V - Confissões, Caprichos e Lembranças

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Se há coisa de que gosto, acima de todas as outras coisas, nesta vida e na noutra, em qualquer dimensão espacial ou temporal, ou mesmo sem qualquer dimensão, no vácuo do Universo, é dinheiro.

Sim. Dinheiro!

Moedas reluzentes em pilhas desordenadas. Notas estaladiças em maços grossos. Dinheiro. Aquilo que faz mover o mundo e que me faz mover a mim... E escondo um risinho agudo, semicerrando as pálpebras.

Muito dinheiro.

E não se espantem. Sou uma moça de gostos caros, tenho os meus caprichos e as minhas vaidades. Tenho os meus gostos requintados que preciso satisfazer e tudo isso custa dinheiro. Não é por acaso que tenho este cabelo sedoso sempre bem penteado e aparado por cima dos ombros, com essa cor luminosa rosada e perfeita. Apesar da minha idade, orgulho-me de ter um cabelo bonito. E isso, meus caros, custa dinheiro!

Oh, já estou a gritar, áspera e ansiosa, mas é apenas o meu feitio. Rogo-vos que me perdoem se, durante este meu monólogo, como um desabafo que vejo necessário nesta ocasião, eu me exaltar um pouco, mas tenho o sangue quente e creio que já me apontaram o defeito da impaciência, entre outros que, sinceramente, não irei elencar aqui.

Ganho o meu dinheiro honestamente, acrescento. Não pensem que alimento os meus vícios e os meus desejos à conta de trafulhas ou de negócios obscuros. Não. Vendo o meu dom que é grande e de renome, ao contrário do meu irmão mais novo que oferece os seus ensinamentos a troco de nada, francamente, que desperdício, poderia ser um homem riquíssimo mas contenta-se em viver naquela ilhota, numa casinha diminuta que está sempre pejada de gente, hóspedes a mais para os quartos que tem, generosidade a esbanjar por todo o lado. Como pode o meu irmão ensinar as artes marciais milenares e cobrar por isso apenas um encontro fugaz com uma menina bonita que lhe deixe tocar nos seios? Como pode o meu irmão não se aperceber que está a esbanjar talento e a delapidar uma futura herança da família? Eu não sou assim. Não!... Eu vendo e com um preço proibitivo o que sei fazer de melhor e só assim ganho o meu dinheiro. Tudo honestamente!

Dez milhões de zeni é quanto têm de pagar para usar os meus dotes de vidente.

E é assim que sou conhecida, como a vidente Uranai. Claro que há os maldosos que acrescentam Baba – velha decrépita – mas eu ignoro-os, pois sei que têm inveja, a mais pura inveja, das minhas habilidades com a bola de cristal, cobiçando para cúmulo todo o meu dinheiro.

Continuem a invejar-me e eu continuo a zombar de vocês!

Respiro fundo.

Lá estou eu a divagar naquele meu azedume típico.

Como cobro uma imensidão de zeni pelos meus serviços de clarividência, a minha clientela é selecionada. Gente da classe alta, políticos corruptos, até reis e imperadores de terras abençoadas com a abundância. Por vezes aparece-me aos portões da minha mansão um séquito real composto por uma caravana infindável de carretas carregando arcas e baús a transbordar de pepitas de ouro, de lingotes de prata, de pedras preciosas coloridas, de pérolas gigantes, de diamantes cintilantes, mas eu mando-os parar e aviso com um certo tom pedante (que eu sou uma moça de nariz muito empinado e muito segura de si):

- Dinheiro, meus senhores. Eu consulto a minha bola de cristal a troco de dinheiro, somente. Dez milhões de zeni.

Sou esquisita, pronto. Só quero dinheiro. Nada de ouro, prata, safiras, rubis, diamantes, esmeraldas. Dinheiro! Zeni, que é a moeda que utilizamos todos para comprar uma garrafa de leite ou mesmo uma dessas pérolas gigantes. Não posso ir ao salão de beleza e pagar o arranjo do cabelo com um rubi! A cabeleireira ficava a olhar para a pedra vermelha, a fazer contas de cabeça, a pensar quanto valeria aquilo, se era suficiente ou se era muito mais do que o preço que levava para me tratar do cabelo, se podia transformar aquilo em zeni para poder comprar a garrafa de leite, que o leiteiro também haveria de fazer a mesma cara pasmada e desconfiada.

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