Conheça nosso fantasma

635 38 2
                                    

     O frio era uma parede viva que o cercava, que o devorava. David o sentia tirar pequenos pedaços de seu coração, de sua alma. Incapaz de pará-lo, só podia observar impotente o frio entrar lentamente em cada parte do seu ser.
     Mas também havia algo além disso. Algo menos substancial do que o frio e, no entanto, bem mais traiçoeiro. Como um derramamento de petróleo, o preenchia, um negrume de tinta que estava lentamente apagando o que ele fora antes de entrar no hotel pela primeira vez.
     Pior, não conseguia ir contra isso.
    Um grito acabou com o silêncio, cortando-o como uma lâmina afiada rasgaria uma seda fina. E....e.....droga.

-Então, o quê?-Lauren disse em voz alta, deixando-se cair pesadamente no encosto da cadeira e olhando furiosa para a tela do computador como se a própria máquina estivesse sabotando-a de propósito. Um grito ? Quem diabos gritou? E por quê ?

Ela normalmente trabalhava em seus livros confiando na própria intuição, acreditando plenamente que se algum dia se sentasse para traçar um roteiro, cena por cena, tiraria a emoção do livro. O imediatismo. E, além disso, gostava bastante de ser surpreendida pelas ações de seus personagens.

Mas agora......não conseguia pensar. Não conseguia se concentrar no seu livro porque não conseguia parar de pensar na mulher no andar de cima, deitada na sua cama. Sentada na cadeira em seu quarto, ela conseguiu cochilar algumas vezes durante a noite. Mas todas as vezes que Camila gemia ou suspirava em seu sono febril, ela a tirava do sono novamente.

Seus olhos pareciam duas bolinhas de gude rolando na areia. Levantando as mãos, ela esfregou os olhos, tornando a dor mais intensa. Então, ela apoiou os cotovelos na mesa e colocou seu rosto nas palmas das mãos.

Como poderia inventar uma história ficcional de terror estando tão preucupada com Camila? Um resfriado faz tão mal assim a uma pessoa? Ela ja não deveria estar se sentindo melhor ?

Camila não bebeu nem um gole do chá que Lauren levou para ela. Fez uma cara de enjôo quando ela ofereceu-lhe os biscoitos de água e sal e só falou para mandá-la embora.

Como enfermeira, ela era um fracasso.
Ou talvez Dinah fosse uma charlatona e ela precisasse de algo além de apenas descansar.

Levantando-se da cadeira da mesa da cozinha, ela saiu do cômodo silenciosamente, atravessou a sala de estar e subiu as escadas, as pernas longas subindo de dois degraus. Ela virou-se para entrar  em seu quarto e bateu de leve na porta antes de abri-la.

Camila virou o rosto no travesseiro para olhá-la entrando no quarto. À luz do sol, sua pele estava pálida demais e havia olheiras cor de lavanda sob seus olhos. Ela parecia exausta.

-Lauren, pelo menos deixe-me voltar para minha própria cama

-Não - disse ela, dando-lhe um sorriso que ela não queria.-Voce não vai sair  dessa cama  até que consiga fazer isso sem ter de ir correndo para o banheiro.

Ela puxou o cobertor até a altura do queixo e fez uma cara emburrada.

-Eu me lembro - ressaltou ela.

-Eu sei disso.-disse Lauren.

Ela gemeu e cobriu o rosto com o cobertor. Com a voz abafada, ela disse:

-Oh, Deus, não.

-Não o quê ?

-Não se lembre.-ela tirou o cobertor de seu rosto com fraqueza, mas fechou os olhos como se não conseguisse agüentar olhar para ela.-Tire essa noite inteira da sua cabeça. Eu tirei.

Aquilo doeu mais do que ela podia imaginar ser possivel. Era impressionante a diferença que algumas horas podiam fazer. Na noite anterior, ela segurou-a em seus braços, prendeu-a nela e sentiu a reação imediata dela. Hoje.....estavam como duas estranhas que se tratam com educação.

A força De Um OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora