IV - Canção de Engate

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As mãos refugiavam-se dentro dos bolsos das calças, os dedos fechados e tensos, metidos num quase esconderijo. Precisava de ter as mãos dentro dos bolsos, resguardadas do mundo exterior, invejando-as porque ele preferia também estar refugiado num lugar qualquer e não ali, completamente desamparado e exposto. Caminhava devagar quando lhe apetecia fugir, sentia-se desconsolado, mais só do que o habitual. Tinha o peso da solidão sobre o pescoço que estava ligeiramente vergado, os olhos presos no caminho cinzento que percorria.

As ruas da cidade estavam frias e húmidas, mesmo assim havia animação naquele local habitualmente frequentado por noctívagos que desejavam divertir-se numa sexta à noite. As risadas que ouvia eram como ferroadas ténues na pele. Naquele dia estava especialmente sensível. Parou diante de um bar com um aspeto agradável, uma pequena casa que oferecia bebidas e música, num ambiente acolhedor e juvenil.

Podia ter sorte e encontrar alguém nessa noite, se ficasse fechado em casa decerto que não encontraria ninguém, dissera-lhe o velho mestre Mutenroshi. Oolong acenara com a cabeça enquanto bebia um sumo, olhos esbugalhados, concordando com as palavras do ancião, mas Kuririn não encontrava a necessária verdade nessas palavras, nem sentido ou motivação. Preferia ficar na Kame House, na minúscula ilha e curtir a sua vida solitária. Não precisava de encontrar alguém, já o tinha feito e ela povoava-lhe os sonhos sempre que fechava os olhos.

Nunca mais a vira desde que se tinham despedido no Palácio Celestial, no fim do Cell Games, depois de terem utilizado as bolas de dragão e invocado Shenron e pedido os seus desejos, após uma longa e demorada aventura em que a Terra estivera em perigo, juntamente com todo o Universo, tudo salvo graças ao seu grande amigo Son Goku e o filho deste, Son Gohan, apesar das perdas que entretanto aconteceram.

Ela fizera parte da aventura e também do perigo, elemento fundamental de todo o drama, mas ele apaixonara-se no primeiro momento em que escutara que um dos humanos artificiais assassinos do Dr. Gero era uma mulher. Caíra irremediavelmente de amores quando ela, vinda de uma chacina desenfreada, lhe deixara um beijo no rosto e ele ali, plantado no asfalto de uma estrada deserta completamente azoado. E desde esse dia fatídico que tinha o coração cheio de amor para lhe dar.

Apertou os dedos com mais força dentro dos bolsos.

Continuava a pensar nela. Yamcha tinha-lhe dado esperanças, ainda no Palácio Celestial. Dissera-lhe que se ela lhe tinha dito "até à vista" quando se despediram, depois de Shenron e dos desejos pedidos, e que significava que queria voltar a vê-lo. Num primeiro momento acreditara no amigo, à medida que os dias foram passando começou gradualmente a perder a fé.

Olhou para um casal de namorados que entrava no bar. Invejou-os. Ele iria entrar sozinho e sairia dali sozinho. Não estava ali para encontrar alguém, só para se enganar a si próprio e fingir que estava tudo bem. Porque ele só desejava vê-la, a mulher cibernética que nem tinha nome, apenas um número.

As suas pernas hesitaram. Cerrou os dentes e todo ele estremeceu. Não iria entrar. Deu meia volta, crispando fortemente as mãos dentro dos bolsos. Não iria fingir que estava em sintonia com todos aqueles que procuravam diversão naquela sexta à noite. Precisava dela e de mais ninguém.

Ao dar meia volta, teve uma visão.

Ou melhor, a visão veio até ele como uma explosão de energia.

Ela estava ali e ele engasgou-se.

A primeira coisa que fez foi retirar as mãos dos bolsos, distender os dedos uma vez libertados daquela prisão de pano. Lembrou-se que ele não desejava mais ninguém naquela noite ou nas noites seguintes, nos seus dias e em todas as suas horas. Ela estava próximo, mais ainda do que no Palácio Celestial, porque ali, naquela sexta-feira, não havia nenhum encerramento de uma aventura mortal, nem o término de um torneio em que se jogou a sobrevivência da galáxia.

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