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L O B O  P R E T O

***

SALEM, NOVA INGLATERRA

1779

Claro que era um lobo; um lindo lobo preto com os olhos cor de âmbar. Eu tinha razão no final das contas.

Me perguntava sempre quem era que ficava me observando durante o dia todo, que só parava quando ia em busca de uma boa refeição na hora do almoço e no fim da tarde. Eu nunca o vi direito, essa foi minha primeira vez, sentada na janela do meu quarto observando em meio aos matos secos perto da floresta se agitando como um cachorro doméstico. Ele estava sentado, se sacudindo como se quisesse que eu finalmente o visse e soubesse que era ele meu protetor desde que cheguei nessa cidadezinha da Nova Inglaterra.

Ele sempre me seguia, escondido no meio da névoa branca acinzentada que vinha da floresta densa, observando-me com atenção.

A primeira vez que notei que isso estava acontecendo foi quando a carruagem de meu pai pisou nesta cidade e me deixou na mansão dos meus tios velhos, rabugentos e religiosos. Eles mal me conheciam e eu não era diferente. Sabia que estavam me hospedando durante as férias de verão porque devia a meu pai um favor. Se não fosse por isso, nem sei para onde iria. Antes de vir, estudava em um colégio interno, na cidade grande. Eu não gostava, mas não podia fazer nada. As férias era a única oportunidade de ver meus pais, e sabendo desse fato, eles resolveram me ignorar como sempre faziam.

Me deram um beijo e disseram que ficaríamos juntos logo.

Mas esse logo não chegava nunca!

Ambos estavam lado a lado, na guerra do nosso país. Não guerreando. Eu não sabia de muita coisa, mas sabia que meu pai não era um soldado como os demais. Papai era superior, segundo ele. Mamãe era médica e cuidava de um bocado de homens ensanguentados, cheios de machucados horrendos e mesmo assim, com todas essas coisas horríveis, ela preferia ficar com eles do que cuidar da própria filha que cresceu em um internato cheio de garotas barulhentas.

Ergui a mão e estalei os dedos, tentando chamar o lobo que me encarava confuso em uma certa distância da entrada da floresta. Nunca pensei que seria um lobo quem estaria me observando durante esse tempo todo, pensei que fosse um garoto, ou um velho, qualquer coisa, menos isso. Nunca passou pela minha cabeça um animal selvagem me vigiar e me proteger de sei lá o que. Era isso que eu pensava, que ele estava me protegendo, que de certa forma , me sentia segura com ele e que agora, dormiria feliz e aliviada em saber quem era meu protetor oculto que se escondia a todo custo.

Se ele quisesse me devorar, já teria feito. Tivemos muitos momentos a sós longe da cidade, na floresta. Assim, o que mudava era que eu não o via, mas ele me via e me seguia para todos os cantos.

Ele não queria me comer. Queria outra coisa. Talvez uma amizade… estranho.

Pensei que os lobos andassem todos juntos em alcatéia. No entanto, esse era diferente. Ele não andava em bando, era completamente sozinho. Se ele estava achando que eu era sua fêmea, estava enganado porque eu não gostava de cachorros para um relacionamento sério.

Na verdade, eu tinha uma listinha para o homem ideal. Mas não era como se eu tivesse uma escolha caso meus pais aparecesse com um soldado com boas condições e uma família respeitável para me casar. Seria obrigada e não poderia falar nada. Era injusto.

— Acho que te entendo, lobinho. — Sussurrei e sorri com a palavra lobinho. Ridículo. Isso era ridículo.

O lobo era enorme, no entanto, pela distância, não podia dizer muito. Estreitei os olhos. Ele era grande e muito peludo, com certeza conseguiria encher meu travesseiro de penas com seu pelo negro. A língua era rosa, isso eu pude ver quando ele a colocou para fora e lambeu o focinho. Era grande e ágil, trabalhava no seu pelo brilhoso, cheio de matos grudados nas patas.

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