Missão

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Eu tive um pesadelo, e acredito que tenha sido resultado do que Kim Namjoon me fez lembrar: o assassinato do meu pai. Desde este dia, eu busquei durante muitos anos esquecer ou me acostumar, o que obviamente foi uma tentativa fracassada e dolorosa. Não se esquece ou se acostuma com a perda de alguém íntimo, de alguém que sempre lhe deu amor. Eu fiz anos de terapia, com a ajuda de Seokjin, que pagou por todas elas, e eu acabei desenvolvendo uma forma, que sequer reconheço, de não pensar tanto nessa situação. No entanto, vez ou outra, pesadelos invadem o meu sono e me fazem lembrar de tudo.

Nós estávamos no jardim dos fundos da nossa casa, apenas eu e o meu pai, ele estava me ensinando a beber depois de me ouvir desabafar sobre um carinho frustrado que tive no colégio. Éramos muito ligados, ele sempre me acolheu e me apoiou com todo o amor do mundo, buscando entender a minha sexualidade, as minhas questões e opiniões. Sempre fomos só nós dois, já que a minha mãe morreu no parto e eu não tive como conhecê-la. Ela teve eclampsia, um conjunto de convulsões que acontecem antes, durante ou após o parto. Geralmente a eclampsia segue uma condição de pressão arterial elevada e excesso de proteína na urina, durante a gestação - o que seria a pré-eclampsia.

Enfim, eu estava com o meu pai, no auge dos meus 17 anos, aprendendo a beber com ele, mesmo eu sendo menor de idade. Ele queria me preparar para a vida e me ensinar a não encher a cara por besteiras, como havia feito na noite anterior. Subitamente, enquanto servia Soju no meu pequeno copo transparente, o seu sangue espirrou nos meus olhos e adentrou a minha boca, manchando o sorriso que eu tinha nos lábios poucos segundos antes. Eu senti o gosto do sangue do meu pai, enquanto o vi cair com o rosto sobre as coisas da mesa. A sua cabeça havia sido destroçada por um tiro. Foi chocante, aterrorizante, eu nunca senti tanto medo na minha vida. Fiquei paralisado, esperando que algo acontecesse comigo também, desejando que acontecesse, porque não suportaria permanecer naquele lugar. Não suportaria conviver com aquela imagem na minha mente. Não adiantou, estou vivo.

Para ser sincero, não me lembro como me socorreram dentro de casa, mas sei que fui levado ao hospital, porque a bala saiu da cabeça do meu pai e acertou o meu ombro em cheio. Logo depois disso eu fui enviado para Daegu, a cidade dos meus avós. Eles são vivos até hoje, donos de um restaurante de bairro, nada famoso, mas muito bom. Não cheguei a me formar no colégio, eu não conseguia comer, dormir, não conseguia nem falar, só sabia chorar e lamentar pelos cantos o que havia acontecido.

Os meus avós não sabiam mais o que fazer, e se esforçaram para pagar terapias para mim, mas as coisas não eram fáceis. Os meus remédios eram caros. Eu estava me sentindo sozinho, morto por dentro, o meu Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) se agravou ainda mais, e quando pensei em desistir de tudo, de mim mesmo, uma espécie de anjo apareceu na minha casa. Jung Yoo. Eu não sabia quem ele era, nunca tinha o visto antes, mas ele se identificou como um amigo próximo do meu pai. Alguém com quem ele trabalhava no escritório. Eu estranhei, é claro, porque as roupas de Jung Yoo eram caras, escuras. Ele estava de luto, eu podia ver o descontentamento no seu olhar, a pena também.

Eu fiquei trancado no quarto enquanto os meus avós e Yoo conversavam por horas na sala de jantar. Eu estava curioso, queria saber do que se tratava, mas apesar de estar numa idade rebelde, sempre fui educado. Horas depois eu descobri que os meus avós me entregaram a Jung Yoo, que prometeu cuidar de mim. Eu chorei, bati o pé, xinguei e me revoltei intensamente. Eu entendi como se os meus avós estivessem se livrando de um fardo: eu era este, mas depois entendi que eles queriam que eu tivesse uma vida melhor. Percebi isso quando coloquei os pés na casa de Jung Yoo pela primeira vez. Eu fiquei chocado com a grandiosidade do lugar, mais chocado ainda com a recepção. Eu fui tratado como um filho desde o primeiro dia, e eu achava que tinha ganhado um irmão de coração.

Jung Yoo era o pai de Jung Hoseok, dono da segunda maior quadrilha da Coréia do Sul. Apesar de ter me acolhido e me apresentado o seu filho, quem esteve ao meu lado o tempo todo foi Seokjin, o seu afilhado, que era quatro anos mais velho do que eu e já vivia de uma forma independente. Hoseok e eu nunca fomos próximos, morávamos na mesma casa, mas nunca nos falamos. Ele também era quatro anos mais velho do que eu, então não se misturava, eu quase não o via, mas ainda assim conseguia perceber o quão simpático ele era com os outros. Já Seokjin se esforçou bastante para me colocar na terapia, e me contou tudo o que eles faziam ali. Disse que eu poderia treinar, ganhar habilidades e, quem sabe, um dia descobrir quem fez aquilo com o meu pai.

Black Swan • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora