Daegu: o lar das lembranças dolorosas

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Depois da missão com Bryan D, eu e Agust voltamos ao hotel e nos acomodamos em nossos respectivos quartos. Eu estava cansado, mas não pela ação em si, e sim pelas noites seguidas e mal dormidas. Precisava de um remédio, precisava descansar logo ou o meu corpo entraria em colapso a qualquer momento. Isso não poderia acontecer de forma alguma.

Eu passei horas a fio pensando na missão e em como eu estava em Daegu, agindo como se o terror da minha vida não tivesse se seguido aqui. Não consegui evitar pensar nos meus avós um segundo sequer, em como eles estariam, se tinham saúde, se sentiam a minha falta. Por mais desesperado e sombrio que eu estivesse naquela época, aos 17 anos, o abraço dos meus avós – do meu okavô em especial – era o que sempre me apertava numa tentativa frustrada de me acalmar.

Por vezes, mesmo com a idade que eu tinha, dormi no meio deles, na mesma cama de casal que nem era tão confortável. Eu estava assustado, com medo, precisava de cuidados, mas não queria pedir socorro. O meu olhar gritava por socorro, qualquer um que me visse entendia o meu desespero, captava a minha dor. Todos na vizinhança sabiam que o neto de ouro dos Park havia voltado e tinha perdido o pai num atentado frio e sanguinário. Todos sentiam pena de mim, espiavam na janela em buscar de me ver, ou corriam para a porta de casa quando ouviam os meus gritos de desespero.

Por vezes um rapaz alto e negro, que havia acabado de chegar de Itaewon – o bairro dos turistas e das festas – ajudava os meus avós a controlar os meus surtos de pânico. Ele era enfermeiro, forte, e já me imobilizou inúmeras vezes, com cuidado e atenção, para que eu me acalmasse, quando os meus avós não tivessem mais forças. Eu dei trabalho, eu estava traumatizado. E ainda estou. A quem quero enganar? Essa carranca fodida que eu carrego, e esse charme exacerbado são só para disfarçar o lixo que o meu interior se tornou depois que perdi o meu pai. Eu sou um nada. Vazio. E aos 26 anos ainda não aprendi a lidar com isso.

Eu estava pilotando pelas ruas de forma displiscente, ultrapassando vários carros e freando bruscamente nos sinais vermelhos. Estava aproveitando o tempo que me restava em Daegu, enquanto Agust dormia e descansava, para espairecer a mente. Ficar sozinho. Eu não pretendia ir atrás de nada, não pretendia encontrar ninguém, mas alguma coisa me levou até o bairro dos meus avós. Quando me dei conta, eu estava com a moto estacionada no meio fio do outro lado da rua.

A casa tinha a fachada cor de rosa, bem clarinho, era de madeira. Havia um jardim bem simples, com um gramado bem cuidado, cercado por uma cerca de madeira branca, e uma cerejeira enorme, mas sem flores. Estava frio e seco demais para que algo ali tivesse a felicidade de florescer. A casa era toda cercada por uma varanda, decorada com vasos grandes que acomodavam plantas ainda maiores, e cadeiras de balanço. Retirei o capacete e coloquei o boné preto na cabeça, deixando apenas os meus olhos do lado de fora, já que estava usando uma máscara preta e descartável.

A vizinhança ainda era pacata, como eu estava acostumado. Lembrei das diversas vezes em que vim aqui com o meu pai, e nós apostavámos corrida de bicicleta todo fim de tarde. Lembrei de quando começaram a espalhar boatos sobre a minha sexualidade – que eram verdadeiros – e me zoaram durante as férias. Eu escondi do meu pai, mas ele descobriu e arranjou briga com os pais das outras crianças, tudo para me defender. Ele sempre esteve do meu lado, os meus avós também. Eu sou grato por isto até hoje, e sempre serei.

Ainda sobre a moto, imaginei sofrer e me lembrar de todas as coisas ruins que vivi aqui. Os meus piores dias foram em Daegu, os dias em que sequei de tanto chorar e de nada comer também foram em Daegu. No entanto, eu só sentia saudade. Saudade dos meus avós e arrependimento de ter sumido, porque sei que eles não queriam isso quando me mandaram com Jung Yoo. Eles queriam o meu bem, que eu fosse cuidado, que eu tivesse acesso a medicamentos e tratamentos que eles não poderiam pagar. Eles queriam que eu vivesse bem e crescesse bem acima e apesar de tudo.

Black Swan • JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora