Capítulo 1[Lúcio]

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Ainda estava escuro quando eu acordei, embora pudesse ver uns feixes de luz entrando pela cortina entreaberta. O quarto estava frio, denunciando a tímida aproximação do inverno, que a cada ano demorava um pouco mais para chegar e um pouco menos para ir embora, para meu desânimo. Era minha estação favorita. 

Uma rápida olhada no celular em cima da mesa de cabeceira revelou que já passava de seis da manhã, o que significava que eu não estava assim tão adiantado, mas também não me atrasaria. Quando me mexi para levantar é que percebi um peso sobre minha barriga e só então me dei conta de que, bem ao meu lado, Ariel dormia, um de seus braços me segurando pela cintura, a cabeça enterrada embaixo do meu braço, apenas metade de seu rosto e um tufo de cabelo preto visível entre o cobertor e minha pele. Sorri de leve. Algumas vezes por mês, o pequeno terminava dormindo em minha casa por um motivo ou por outro – e vice-versa.

Por um momento, pensei em ficar ali por mais alguns minutos, compartilhando do calor do corpo dele, sentindo o cheiro peculiar dos seus cabelos, observando as micro-contrações dos seus músculos faciais enquanto ele sonhava, totalmente alheio à minha vigília, mas achei melhor não. Fiz um carinho leve em sua bochecha quente de sono e beijei sua testa, arrancando um suspiro satisfeito e sonolento de seus lábios.  

Levantei da cama, me espreguicei, e pelo canto do olho percebi que Ariel cobriu a cabeça com o cobertor, virando-se de costas. Sorri pra mim mesmo, sacudindo a cabeça, mas prossegui com minha rotina matinal: escolhi uma roupa no armário, escovei os dentes, tomei banho e me vesti com a tranquilidade de quem acordou antes de o despertador tocar. Quando voltei ao quarto, encontrei Ariel já sentado na cama, coçando os olhos como uma criança emburrada que precisou acordar cedo para ir estudar. 

- Bom dia, Ari! – Sorri com certa maldade no olhar, sabendo que ele não era uma pessoa matinal, especialmente depois da noite animada que tivemos. Ele me encarou de volta com olhos estreitos e raivosos e não pude deixar de pensar que ele parecia um filhotinho de gato arisco. – Você quer uma troca de roupa? Ou dá tempo de você passar em casa?

- Não dá tempo, tenho uma reunião hoje bem cedo, não posso me atrasar. – Ele murmurou enquanto afastava os lençóis sem muita vontade, antes de se projetar para fora da cama. – Tire esse sorrisinho maldito dessa sua cara safada. – Brincou ele enquanto passava por mim em direção ao banheiro, me arrancando uma gargalhada logo cedo. 

- Eu vou fazer café. Dá uma olhada na última gaveta à esquerda dentro do armário, acho que tem algumas roupas suas que você larga por aqui, estão lavadas.

A primeira vez que encontrei uma roupa de Ariel no meio das minhas roupas sujas, quase tive um infarto. Pra mim, era uma forma que ele tinha encontrado para tentar forçar uma intimidade que, naquele momento, nos primeiros meses do nosso "relacionamento", simplesmente não existia. Porém, conforme as semanas iam passando e cada vez mais coisas eram esquecidas pelos cantos (casacos, guarda-chuvas, chaves, cintos, meias, até celular, ocasionalmente), percebi que ele era apenas desleixado e esquecido, o que me trouxe um certo alívio. Por outro lado, eu agora tinha uma gaveta no meu armário dedicada aos "achados e perdidos" de Ariel. 

A rotina na minha casa era simples e compacta, tal qual era meu apartamento. Eu morava sozinho desde os 22 anos, quando me formei na faculdade e saí da república de estudantes. A princípio, me mudei para um apartamento minúsculo num bairro mais distante do centro, onde todos os cômodos, com exceção do banheiro, eram basicamente uma coisa só. Conforme fui ascendendo na profissão, também fui melhorando de vida e hoje morava num apartamento de dois quartos na zona sul, mas, mesmo assim, também não era nada demais. 

A tela do meu celular acendeu e eu desviei os olhos da cafeteira, percebendo que era uma mensagem do Benji no Whatsapp. A mensagem dizia, simplesmente, "não se atrase, seu idiota, você sempre se atrasa", referindo-se a um encontro que teríamos logo mais à noite. Benji estaria com seu namorado e mais um casal de amigos nossos. Eu era provavelmente a pessoa com a maior aversão a relacionamentos num raio de mil quilômetros daquela cidade; contudo, por algum motivo muito inexplicável, meu grupo mais próximo de amigos era composto basicamente por casais, à exceção de Ariel.

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