Arthur García
"Eu amo pintar e sou minhas pinturas"
Eu me levanto cedo para trabalhar, coloco o uniforme da cafeteria e vejo meus quadros juntos em um canto, amarrados por dois fios barbantes. "Hoje espero vender todos" penso positivo.
Se eu conseguir vende-los, tenho dinheiro suficiente para pagar a faculdade e isso seria tudo para mim. Só de pensar em tudo isso um sorriso se cria em meu rosto.
Rego o vaso de violetas que comprei ontem na floricultura, coloco meus sapatos e saio para o trabalho. Sinto o sol da manhã esquentando levemente minhas costas enquanto pedalo em direção á cafeteria. Estaciono minha bicicleta e vejo Marcos fumando nos fundos.
—Bom dia chaminé — ele solta uma risada seguida de uma tosse arrastada.
—Bom dia Picasso, hoje é o grande dia — ele apaga o cigarro e me segue até a cozinha.
—Sim... eu estou ansioso para vender minhas obras. Você vai levar a Caroline? Tenho uns quadros de plantas que ela gostaria eu acho.
—Claro que vou! E estou levando meu colega de quarto. Ele faz faculdade comigo, acho que vocês iriam se dar bem.
Eu solto uma risada curta. Me dirijo até o saguão e começo a limpar as mesas. O cheiro de álcool invade meu nariz e é quase sufocante, me lembra como me senti quando tomei meu primeiro porre de vodka, eu estava com ele e com a Chloe atrás de um barco na praia. Mas logo a lembrança se perde por causa do cheiro de café que vem da cozinha.
Eu moro nessa cidade á 5 anos, mas morava com meus pais do outro lado da cidade, era bem isolado. Quando descobriram sobre ele, me expulsaram de casa... então vim morar mais perto da praia, aonde vivem mais pessoas, estou aqui á um ano, e sinto que cada dia é incrível. Ainda mais quando Chloe se mudou comigo.
Os outros funcionários chegam, não falo muito com eles, o único que eu converso é o Marcos, pois ele veio falar comigo quando eu estava fazendo um desenho no meu caderno no horário da pausa.
"Que mão habilidosa, você deveria ser artista"
"É... eu sou artista, só não exponho minha arte"
"Como assim?! Por favor, me mostre seus desenhos!"
Desse dia em diante ele me motivou a vender meus quadros, ele comprou mais de 10 quadros meus em torno desse um ano que conheço ele.
Se passam algumas horas, eu adoro fazer os cafés, meus favoritos de fazer são os que tem desenho, mas o cheiro de café forte me enjoa depois de muito tempo preso na cozinha. Olho no meu relógio e percebo que está na hora da minha pausa e da pausa do Marcos. Então vou até ele e dou dois tapinhas em seu ombro enquanto caminho até os fundos da cafeteria, vejo ele me seguindo logo depois de guardar alguns guardanapos.
—Muito cansado? Tem vários clientes hoje — ele pergunta enquanto ascende um cigarro, ele me oferece mas eu recuso.
—Cansado de quê? Fazer café? — solto uma risada — só queimei minha mão mesmo — mostro a queimadura a ele, foi leve, mas como minha pele é pálida parece algo sério.
—Quer um curativo? Eu tenho aqui na minha mochila.
—Não obrigado, não está doendo tanto — rio olhando envolta da queimadura.
Conversamos mais um pouco quando termina a pausa, volto para a cozinha e ele para o balcão. Não consigo parar de olhar meu relógio.
12:24
12:36
12:56
13:00
Finalmente, 13h! Pego minha mochila e penduro meu avental, me despeço de Marcos e vou para minha casa pedalando. Pedalo tão rápido que sinto que estou voando, sinto o venti quase me levar de tão leve que estou me sentindo. Leve e feliz.
Passo pela floricultura devagar para sentir o cheiro incrível das flores e da terra molhada.
Assim que entro em casa sinto cheiro de macarronada, já sei que abuelita decidiu cozinhar junto com Chloe. Largo minha mochila na entrada e solto meu cabelo, odeio ficar de cabelo preso por muito tempo, gosto dele solto. Vou até a cozinha e minha abuela Está mexendo o molho enquanto Chloe coloca a mesa.
— Querido! Como estás? Estoy haciendo tua comida favorita. Sei que hoje é un dia especial para mi niño — ela caminha até mim e me dá um beijo na bochecha.
— sí abuelita, gracias — Seguro sua mão macia que ela havia colocado em meu rosto e deposito um beijo sobre ela. — Chloe, como você está?
— Bem! Eu e a abuelita fizemos uma roupinha para a Bolinha, já que o inverno está chegando, mas ela odiou a roupa. E agora fizemos o almoço... Você parece bem agitado.
— Sim eu estou, hoje é o dia da feira! Se tudo der certo, eu consigo dinheiro para a faculdade. — sorrio para ela e pego meu prato, me sirvo, sirvo ela e abuelita.
Enquanto estávamos comendo, abuelita ficava falando sobre o que ela quer comprar na feira, como ela sente falta da Espanha e como queria que a Bolinha não fosse tão teimosa e usasse a roupinha que ela e Chloe fizeram para ela. Era um casaquinho de lã azul, mas a gata odiou a ideia.
Quando o almoço acaba, Chloe e Madalena vão para a sala e eu fico lavando a louça. Estou quase rezando para que a venda dê certo, fico imaginando as coisas que vou fazer na faculdade, as pessoas que vou conhecer e os trabalhos que vou fazer... quase me perco na minha fantasia.
Vou para o banheiro e tomo um banho demorado, tiro os restos de tinta que haviam manchado minhas mãos e sinto a água quente passando pela minha queimadura, arde mas não é uma dor insuportável, mas a dor me lembra o soco que levei do meu pai e o olhar de desgosto de minha mãe. Quem cuidou das minhas feridas foi Chloe, minutos depois eles me obrigaram a ir embora se não me matariam. Ainda é tudo recente de mais, as cicatrizes ainda não fecharam bem... tudo arde quando lembro disso. Minhas costelas doem, os cortes se abrem e meu ar vai embora.
Saio rápido de banho interrompendo as lembranças e me seco, faço um pequeno curativo na minha queimadura e começo a me vestir. Coloco uma roupa formal mas nem tanto, prendo meu cabelo em um coque — porque Chloe disse que fica mais "profissional". Seja lá o que isso significa — e coloco meu avental de pintura. Acho ele bonito, cheio de manchas coloridas de tintas derramadas. Acidentes coloridos, os únicos que gosto de lembrar.
Olho no meu relógio e já são 15h, eles estão organizando o lugar. Pego meus quadros e os coloco na traseira da bicicleta, amarrados. Pedalo até o parque, onde acontecerá toda a feira. Coloco minha bicicleta no bicicletário e carrego meus quadros até uma das barracas que tinha meu nome. A promotora do evento vem até mim.
—García! Belíssimas obras, você é um ótimo artista. Espero que consiga vender os quadros. Quer ajuda para colocar eles nos cavaletes?
—Ah eu adoraria, obrigado.
Ela me ajuda a colocar os quadros nos cavaletes para a amostra, e anotar os papéis com os preços. A cada quadro que ela vê ela faz um comentário diferente: "que lindo", "olhe esses detalhes", "vai vender rápido!" Entre outros.
Eu trouxe 8 quadros: dois pequenos, três médios e dois grandes.
Eu preciso de pouco dinheiro para pagar a faculdade, então se eu vender esses oito... eu consigo!
Começa a cair a noite, eu ajudei a colocar as luzes e as placas com o nome dos artistas. As pessoas começaram a chegar e logo no fundo, vejo Marcos com uma bermuda marrom claro e uma camisa que eu pintei pra ele abraçando Caroline que está usando um vestido de verão, com flores amarelas bordadas. Amarelo realça a pele morena linda dela e suas tranças escuras. Os dois vem até mim e me cumprimentam.
—Marcos, seu amigo não pôde vir?
—Ele está a caminho, Gael ficou de fechar a floricultura.
—Então ele trabalha na floricultura? Eu não o vi quando fui lá ontem...
—Ele estava na parte de trás da estufa se não me engano — completa Caroline, que estava vendo um dos meus quadros.
Se passam trinta minutos e vejo um jovem alto, cabelos cacheados, usando uma regata azul e uma calça moletom cinza correndo até nós.
— cheguei! — ele diz ofegante — desculpe a demora, acabei tendo que tirar um pássaro de dentro da estufa. Você é o Arthur né? — ele estende a mão para me cumprimentar.
Eu simplesmente congelei, fiquei hipnotizado nos olhos verdes dele. A pele escura que fazia seus olhos saltarem e o sorriso desajeitado.
Ele era incrivelmente lindo.
—Ah! Ahm... sim sim, desculpa. Sou Arthur, Arthur García — aperto sua mão, sinto o calor dela tomar conta da minha mão gelada. então o solto, e saio totalmente do meu "transe".
—Meu nome é Gael. — ele espia pelo meu ombro e arregala os olhos. — uau! Quando Marcos me disse que você era um artista maravilhoso, ele não estava mentindo. — sinto meu rosto ficando quente, pela primeira vez não sei o que dizer. Deve ser o nervosismo de não ter conhecido ninguém novo a um tempo.
—Muito obrigado, eu me esforço. Pintar é minha vida, então coloco minha vida nesses quadros — acaricio o quadro que fiz de Madalena enquanto falo.
—Quero comprar
—O que?
—Quero comprar esse quadro. — ele aponta para o quadro que fiz do campo de flores que tem depois da floresta. Sinto meu corpo se enchendo de felicidade, meu primeiro quadro vendido.
—Oh! Deixa eu ver o preço... — caminho até o caderno onde tenho os preços. — oitenta reais, demorei bastante para faze-lo. Cada centavo conta.
—Pode deixar — ele tira a carteira e me dá uma nota de cem.
—Puts... eu não tenho troco, posso ver se outras barracas tem troc...— ele me interrompe.
—Não precisa, fique com a nota de cem, pelo trabalho. — ele sorri. Eu não consigo esconder meu sorriso e guardo o dinheiro. Ando até o cavalete, embalo ele com papel e amarro com barbante.
—Todo seu — entrego o quadro pra ele. Ele me retribui com um sorriso caloroso.
Nós começamos a conversar enquanto Marcos e Caroline foram ver as outras barracas. Descobri que ele tem 24 anos, trabalha na floricultura a 5 anos, mora aqui desde os 12 anos e Marcos sempre foi seu melhor amigo. Ele faz faculdade de biologia e adora ler sobre botânica.
Vejo de longe abuela e Chloe chegando, ando até elas para cumprimentar abuelita.
— niño como estás hermoso! Eu estou amando la feira de arte — ela segura meu braço e me segue até minha barraca. Enquanto Chloe voa pelas barracas comprando o que Madalena pediu.
— gracias abuelita. Você já conhece Marcos e Caroline — ambos dão um abraço e um beijo nela.
— quem é este hombre hermoso? — ela aponta para Gael.
—Esse é o Gael. Acabei de conhece-lo, ele é amigo do Marcos. Ele comprou meu quadro do campo, aquele que você e Chloe me acompanharam até depois da floresta lembra?
— sí, me recuerdo — ela cumprimenta ele com um abraço caloroso. Chloe aparece com duas sacolas e uma caixa.
—Oi gente, desculpa eu estou comprando as coisas para abuelita... vou deixar elas aqui no canto da sua barraca está bem? — ela larga as coisas no fundo da barraca e devolve a carteira de Madalena para ela.
Depois de conversar um pouco com todos que estavam ali e ouvir as histórias que abuela contava sobre a Espanha, eu vendi mais três quadros. A feira estava acabando, todos tinham ido embora e eu estava desmontando os cavaletes e recolhendo os outros 4 quadros que sobraram.
"Vou ter que dar um jeito de conseguir o resto do dinheiro" penso um pouco desanimado. Mas pelo menos vendi quatro quadros.
Enquanto estava amarrando os quadros na traseira da minha bicicleta eu sinto uma mão quente nas minhas costas e me assusto, dando um salto e virando pra trás.
— Relaxa! Sou eu, desculpa te assustar — Gael diz rindo.
— Caralho... eu me assusto muito fácil. O que você está fazendo aqui? Pensei que você tinha ido junto com os dois para o apartamento de vocês.
— Nah... Marcos me chutou do apartamento porque queria ter um "momento a sós" com a Caroline, disse pra eu voltar depois da uma da manhã.
— Que merda, ainda são onze horas. — completo rindo e ele ri junto. — Quer me acompanhar até em casa? Eu deixo a bicicleta lá e vamos para um bar, o que acha?
Ele parece pensar um pouco, me olha dos pés a cabeça.
— Claro, por quê não né?Nós caminhamos juntos até minha casa e eu deixo a bicicleta no quintal. O bar não é tão longe então vamos a pé e conversando, ele parecia estar um pouco embriagado. Eu não sei o quê tem nele que... me chama a atenção. Me cativa. Eu estou preso em seus olhos verdes e sua voz profunda e arrastada. Ele fala com as mãos, fazendo gestos quando se anima. No momento estou ouvindo ele falar sobre sapos... eu nem estou prestando tanta atenção, mas eu estou encantado.
Quando chegamos no bar ele pede uma cerveja e eu peço um bourbon.
—Você realmente bebe isso? Tem gosto de gasolina! — ele exclama quando meu copo chega.
—Você se acostuma com o gosto, não é tão ruim.
—Não... não é ruim, é HORRÍVEL! — Ele começa a gargalhar, e seu sorriso é tão contagioso que não consigo evitar de cair na risada junto.
—Arthur, você pintaria um quadro pra mim?
—Claro, você quer algo específico ou algo aleatório?
—Lavandas
—O que?
—Pinte lavandas para mim. Te pago oque for preciso, elas são minhas favoritas — ele completa me olhando e me passando um guardanapo com algo anotado. Ele levanta o pulso e olha em seu relógio.
—Tenho que ir, já são duas da manhã. Me mande mensagem, meu número está no guardanapo. Estou a espera das minhas lavandas.
E antes de eu poder me despedir de volta, ele se vai, como se fosse um pássaro voando.
Lavandas.
Vou pintar lavandas.
Me levanto do bar e pago as duas bebidas, acho que ele estava tão bêbado que esqueceu que tinha que pagar. Enfio o guardanapo no bolso e caminho para casa. Sinto a brisa da madrugada batendo no meu rosto e fico pensando como vou pintar lavandas para ele, são flores bonitas e cheirosas, roxas, esguias... vai ser difícil pensar em algo criativo com lavandas. Não posso entregar somente um quadro com lavandas pintadas...
Chego em casa e entro em silêncio. Tiro minha roupa e me jogo na cama só de cueca, quando lembro que ele me deu o número dele. Então pego meu celular na mesinha de cabeceira e puxo minha calça, que estava jogada no chão. Pego o guardanapo no bolso e adiciono o número de Gael no meu celular."Gael Lavandas"
Parece que vou ter que pintar essas flores.
Mando uma mensagem dizendo que sou eu, mas ele não lê. Deve estar dormindo a essa hora.Amanhã é outro dia.
~*~
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Pintando Flores
RomanceAmar alguém requer esforço, coragem e trabalho. Na maioria das vezes, esse trabalho vale a pena no final... quando não é unilateral. "Prefiro morrer de amor do que morrer de tédio" - Vicent Van Gogh.