Apenas outro dia;

8 2 1
                                    

Gael Durand

Estou apodrecendo na estufa da faculdade fazendo aula prática de botânica. Eu já estudei isso duas vezes. Enquanto o professor fala minha mente está presa em outro lugar, mais especificamente na minha cama. Infelizmente, depois dessa aula eu só tenho 1h para almoçar e ir para o trabalho.
Meu colega de quarto, trabalha de manhã até as 13h e então vai para a faculdade, a mesma que a minha, de biologia. Marcos, além de ser meu colega de quarto, como eu disse antes, é meu melhor amigo. Sempre passa na minha floricultura para comprar túlipas para sua namorada.
Na saída da aula algum babaca esbarra em mim e eu derrubo meus papéis e meus óculos, me sinto uma garotinha de filme.
— porra! Vocês agem como animais! — me abaixo para pegar meus papéis e vejo que meu óculos redondo está com uma rachadura no canto da lente direita.
"Que merda... agora vou ter que arrumar dinheiro para concertar" penso caminhando mais rápido para a saída da faculdade.
Vou para um restaurante que tem na faculdade para almoçar lá, como rápido e vou de carro para a floricultura.
— Oi Gael. Estás atrasado, que raridade — diz Caroline, rindo enquanto leva uns vasos de margaridas para uma prateleira.
— Tive um pequeno acidente, acabei perdendo meu ônibus... — digo apontando para meus óculos. — Como estão as samambaias? Elas estavam meio secas, coloquei uma solução que eu aprendi a fazer em casa, dizem que recupera plantas em... horas! — completo enquanto me dirijo para o fundo da estufa onde deixei as samambaias e no caminho me deparo com um vaso de lavandas. Eu paro e as cheiro, tão lindas, lavandas são minhas favoritas.
Quando chego nos fundos da estufa, consigo ouvir Caroline se engasgando de rir enquanto eu vejo as samambaias totalmente mortas.
— parece que você colocou ácido nas samambaias — ela diz chorando de rir.
Desapontado, jogo as pobres samambaias fora e vou para a frente da loja novamente. Começo a regar umas mudas quando vejo um jovem entrando na loja e indo falar com Caroline, ele parece conhecer ela.
Ele é magro, muito branco, cabelo escuro comprido amarrado em um coque e tinha tinta verde nas mãos. Parecia ter minha idade, 24 anos ou menos. Ele pegou um vaso de violetas, pagou e foi embora. Não sei porquê eu fiquei intrigado com a presença dele, parecia ter uma energia relaxante e refrescante por onde ele passava.
— Quem era? — digo me dirigindo até Caroline, que estava contando quanto dinheiro o garoto tinha dado a ela pelo vaso.
— Um artista, amigo de Marcos... trabalha na cafeteria com ele. Se mudou pra cá a um ano com a família — diz ela indo até o balcão sem olhar para mim, para deixar o dinheiro no caixa.
— você sabe o nome dele? — sigo ela até o caixa e percebo que ele pagou 50 reais por um vaso de 25 reais... uau.
— poxa... eu realmente não lembro, não é como se eu falasse com ele sempre, ele não sai muito... com pessoas. — ela completa pegando a mangueira que eu larguei e indo regar as mudas.

Depois de vender alguns vasos eu me despeço de Caroline e vou até a faculdade buscar Marcos, fico esperando ele enquanto leio um livro de zoologia, que por sinal é a matéria da prova da próxima semana. Eu sinto a luz do sol deixando minha pele negra, dourada; e o calor me relaxando. O sol está começando a se pôr.
Ouço a voz de Marcos, então me levanto do meio-fio e vou até ele. Nós vamos até um bar que tem perto do nosso apartamento beber umas cervejas e conversar sobre as provas e relaxar um pouco, pois hoje é sexta, nós fazemos isso toda sexta.
Conto pra ele do garoto, com uma certa curiosidade que não consegui esconder muito bem. Marcos me diz que seu nome é Arthur García.
— Amanhã tem uma feira de artes a noite, ele vai estar vendendo uns quadros. Eu vou ir, se quiser me acompanhar para conhece-lo — ele comenta enquanto dá um pgole na cerveja.
— Claro, eu adoraria. Temos que decorar aquela caverna que chamamos de "apartamento" — rio e dou um gole na minha cerveja, que por sinal, está quente.
Na volta para o apartamento passamos na praia para ver a lua, que hoje está cheia e brilhante. O mar está quente, Marcos está fumando sentado na areia enquanto eu estou com água até os joelhos caçando conchas. Sinto a água calma quase molhando minha calça que esta enrolada, as conchas sendo iluminadas pela luz do luar. O gosto de sal invade minha boca só por estar ali, é incrível. Saio lentamente da água e me seco com um casaco e me sento ao lado de Marcos.
—Tá tudo bem entre você e seu pai? Ouvi você gritando no telefone ontem... — ele soa hesitante quando me pergunta. Então dá um trago no cigarro.
—Mesma briga de sempre, com 24 anos ele queria que eu já estivesse casado com uma bela mulher e cursando direito. — rio ironicamente e olho a fumaça do cigarro se misturar com a luz da lua. Lembro da época em que eu briguei com meu pai porque eu queria fazer biologia e ele queria que eu fizesse direito, como ele.
— Que merda... olha tenta ignorar ele o máximo que você puder, você está bem estressado, e dá pra ver que é por causa dele — ele me abraça e dá pequenas batidinhas no meu ombro.
  Nos levantamos e vamos caminhando para o apartamento, não é tão perto mas o caminho a noite é bom, a estação é outono, as últimas noites quentes do ano antes do inverno congelante chegar.
Chegando no apartamento eu tomo um banho e rego as plantas da casa, analiso um bonsai que fica ao lado da minha cama, está ficando laranja as folhas que antes eram verde vibrante.
Passo pelo quarto de Marcos e ele parece estar em um sono tão profundo que nem um apocalipse o acordaria. Ainda estou sem sono então separo minhas roupas para a feira de arte amanhã.
Terno e gravata? Não, muito formal.
Bermuda e camisa florida? Pareço um turista usando essa camisa, então não.
Calça moletom e regata? É... não é ruim.
  Por quê estou tão ansioso para isso? Só vou conhecer alguém novo, ver uns quatros, esculturas... talvez até tomar um café com Arthur, Caroline e Marcos.
Decidi logo me acalmar e fazer um chá, abrir um livro e ler na sacada. Ver as pessoas passando na rua abaixo de mim me faz sentir invisível, eu gosto disso.
Vejo bêbados, grupo de mulheres, casais, pessoas passeando com cachorros e camionetes com grupos de adolescentes bêbados no bagageiro cantando músicas e gritando com quem estava andando na calçada. Meus olhos percorrem o horizonte, de um lado o mar, no outro uma floresta. Do outro lado dessa floresta há um campo de flores, só fui lá quando criança, belas memórias.
  Será que amanhã será um dia quente ou frio? Tenho que ver se vou levar um casaco

~*~

Pintando FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora