"Na estrada central para a capital de Starlight"
Killian mataria Christopher, o pai, a si próprio e qualquer um que obrigasse ele a fazer isso de novo... estava certo disso.
Killian estava enjoado outra vez, nem mesmo os oito dias no mar o tinha enjoado tanto quanto as ruas esburacadas de Starlight. O navio que trazia a família regente de Aza atracou no Porto dos Ventos e Killian pode sentir, mais do que ver, o descaso do porto. Navios de vários continentes atracavam ali e todos sem a mínimo de condições de navegar.
Aqueles eram os navios que transportavam as mercadorias reais?
Sem o mínimo de segurança ou higiene – o odor de fezes e sangue velho adornavam o lugar – o porto foi preenchido por caixas de tecidos, frutas, joias e carruagens com soldados de Aza, selecionados especificamente para mostrar para o rei o quanto Aza estava próspera.
Presentes de Aza para o rei mais egoísta da história de Constillatio, talvez perdesse apenas para o antigo rei que dizimou metade de toda a população por conta da magia.
A situação do Porto mostrava o tamanho da preocupação do rei com os seus, alegava que com um filho tão perto de assumir a coroa, não havia motivos para deixar tudo perfeito.
Um descaso, obviamente.
Cada estrada que pegavam era pior que a outra, a carruagem balançava mais que as velas do barco, disso ele tinha certeza. Killian já vomitara três vezes e queria ter um pouco de dignidade para não vomitar de novo na frente dos seus homens.
Sua mãe ia na carruagem a sua frente com toda a plenitude que exalava não parou nenhuma vez para respirar ar puro, dizia que estava ocupada demais lendo romances. Killian estava cansado daquela carruagem, dos tecidos na janela, do formato do banco, do cheiro de morfo que aquela carruagem tinha. Talvez fossem seus sentidos ficando mais aguçados já que sua fome não vinha mais, não tinha comido nada em dois dias que estava em terra, uma maçã e uma banana foram o suficiente para saciar sua fome um dia inteiro e, mesmo assim vomitara tudo ao chegar em mais uma estrada de buracos. As estradas oscilavam entre perfeitamente pavimentadas e esburacadas, os vilarejos mais pobres eram privilegiados com as ruas esburacadas.
Os governantes de Starlight deveriam ser péssimos, se não conseguiam manter suas estradas retas e pavimentadas, quem dirá manter o povo na linha.
— Soube que a rainha é muito boa com essências de cura. — disse Joseph — Talvez ela possa ajudar quando chegar.
— São... os buracos — foi tudo que Killian conseguiu dizer.
Killian pôs a mão na barriga vazia, como se de alguma forma aquele gesto fosse impedir da bile chegar a sua garganta, ele fechou os olhos, os pressionou o mais forte que podia, não queria vomitar, não tinha nada para vomitar, mas a carruagem passou por mais um buraco fazendo Killian e Joseph levantarem do banco, o movimento fez com que Killian fosse para frente e sustentou um dos braços no painel da carruagem para não bater a testa.
Joseph percebeu o rosto pálido do amigo, ele estava quase verde, ele vomitaria de novo. Joseph mandou que o cocheiro parasse e as outras oito carruagens de guardas e presentes para o rei que vinham logo atrás pararam também. Joseph ajudou Killian a descer e ele o fez sem protestar.
Killian correu para longe da estrada de buracos. Tinha que lembrar de agradecer o amigo pela capacidade de perceber quando as coisas estavam ruins. Killian parou, apoiando-se em uma árvore, a visão turva dos galhos o fez imaginar as folhas dançando ou invés de apenas... caindo. Delírios... talvez Killian estivesse delirando.
Joseph que o olhava com as sobrancelhas arqueadas, deu as costas para o amigo, lhe permitindo um pouco de privacidade. O que só fez com que Killian se sentisse pior. Ele apoiou a mão na árvore, se inclinou e vomitou. Vomitou tudo que tinha no estômago, ou melhor, nada, não conseguira comer nada naquela manhã e duvidava que comeria alguma coisa no restante do dia ou no dia seguinte.
— Está melhor? - Joseph apoiou a mão no ombro do amigo e fez uma careta quando sentiu o fedor do vômito na raiz da árvore.
Killian balançou a cabeça e Joseph voltou para a carruagem, maldita seja. Antes de chegar na porta da carruagem, Killian olhou para a rua onde tinham passado e para a sua surpresa estava perfeita. Nenhum buraco, Killian conseguiu enxergar, talvez fosse sua fraqueza, esperou que o amigo comentasse algo, mas ele não o fez. Então Killian subiu na carruagem e com um breve aceno de cabeça a longa caminhada até a capital de Starlight retornou.
Mais um dia, já tinha aguentado dois dias, dormira em duas pousadas diferentes, comera coisas e vomitara mais vezes do realmente gostaria.
Mais um dia. É só aguentar.
•●•
Joseph, o lorde adotado pela família regente de Aza, era o melhor amigo de Killian, se conheceram na escola de magia em Monte Salvador, o órfão que colocou fogo no orfanato foi enviado para a escola para aprender a controlar seus poderes e dependia da bondade de criadas para que no fim do dia tivesse um lugar quente para dormir.
Quando não tinha, tentava projetar alguma chama, acender alguma vela, no fim ele acabava colocando fogo em alguma plantação ou em propriedades, tudo para tentar se aquecer. O controle sobre seu poder demorou muito, Joseph se sentia fraco até aprender a controlar.
Do que adianta um poder se não pode controlá-lo?
Um certo dia Killian chamou o amigo para brincar no seu quarto, e Christa, a esposa do Lorde regente de Aza os encontrou brincando - Joseph colocava fogo nos brinquedos e Killian os apagava - fogo e vento, a mulher encontrou um equilíbrio entre crianças de seis anos e encontrou também um outro filho.
Com a adoção permanente de Joseph na corte como lorde ele fez o juramento para proteger o irmão, seria tudo o que ele precisasse, se precisasse de um coração seria o dele, se precisasse de um alvo, seria Joseph, não Killian.
O conforto que Joseph recebeu na corte lhe custou a promessa de sacrifício. Treinou para ser um doador, para ser um alvo e um protetor. Daria a vida pelo amigo e se isso acontecesse, consideraria honra. E Joseph tinha honra suficiente para isso.
Joseph com seis anos treinava junto ao exército de Aza, encontrou amigos que lhe ajudaram a controlar o seu poder, descontando toda sua magia em lutas. Sua vida pessoal nunca importou, seus sonhos, suas metas jamais as teve, porque nada importava, ele só tinha uma única missão: proteger Killian. E estava disposto a fazer isso até o fim dos seus dias.
Aos doze anos voltou para a residência dos lordes em Aza, onde uma mulher esperava um filho, e um regente esperava um soldado. Aos quinze se tornou chefe da guarda. Nunca esqueceu das pessoas que conheceu na linha de treinamento, do que foi capaz de fazer quando era apenas um soldado, não o Lorde Joseph Hunt.
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Segredos Da Coroa
FantasyO príncipe precisa de uma princesa. O duque quer a Coroa. Uma jovem garota quer saber mais sobre seu passado. Histórias envolventes de ladrões, assassinos, reis, lordes, bruxas, pesquisadores e talentosos se misturam aqui. Após ouvir uma voz mis...