Obrigado

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Lauren sabia o caminho até o lago.
Podia fazer esse caminho de olhos vendados.
Mas o tempo passava devagar. Era como se tivesse demorado duas vezes mais do que deveria percorrer essa distância. A cada passo que dava sentia como se estivesse livrando os seus pés da lama. Seu cérebro sabia que tinha de volta ao lago - ficar frente a frente com o que acontecera tempos atrás.

Mas seu coração apertava só de pensar nisso.
Quinze anos se passaram, mas o terreno não mudara muito. Ela subiu até o cume do morro lentamente e sob a luz pálida da lua, à distância, escutou o uivo intenso da serenata de um coiote. Um vento leve e fresco com gosto de oceano varria os campos abertos e puxava o cabelo de Lauren. Ela virou-se para o vento e parou tempo suficiente para acalmar o ritmo frenético de seu coração.

Ela nunca pretendera voltar lá. Para aquele lugar. Nunca pensou que fosse ser capaz.
E quando chegou ao ponto mais alto do morro e olhou para a água negra, salpicada pela luz da lua, sentiu os anos passarem por ela. Mais uma vez, tinha 16 anos e estava lá com suas primas no topo do mundo.

Ela sentia o sol quente sobre os ombros. Ouvia Vero blasfemando porque Troy a tinha derrotado. Escutava a risada de Dinah enquanto observava atentamente o cronômetro, o tempo de Troy embaixo da água alongando-se. E ouviu-se dizendo Dê mais alguns segundos, Dinah. Ele realmente quer vencer Vero. E eu quero que vença. Troy está bem. Para de ser mulherzinha.

Piscando os olhos com força agora, Lauren olhou para o lugar onde Troy tinha caído naquela última vez. E continuou olhando como se conseguisse ver através da água e enxergar o lugar onde eles finalmente encontraram Troy, deitado no fundo do lago - já morto.

Elas tentaram os primeiros socorros. Tentaram tirar a água dos pulmões de Troy.
Mas era tarde demais.
E não tinham perdido só Troy naquela tarde, mas a própria inocência e a sensação de invencibilidade.

-Troy?- o sussurro de Lauren saiu baixo e tenso, como se aquela simples palavra tivesse sido arrancada de sua garganta com relutância.- Você ainda está aqui?

O vento a empurrava de brincadeira e em sua mente, ela escutou umas risadas. A risada de Troy. Lauren deu meia-volta, quase esperando que fosse ver o garoto alto e magricela subindo o morro para juntar-se a ela.

E a decepção ao ver-se completamente sozinha foi desconcertante.
No entanto, lembrando-se do temperamento furioso do fantasma que deixara na casa vitoriana, Lauren desejou saber se o espírito de Troy estava preso no lago. Ele estava aqui, até agora, esperando para que suas primas voltassem e......o quê?

-Pelo que poderia estar esperando? Ouvir-nos dizer que sentimos muito?- perguntou ela para o vento.- Que bem isso faria?

Em direção ao leste, o céu estava começando a clarear em um tom lilás claro, anunciando o amanhecer do dia. Horas devem ter se passado desde que saíra da casa da fazenda. Surpreendente o fato de ter caminhado por tanto tempo.

Ela tirou os olhos da superfície ondulada do lago e olhou para o céu estrelado acima.

-Nós sentimos muito. Você sabe. Por tudo. Você morreu jovem demais, Troy. E nós sentimos sua falta. Todas nós.

Balançando a cabeça, ela admitiu.

-Meu deus, eu revivi aquele dia milhares de vezes. Eu lembrei o que aconteceu na minha cabeça várias vezes. E todas as vezes, eu salvo você.

Ela ficou sem fala e abaixou o olhar, de volta ao lago onde a jovem vida dele acabara definitivamente.

-Eu quero que você saiba, Troy. Sempre que me lembro daquele dia, nós salvamos você.-ela soltou uma risada e passou a mão pelo rosto.-É claro que não salvamos quando realmente importava...... Deus, queria tanto poder mudar isso. Queria poder trazer você de volta. Droga, mesmo poder falar com você. Sinto tanto a sua falta.

Um vento refrescante atingiu-a novamente, atirando seus cabelos nos olhos e ela se viu sorrindo apesar da dor cortante retorcendo-se dentro dela. O vento era um jeito de Troy dizer-lhe para parar de se punir por causa do passado?

Ou aquilo era apenas uma criação ilusória de um fato que desejaria que fosse verdade?

Droga, há apenas algumas semanas Lauren nunca acreditara de verdade em fantasmas. Agora, estava convencida de que alguma parte do que você era sobrevivia à morte. Não era um fim absoluto. Talvez a morte fosse apenas uma curva na estrada, além da qual nós não podemos enxergar. Talvez lá existia mais coisa do que qualquer um de nós algum dia imaginou.

Deus, ela esperava que fosse assim.
Esperava que Troy estivesse bem onde quer que estivesse. Mas ele conseguiria seguir em frente sabendo que aquelas que tinha deixado para trás ainda estavam todas presas à reprise daquele dia de  verão?

Lauren nunca conhecera uma dor como aquela que sentira 15 anos  atrás. Porque a evitara de propósito.

Nunca se permitindo amar livre e profundamente, ela mantivera-se livre da dor - mas também se mantivera afastada da verdadeira alegria - segura, mas sozinha. Droga, Troy vivera mais em 15 anos do que Lauren em 31.

Isolara-se da vida como uma autopenitência por alguma coisa que não poderia ter mudado. Ela sentia-se culpada por estar viva enquanto Troy estava morto. E talvez, pensou ela, se alguma parte de Troy continuava nesse lugar, talvez fosse porque nenhuma de suas primas o tinha deixado partir.

Ela odeia pensar nisso.
As três - Lauren, Dinah e Veronica - tinham todas chorado à maneira delas, mas tinham compartilhado pelo menos um traço. Tinham ficado longe. Longe dali.

Longe da lembranças de Troy.
No entanto, houvera muito mais coisa de Troy do que aquele último dia. E, em vez de focar-se naquelas lembranças, elas escolheram reviver a tragédia novamente várias vezes.

Que desperdício.
Que jeito lamentável de lembrar-se de um garoto que todos amavam.

De repente, exausta com as lembranças agitando-se violentamente dentro dela, Lauren sentou-se no gramado, levantou os joelhos e envolveu-os nos braços. Sob a luz da lua e  o ar ainda frio da noite, Lauren sentiu o gelo em volta de seu coração quebrar e disolver-se.

O frio com o qual convivera por tanto tempo começou a derreter e ela respirou pela primeira vez aliviada depois 15 anos.

Esticando-se na grama úmida, Lauren fechou os olhos e sentiu a exaustão do alivio completo da tensão passar através dela como uma maré alta. As dores e aflições dissiparam-se, deixando-a apenas com as memórias dos bons momentos que todos compartilharam.

Dos verões que viveriam para sempre.
Do garoto que tinha morrido jovem demais, mas que vivera uma vida inteira em 16 curtos anos.

E em sua mente, ela via Troy novamente. Jovem e dando risada. Subindo o pico do morro e saltando para o lago - destemido e cheio de alegria.

Lauren sorriu e sussurrou.

-Obrigado, Troy.

+++++++++++++++++++++++++

Mais um.

Espero que tenham gostado.

Até a próxima.

😆😆😆😆😆😆

A força De Um OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora