Impulso Letal;

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Gael Durand

Faz uma semana que não vejo Arthur passar na frente da floricultura, estamos sempre conversando por mensagem e ele diz que está só com uma virose, mas está bem.
Quero ve-lo mas não tenho tido tempo. Faculdade, trabalho, família.
Meu pai vem me buscar no apartamento está noite para jantarmos juntos, estou no trabalho agora ouvindo Caroline me dar apoio moral.
—Meu pai é um idiota também. Só... coloque o terno e aproveite a comida, não é sempre que você sai com o seu pai rico né? —Ela ri na última parte
—É eu sei... mas ele vai falar um monte de coisas absurdas e estúpidas. Porque ele é absurdo e estúpido.
Todo ano eu e meu pai saímos para jantar pois ele quer saber como eu estou. E todo ano, nós brigamos por algum motivo diferente, e eu sei que não será diferente este ano.
Me levanto da cadeira que estava sentado e vou até um cliente que chegou. Era uma moça muito bonita, cabelo preto e curto, esguia. Parecia um pouco cansada.
—Oi, Você sabe aonde eu posso encontrar Gael Durand? 
  Ela pergunta olhando para o fundo da estufa.
—Sim, sou eu, por que?
—Ah... meu nome é Chloe, sou a irmã mais nova do Arthur García. Você conhece ele.
—Sim! Sim... eu conheço ele. Vocês são muito parecidos. Como ele está?
Ela me olha com um ar gélido, como se fosse pular no meu pescoço e me sufocar a qualquer segundo.
—Arthy pediu para eu te entregar isso. Ele não gosta muito de mensagens e gosta bastante de cartas.
Eu pego um envelope branco, antes de poder agradece-la, ela vira as costas e vai embora. Coloco o envelope dobrado no meu bolso para ler quando tiver tempo, depois do trabalho.
—Quem era?
Caroline me assusta me puxando pelas costas.
—Chloe, irmã de Arthur. Me entregou um envelope e foi embora.
—Que antipática — ela solta uma risada, me dá dois tapinhas e vai para os fundos da estufa.
  Por que parece que ela não gosta de mim?

Hoje é domingo então eu saio as 15h. Fico esperando o tempo passar enquanto rego as flores. Então decido ler a carta.

"Gael,
Marcos me disse do seu jantar hoje, saiba que você é um homem incrível... alguém melhor que seu pai. Qualquer problema que houver, se quiser falar sobre, me ligue.
Venha me visitar quando puder, sinto falta dos teus olhos verdes.
-com carinho, Arthur."

Ao ler a carta me encho de alegria. Sinto como se ouvisse a voz dele enquanto lia. Ele é tão doce, sinto falta dele também.
Eu gosto dele. Não sei como ou quanto, mas gosto.
Obviamente não é amor romântico... eu espero.
Mas ele é um bom amigo. Ele é carinhoso, atencioso, bonito, talentoso... e seu sorriso é um dos mais encantadores que eu já vi.
MAS ISSO É SÓ ADMIRAÇÃO.
Nada. Mais. Que. Admiração.
  Olho no meu celular e já são quase três e meia.
"Porra perdi a hora!" Penso enquanto ando para a sala de funcionários para pegar minhas coisas. Me despeço de Caroline e vou caminhando até o apartamento. No caminho passo pela casa de Arthur e vejo que tem uma senhora sentada na frente, admirando o céu, que está azul e limpo hoje. Nessa hora percebo que: Eu não sei quase nada sobre a vida de Arthur! Eu deveria perguntar mais sobre a vida dele quando conversamos... eu falo de mais sobre mim.
Chego no apartamento e deixo minha mochila atrás da porta de entrada e me deparo com Marcos fumando na sacada.
—Tem café. —Ele parece preocupado, eu vou até ele e coloco minha mão sobre seu ombro.
—Está tudo bem? Você parece... angustiado.
—Preocupado com um amigo. Nada de mais... —Ele se vira para mim e faz uma cara de nojo. —Vá tomar um banho, você fede a fertilizante.
Eu solto uma risada e dou um tapa fraco em sua nuca, que faz ele rir também. Tiro a camisa enquanto caminho para o banheiro, assoviando "Dancing Queen" da ABBA. Entro na água quente e deixo ela escorrer pelo meu corpo. Me recordo de quando coloquei minha mão sobre a coxa magra de Arthur, conseguia sentir seu calor. E o jeito que seus olhos refletiam a luz do sol alaranjado na tarde do campo... ele é tão lindo. Todos os detalhes. Do jeito que ele mexe no cabelo quando está pensando até quando ele morde o lábio enquanto ri.
"imagino como seria beija-lo." Penso, mas logo me arrependo e bato minha cabeça levemente contra o azulejo do banheiro.
Porquê estou pensando nisso? É como se fosse inevitável.
Eu não quero me...
Não quero me apaixonar por ele. Não posso. Meu pai me mataria. E infelizmente, ele é a única família que tenho.
Tenho que encontrar uma mulher para me casar, não um homem.
  Mesmo esse homem sendo ele.
Saio do banho e coloco um terno azul marinho, camisa branca e gravata preta. O que eu sempre uso desde minha formatura.
Meus óculos continuam quebrados e já sei que ele vai me encher a porra do saco por causa disso. Marcos aparece atrás de mim no espelho.
—Olha só! Bonitão.
—É o mesmo que eu uso sempre, Marcos.
—Mas você sempre fica um galã com ele, acho que se você desse em cima de Caroline, eu perdia ela para você. —Ele brinca enquanto arruma minha gravata.
—Bobão
Solto uma gargalhada relaxada. Meu pai me liga e diz que já está na frente do prédio, me despeço de Marcos e desço.
Cada degrau que eu descia, eu sentia meu humor piorar pois já conseguia ouvir a voz dele dizendo coisas idiotas. Entro no carro e coloco o cinto.
—Meu filho lindo, como você está? A cada ano que te vejo você está mais bonito.
—Eu estou bem... trabalhando, estudando, o de sempre. Como você está?
—Maravilhosamente bem! Hoje vou te levar naquele restaurante chique que tem perto do parque, você vai amar. — ele diz dando a volta na rua.
"Sim pai, o mesmo de todo ano"
Ele estaciona na frente do restaurante, nós descemos e vamos até a mesa reservada. Jogamos um pouco de conversa fora —ele me pergunta dos óculos e por quê eles estão quebrados— enquanto a comida chega.
—Então... Gael, alguma gatinha no radar? Já achou uma namoradinha?
—Não, tenho trabalhado de mais e me concentrado nos estudos.
—Ah que pena. E aquela sua amiga? A Amanda?
Eu sinto meu sangue ferver, eu respiro fundo e começo a batucar meus dedos na mesa.
—Pai, nós tivemos a mesma conversa nos últimos 4 anos. Não é mais Amanda, é o Marcos. E ele está bem.
Ele faz uma cara de deboche e solta uma gargalhada que me dá vontade de simplesmente levantar e sair.
—Ah pare com isso Gael. Ela é só uma sapatão mal comida. Não vai me dizer que você agora está apoiando as bixinhas?
Eu dou um soco na mesa. Eu consigo sentir minha mão ardendo, minha vontade de soca-lo cresce a cada segundo.
—Dá pra você calar a porra da boca, e eu fingir que não ouvi nada do que você disse?
Ele se levanta e bate com as duas mãos na mesa.
—Olha como vocês fala com o seu pai, seu ingrato!
Todos estão olhando para nós no momento. Eu me levanto, limpo minha boca com o guardanapo e jogo o mesmo nele. Dou as costas e saio. Consigo ouvir ele gritando comigo, mas acho que se eu voltar, eu vou bater nele.
Eu caminho até o parque e sento em um dos balanços. Eu sei que ele não virá atrás de mim, porque seu orgulho ficaria ferido e seu ego também. A primeira pessoa que penso em ligar é para o Arthur, pergunto se ele está bem o suficiente para vir até o parque e ele diz que está a caminho.
Eu vejo ele chegando de bicicleta de moletom... no meio do verão?
Ele se senta ao meu lado, e seus olhos me analisam de baixo para cima.
—Obrigado por aparecer Arthur...
—Não tem de quê... você está lindo. Você fica lindo de terno.
Ele solta uma risada que se mistura em uma tosse continua, então ele vira a cabeça para o outro lado e depois volta. Seus olhos me observam com ternura, por estar escuro, não consigo ver o que é mas tem um líquido escuro no canto de sua boca. E ele exala um cheiro extremamente forte de lavandas.
—Obrigado. Eu posso desabafar um pouco com você? Eu preciso de alguém para falar.
—Sempre que quiser, Gael. — ele pousa a mão gentilmente sobre meu joelho. Ela estava fria, e parecia mais magra.
Mesmo parecendo doente e que não dorme a dias, ele veio até aqui para me ouvir. Com o seu olhar acolhedor e seu sorriso caloroso, eu poderia apenas abraça-lo agora. Poderia dizer que me sinto estranho quando ele está por perto.
Mas as palavras torturantes de meu pai, que ele vem repetindo ano após ano, martelam minha cabeça:
"Não me diga essas coisas nojentas sobre... homos"
"Isso é coisa de viado Gael, eu estou criando um homem"
"Eu acho que se tivesse um filho viado, eu mataria"
"Não vai me dizer que agora esta apoiando as bixinhas?"
E no impulso do desespero, de ouvir essas palavras ecoando na minha cabeça, eu tomo uma decisão horrível.
—Tem essa garota que eu tenho conversado a um tempo... — Eu vejo o olhar dele murchar, e ele lentamente retira sua mão de meu colo. — eu gosto dela, e eu acho que ela gosta de mim de volta. Mas parece que ela está se fazendo de difícil sabe?
Eu comecei a inventar mentiras atrás de mentiras, para mante-lo longe. Manter esses sentimentos longe.
Ele começa a tossir de mais, quase ficando sem ar e não me deixa ver seu rosto. Ele diz que tem que ir, pega sua bicicleta e vai embora. Nem tive chance de ver seu rosto, então olho para o chão e vejo pequenas gotas de sangue.
"Será que é sangue dele?" Fico preocupado.
Me levanto e vou andando para o apartamento, que fica á uma hora de caminhada do parque.
Isso é para o meu bem.
Ele vai esquecer.
Eu vou esquecer.
Chego em casa depois de caminhar pra caralho. Meus pés doem muito. Eu tiro minha roupa e fico somente de cueca, me jogando no sofá. Logo Marcos aparece no mesmo estado que eu, e eu ouço a voz de Caroline que está falando com alguém no telefone.
—Você está acabado.
—É eu sei. Obrigado pelo comentário... eu falei com Arthur.
—Sobre...?
—Não importa. De agora em diante, por favor, não me dê mais notícias sobre ele ou comente sobre ele. Por favor.
Sinto meus olhos marejando e minha voz ficando trêmula.
—Mas... —ele parece que vai ficar agressivo mas respira fundo. —Tanto faz, boa noite.
Ele volta para o quarto. Eu vou para o meu, deito na minha cama e ao lado está a carta de Arthur. Eu a leio e releio tantas vezes que perdi a conta...
  Eu não quero sentir algo por ele.
  Isso vai ser melhor para mim e para ele.
  Mesmo que o sorriso dele não saia da minha cabeça.

~*~

Pintando FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora