador.
Logo Marcos chega com as minhas bebidas, Gael está com o rosto virado para o outro lado e suas pernas estão agitadas.
—Hora de deixar nosso Van Gogh torto!
—Cala a boca Marcos
Eu começo a rir e beber. A cada gole que dou, sinto meu corpo esquentar mais e meus pensamentos ficarem menos coerentes. Eu rio de coisas bobas e nem me importo se eles percebem que estou cuspindo pétalas.
Quando vejo, estamos na praia, sentados na areia.
—Acho que... vou dar um mergulho.
—Marcos, não sei se... é uma boa ideia
Enquanto Gael e Marcos discutem se vão ou não entrar na água, eu tiro minha camisa e meus sapatos. Começo a caminhar em direção a água e coloco meus pés no mar, sinto a água refrescante bater em minhas canelas.
—A água parece boa!
Entro na água e mergulho. Sinto meu corpo todo se refrescar como se precisasse disso, como se eu estivesse sedento pela água salgada e calma do mar lavando todas as minhas memórias do verão passado.
Assim que tiro minha cabeça de dentro d'água, vejo os dois entrando também. A água estava até minha barriga, e por estar embriagado, não me arrisco a ir mais fundo. Gael desaparece em um mergulho e Marcos nada como um cachorro até mim.
Na água escura, sinto mão percorrendo minhas panturrilhas até minhas coxas e as usa de impulso para sair da água, jorrando pingos por todo lado.
—Te assustei?
—No mar não é normal alguém pegar nas suas pernas, muito menos a noi...— Antes de terminar a falar, Marcos afunda a cabeça de Gael na água, fazendo ele levantar rapidamente tossindo.
—Babaca!
—Desculpa não te vi — ele exala deboche.
Nós ficamos brincando no mar como crianças. O corpo de Gael parecia ser uma escultura grega, era quase sem imperfeições, a água verde escura combinava perfeitamente com seus olhos verdes esmeralda. Sempre que ele ria eu sentia mais gosto de lavanda na minha boca
     Foi a primeira vez que senti vontade de beija-lo
Não.
Eu me recuso a ceder a isso...
Mas talvez eu tenha que a ceder...

   Me encontro voltando para casa, não me lembro de muita coisa, estou embriagado de mais para pensar. Estou molhado como um pano velho e cheiro a sal marinho, mas algo que me lembro — e não quero esquecer — foi o jeito que ele me olhou quando nos despedimos.
Era um olhar doce, diferente de como ele me olha na maioria das vezes. Ele normalmente me olha com frieza ou confusão, mas dessa vez eu senti que ele me olhou com carinho. Ele sorriu pra mim e novamente, beijou meu pescoço. Eu o segurei para falar algo, mas não saiam palavras, então só fui embora.
  Lembrando assim é extremamente embaraçoso! Mas... pelo menos estou bêbado.

Talvez eu devesse aceitar que amor a primeira vista existe, só odeio que tenha que acontecer comigo.
  Ainda mais quando Gael é o alvo.

~*~

Pintando FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora