Garota na Cerca

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Excêntrica e ao mesmo tempo repleta de razão, ela estava lá sorrindo ao longe pra mim enquanto ia em direção ao seu pai na serraria

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Excêntrica e ao mesmo tempo repleta de razão, ela estava lá sorrindo ao longe pra mim enquanto ia em direção ao seu pai na serraria. Não me lembro se alguém se importou comigo além de Alexya, Bob e essa garota estranha que acabei de conhecer. Meu olhar cruzou novamente com a imensidão do rio, pensei em me lançar novamente em suas águas escuras, mas agora essa ideia parecia mais uma bobagem egoísta da minha parte, aliás não pensei em nenhum momento na dor do Bob ao notar que eu não retornaria, eu estou tão triste que esqueço da única coisa que me prende a esse mundo.

Naquele dia, a noite chegaria às 11:00 horas e o fato que mais me deixava com uma pulga atrás da orelha, era de que chegaria um dia onde macuxi seria engolido pela noite, era engraçado pensar que todos aqui estavam relaxados e acostumados com esse fato. Não havia rosto mais apavorado que o meu, ao lembrar desse fato estranho que ainda estava por vir. Após o meu estranho encontro com Mirian, parti direto para a biblioteca, não queria perder tempo, aquela garota certamente era a pessoa mais intrigante daquela cidade.

Quando enfim cheguei na biblioteca me deparei com meu mais novo padrasto na recepção, pretendendo levar alguns livros estranhos que eu não pude identificar pois estavam dentro de uma sacola. A biblioteca tinha seis sessões, sendo elas a sessão de culinária a esquerda próxima ao banheiro, a sessão de fantasia, a didática, a de fatos históricos, a de hq e uma sessão interditada por fitas com algo escrito numa placa dizendo, "Sessão proibida", nessa sessão proibida não havia nenhum livro, era engraçado eles terem proibido uma área sem livros, provavelmente estava repleta de ratos ou com alguma infestação de cupins, sabe-se lá como deve estar aquele piso. Passei por Ivan tapando um lado do rosto com a mão, na esperança de que ele não me notasse, porém minha tentativa foi em vão. Enquanto eu tentava entrar na sessão de livros de culinária, Ivan apareceu na minha frente e me parou colocando a mão no meu peito.

- Precisamos conversar. - Disse ele me olhando sério.

- Não há nada pra conversar.

- Vamos lá Luca, me dá uma chance cara.

- Tá certo. Seja breve. - Falei seguindo ele até uma mesa ali perto.

Naquela hora do dia a biblioteca municipal de Macuxi estava praticamente vazia, eu observava o pouco movimento ainda sentado escutando as baboseiras que Ivan tinha para me contar, sobre o relacionamento super romântico dele com minha mãe. Não minto sobre o pouco interesse que eu tinha naquele assunto, eu apenas queria encontrar Mirian, mas a medida que o sol ia se pondo, a biblioteca ia esvaziando e Ivan ainda continuava a falar.

- Tá certo, eu já entendi que você deixa ela no trabalho em Eskol e que esse relacionamento é super fofo e romântico, agora preciso ir - Falei levantando da mesa.

- Luca espera.

- Não, eu já ouvi o bastante.

Quando eu já estava empurrando a porta de vidro da biblioteca para partir, Ivan falou algo que me abalaria pelo resto da noite.

- Eu sei o que aconteceu ontem com o Kevin e você.

- Você não tem o direito de se meter na minha vida. - Retruquei olhando profundamente nos olhos dele.

- Eu só quero ajudar, me sinto no dever, principalmente agora que sou quase seu pai.

- Nunca mais... - Respirei fundo e prossegui - Você não é e nunca vai ser igual meu pai.

- Me desculpe, me expressei mal - Disse de cabeça baixa - Eu só quero ter uma boa relação com você e a Ana.

- Se você conhecesse a "Ana" de verdade, iria querer distância.

Deixei a biblioteca sem olhar para trás, não conseguia acreditar que aquele cara queria ser igual ao meu pai, agora só falta ele ir morar lá em casa e eu ser obrigado a tratar ele como da família. Nossa família já é uma merda, não precisa de mais um membro como o Ivan, já imaginou? Nossa família vai deixar de ser uma merda pra se tornar um esgoto. Estamos bem como estamos, pobre homem, se pelo menos soubesse o quanto minha mãe é rude e egoísta, ele não tentaria algo com ela.

Correndo pelas ruas iluminadas, pelos últimos raios do pôr do sol, me vi em um sentimento confuso de raiva e tristeza, minhas lagrimas escorriam pelo meu rosto e eu as enxugava na esperança de que acabassem, será que ninguém se importava com minha dor? Eu estava abalado, só queria me prender a alguma coisa. Corri por mais algumas quadras e ouvi risos e gritos, estavam vindo da mata, aparentemente algumas crianças estavam brincando de pique esconde naquela área, ouvi vários passos rápidos entre os arbustos e então uma criança muito parecida com Carolina a irmãzinha de Alexya, surgiu na cerca que dava da rua para a floresta.

- Psiu! Carolina o que está fazendo? - Sussurrei - A Alexya sabe que está aqui?

A garotinha adentrou a floresta rapidamente como se estivesse fugindo de alguma coisa, em questão de segundos ela já havia sumido entre as árvores. Eu não iria seguir ela, seria estranho ver um adolescente sair do meio de uma floresta com uma garotinha, mas não pude ficar parado após ouvir o grito da criança ecoar. Rapidamente adentrei aquele lugar, os galhos e os espinhos rasgavam minha calça e me enchiam de ferimentos. "Carolina." Gritei, mas apenas minha voz me respondia no eco. Cheguei a uma clareira e lá gritei novamente, mas apenas a luz da lua crescente e alguns animais pareciam está ali. De repente todo som de qualquer ser vivo se dissipou no silêncio atordoante, ouvia-se apenas o vento suave passando entre as folhas das árvores. Não havia sinal de garotinha, só havia eu perdido no meio da floresta.

Tentei voltar até Macuxi, mas parecia está andando em círculos, eu estava sempre voltando até a maldita clareira. A lua agora já estava acima da minha cabeça e toda a minha roupa e corpo estavam repletos de lama e do sangue que escorria das minhas pernas. Como eu fui parar naquela enrascada? Não imagino o quão burro eu fui em tentar salvar alguém em perigo, agora eu estava em perigo.

- SOCORRO! - Gritava, mas apenas minha voz retornava.

Eu já estava cansado, sentei no chão frio e deixei minha mente flutuar para longe. Aquele frio e toda aquela tensão me fez querer voltar as épocas boas, onde eu me deitava na cama com meu pai e ele cantava uma música muito calma para mim. Acho que a música era mais ou menos assim. "Você repousa, silenciosa diante de mim
Suas lágrimas, não me significam nada
O vento, assoviando na janela
O amor, que você nunca deu
Eu dou a você
Realmente não o merece
Mas agora, não há nada que você possa fazer
Então durma, em sua única memória". O restante da música eu não me recordo, mas naquele momento eu cantarolava ela, enquanto me encolhia abraçado com meus joelhos.

Era uma música estranha para ser cantada para um filho, ela falava sobre a morte de uma mãe e sobre o quanto ela não faria falta. Meu pai era um homem estranho e que estranho eu está pensando nele naquele momento de angústia. Eu sentia saudades e raiva por ser tão tolo, de verdade onde estava aquela pestinha que eu tentei salvar? Será que havia sido comida por algum lobo? Ou talvez onça? Seria o melhor para ela naquele momento.

Sonhos ConturbadosOnde histórias criam vida. Descubra agora