Quinta pintura

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Não, Taehyung não estava lá quando eu acordei e muito menos chegou nas poucas horas que eu fiquei encarando a porta e meu próprio celular à sua espera. Eu estava preocupado sobre onde ele se encontrava. É claro que ele é um homem de vinte e sete anos que poderia muito bem se virar em qualquer lugar, ele não teria se acostumado à vida do século atual se não fosse completamente capaz disso, mas eu não fazia a menor ideia se ele conhecia mais pessoas além de Seokjin hyung e eu (e o Hoseok hyung, é claro, apesar deles não terem tanta intimidade assim).

Então, onde ele poderia estar?

No meio de minha sessão dramática de músicas indie dos Estados Unidos, Seokjin hyung me deu um peteleco na orelha e disse que eu tinha me apegado demais a Taehyung e que isso não era muito bem; eu sabia que não era. Mas o que eu poderia fazer se havia me encantado com o jeito do pintor? E eu realmente não queria parecer um cara estranho, mas até mesmo o jeito que Taehyung prestava atenção em cada pincelada que dava me intrigava de um jeito bom. E era engraçado que, até conhecê-lo, eu não sabia exatamente como pintores manejavam seu tempo ou suas ideias para colocá-las nos quadros ou nas telas digitais.

É, eu apresentei telas digitais para Taehyung e não foi uma experiência muito boa. Ele era bem liberal em tudo, achava a maior parte das coisas encantadoras, mas ele não entendia o porquê de artistas preferirem fazer desenhos digitais ao invés da boa e velha tinta em quadros de tecido. Ele ficou dois dias resmungando sobre isso.

Seokjin hyung, cansado de me ver jogado no sofá sem fazer nada, apenas querendo saber se uma hora Taehyung iria voltar, disse que eu deveria, em suas palavras "sei lá, ver gente. Ver seus quadros. Sair de casa e me deixar transar com meu namorado sem eu ficar pensando em você chorando na sala," e era exatamente por isso que eu estava agora, em uma exposição de quadros de uma artista afro-cubana que havia nascido em Chicago. Tentando esquecer o fato de que Seokjin hyung e Hoseok hyung estavam com toda certeza quase quebrando a cama do mais velho e que Taehyung ainda estava chateado comigo.

Quadros me acalmam, e fazem com que eu me perca em meus próprios pensamentos. E Harmonia Rosales era definitivamente alguém a se pensar e apreciar os quadros. Suas obras são totalmente baseada em releituras de obras clássicas, trazendo a figura da mulher preta no lugar de protagonistas brancas e, logo na entrada, eu me deparo com uma frase sua em que diz que "A arte é minha arma na batalha em curso contra a indiferença e a inação. Constitui a base da resistência". Aquilo me chamou atenção, mesmo que meu plano inicial fosse rodar pelo bairro até que Seokjin hyung me ligasse perguntando onde eu havia me enfiado.

O primeiro quadro que eu vejo é "O nascimento de Oxum", originalmente "O nascimento de Vênus". O quadro é bonito, chamativo, suas cores são mais chamativas e vivas do que no original, mas o que me prende mais atenção é sobre como aquilo é genial. Vênus, nada mais é, do que a representação romana de Afrodite, a deusa do amor, da sexualidade e da beleza segundo a mitologia grega. Vênus fora, obviamente, retratada por Botticelli como uma mulher europeia comum, branca e de cabelos claros, e ali, Rosalia havia feitos seus traços e colocado Afrodite como Oxum, que, também era considerada a senhora da beleza em suas religiões de raízes africanas.

Eu consigo ouvir algumas pessoas horrorizadas ao meu redor enquanto caminho pelos quadros, observado cada detalhes entre eles. O que é mais falado é sobre como uma artista teve "a coragem de mudar algo original da época do renascimento" e eu me pergunto se entendem o que é o objetivo de uma releitura de obras clássicas e se leram o panfleto que um dos organizadores estava entregando na hora da entrada. Ou talvez estivessem todos presos na imagem eurocentrista que o mundo ainda tem, apesar de tantos anos terem se passado. É meio frustrante você fazer parte de um país não-branco que não percebe que é oprimido e pisado do mesmo jeito por pessoas de fora e que, passar essa opressão 'pra frente, é ser um grande babaca.

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