Amor Platônico;

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Arthur García

  Acordo totalmente desnorteado. Minha cabeça está girando e não me lembro como vim parar na minha cama ontem. Me apoio na cama para levantar e sinto que está meio úmida.
"Deve ser da água do mar, deitei molhado" penso. Mas então abro meus olhos e vejo o que realmente era.
Eu nunca senti tanto desespero na minha vida. Minha cama estava cheia de botões lavandas e sangue. Eu devo ter as vomitado a noite... me levanto e tomo um banho, assim que saio falo com Chloe dizendo que vou no médico, e peço para que ela arrume minha cama.
—Chloe, por favor, é uma urgência.
—Ugh... se você diz.
—Quando você entrar lá você vai ver.
Saio de bicicleta e pedalo o mais rápido possível para o hospital. O que está acontecendo comigo? Será que estou alucinando? E por quê lavandas?
Quando chego ao hospital fico na sala de espera. Vomito alguns botões, e é super desconfortável, sinto eles rasgando minha garganta e o gosto de ferro é terrível.
—Arthur García?
Uma enfermeira de cabelos loiros me chama e eu levanto correndo com a mão sobre minha boca, sinto que vou vomitar novamente. Me sento em uma cadeira e rapidamente pego o lixo que estava ao lado da mesa do escritório e vomito três pequenos botões de lavanda. Elas saem rasgando minha laringe e saem com sangue, não sinto tanta dor, mas sim um terrível desconforto quase insuportável
—Me desculpe... Era urgente.
Na minha frente está sentado um médico, óculos quadrados e pele rosada.
—está tudo bem... me diga, como se sente? — ele pergunta enquanto abre um caderno azul e pega uma caneta.
—Dores no peito, falta de ar e de apetite. Não durmo direito, estou cheirando a flores mesmo tomando diversos banhos... e isso. — Levanto a lata de lixo de metal, que tinha os botões e o sangue que vomitei a minutos atrás.
—Interessante. Eu estudei sobre isso mas não pensei que era real. — sua voz sai quase como um sussurro.
—O quê?
—Você está apaixonado por alguém? Mais especificamente, um amor puro, porém platônico?
Gael me vêm a mente. Me lembro de todas as coisas que ele faz, e começo a tossir pétalas novamente.
—Provavelmente, mas não quero.
—Tarde de mais. — ele se levanta e pega um dos livros que estavam na prateleira atrás dele. — Hanahaki Byou, mais conhecida como doença das flores. Ela é uma doença rara, o último caso foi registrado em 1630, no Japão. — Ele se senta e coloca o livro apoiado na mesa, virado para mim. — Ela acontece quando você se apaixona puramente por alguém e não é correspondido. As flores favoritas desse alguém crescem dentro de você... até chegar ao óbito.
Sinto minha cabeça começar a girar quando ele fala a última frase. Fico estatístico olhando para o livro, cada palavra que sai de sua boca soa como um eco na minha cabeça.
—Porém, você ainda está no primeiro estágio passando para o segundo... como pode ver aqui. — ele aponta para o livro. Há três figuras, uma com pequenos botões e pétalas crescendo no estômago. A segunda, flores pela pele dos braços, pernas e barriga. Cresciam flores inteiras dentro do estômago e começando a chegar nos pulmões. A terceira e última, flores no rosto, um buquê nos pulmões, no estômago e na traqueia. Havia somente uma flor crescendo do coração... "Provavelmente o quê leva ao óbito" pensei.
—Há três modos de curar esta doença: Sendo correspondido, claro. As flores desaparecerão, e as feridas fecharão com o tempo, mas se forem muito graves você precisaria de cirurgia para fecha-las. A segunda é fazendo cirurgia, que é rápida e indolor, porém você esqueceria tudo sobre o alguém que você amava, e as chances de nunca se apaixonar ou amar alguém são de 80%. E a última, a morte. — Eu estou paralisado ouvindo ele falar, em choque e abalado. — eu posso lhe receitar alguns remédios para a dor e que retardariam o crescimento das flores, mas nada além disso.
Eu aceno com a cabeça num sinal positivo, ele pega uma folha e escreve alguns remédios. Nenhuma palavra sai da minha boca e eu sinto meu corpo congelar, meus olhos marejarem e meu ar desaparecer. Ele me entrega o papel, eu agradeço e vou embora. No caminho para casa passo na farmácia para comprar os remédios.
Eu não acredito...
Eu não quero acreditar...
Por quê eu?
Por quê ele?
Quando chego em casa puxo Chloe para a varanda, e desabo em lágrimas enquanto explico cada detalhe sobre a doença e falo sobre Gael. Ela chora e me olha com preocupação e desespero.
—Faça a cirurgia Arthy. Não quero te ver se arrastando atrás dele, muito menos ver meu irmão morrer.
—Chloe, eu prefiro morrer de amor á nunca amar de novo.
Ouço abuelita* me chamando, eu limpo minhas lágrimas e respiro fundo entrando na sala, aonde estava sentada com um sorriso calmo em seu rosto.
Cariño, podes me trazer un poco de chá?
—Claro
Vou para a cozinha e pego a chaleira que estava com chá dentro, pego uma caneca de gatinhos que ela ama e a sirvo de chá. Levo o café até ela e me tranco no meu quarto.

Eu me apaixonei por ele... agora tenho que aceitar isso, mesmo que não queira.
Olho para o quadro de Gael, em processo. Eu cuspo algumas pétalas e me levanto.
"Devo terminar isso antes do meu... do meu tempo acabar" penso enquanto levanto da minha cama e caminho até o cavalete. Coloco meu avental de pintura e meus pincéis, preparo as tintas e começo a pintar as mãos de Gael. A cada pincelada, eu sinto os botões saindo de minha garganta, então tomo um dos comprimidos que o médico me receitou, ele disse que iria retardar as flores e me faria vomitar menos... duvido.
  Novamente, a falta de ar torturante e o desconforto insuportável me fazem cair de joelhos no chão. Então eu cuspo 6 botões com algumas pétalas junto, e finalmente consigo puxar o ar de novo.
Eu pinto suas mãos como se estivesse as segurando novamente naquele campo ao por-do-sol.
Eu quero ve-lo de novo.
Eu quero me confessar a ele, ver se ele sente o mesmo.
Mesmo que eu saiba que não.
A noite caí e eu fico sentado na janela observando as pessoas sairem na rua. Marcos entra no meu quarto.
—Hey Picasso, como você está? Não foi para o trabalho hoje.
—Eu estou doente. Minha irmã foi entregar minha carta de afastamento... — me viro para ele.
—Seu quarto está cheio de lavandas pelo chão
—Sim eu percebi. — falo soltando uma leve risada.
—Você está terrível.
Ele se senta na cama, ao lado da minha cadeira e segura minha mão.
—Eu estou aqui para você, se não quiser falar o que está acontecendo, tudo bem.
—Hanahaki Byou... pesquise na internet e tire suas conclusões sobre o que está acontecendo.
Sinto meus olhos marejarem quando falo, ele me abraça, fala mais algumas coisas e vai embora. Não consigo acompanhar mais as coisas,  não presto atenção no que dizem.
Vou tentar dormir, observando o quadro e relembrando o momento.
"Desculpa, não queria que parecesse como se eu estivesse flertando com você"
"E por quê isso seria ruim?"

~*~

*Em espanhol "abuela" significa avó e "abuelita" significa vovózinha. Por isso as vezes Arthur chama Madalena de abuela ou abuelita.

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