Lágrimas de Mãe

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Após a guerra civil e a queda do Império em Hús, muitos foram forçados ao exílio espalhando-se por todo o continente. Mas mesmo nas cidades mais isoladas as hostilidades eram especialmente cruéis para os militares que apoiaram o imperador até o fim.

A única saida para vários desses foi atravessar o mar em direção ao norte onde os homens nem mesmo nos consideravam da mesma espécie, apelidando os exilados de "askas", devido a cor cinza. No entanto era preferível tentar a sorte contra o preconceito dos estrangeiros, do que estar ao alcance da espada de compatriotas que deliberadamente buscavam matá-los.

Muitos dos que fizeram a travessia trataram de mudar seus nomes, fosse por uma melhor aceitação em terras estrangeiras, ou para não serem rastreados pelo novo regime, provavelmente por ambos. E assim os dois entraram para a história conhecidos apenas como "a Capitã e o Ferreiro".

Devido à posição que ela ostentou até os últimos dias do Império, foi difícil sua fuga da cidade de Hús, principalmente porque a mesma já encontrava-se em avançado estado de gravidez. Seu marido, um dos antigos nobres da corte, foi capturado e morto quando suas identidades foram descobertas no porto da Baía do Crepúsculo, onde ela ainda teve que gastar até a última moeda de seus bens para conseguir embarcar em um pesqueiro durante a noite.

Já em terra firme do outro lado da fronteira, sobreviveu como indigente por algum tempo na entrada do vilarejo de Masna, onde viria a conhecer o Ferreiro. Em suas constantes passagens pelo local, ele se compadeceu do estado da refugiada. Embora maltratada pela jornada até ali, seu semblante ainda trazia resquícios dos traços de uma outrora bela nobre.

Com os olhos bem treinados para o metal, ele ainda percebeu a insígnia de prata dos capitães da Guarda Imperial, que ela tentava a todo custo esconder entre os trapos. O simples fato de portar um daqueles, já poderia ser considerado uma sentença de morte para ela, mas o Ferreiro guardou esse segredo.

Um dia, ao ver que um destacamento de expurgo se dirigia em direção a Masna, ele pagou o dobro de moedas para que uma aldeã lhe vendesse uma de suas vestes, arreou dois cavalos e saiu em disparada em direção à vila por uma estrada vicinal. Sabia que se não chegasse antes deles, a mulher seria assassinada junto com a criança que esperava, assim que percebessem se tratar de uma refugiada.

Atravessou a bifurcação onde as estradas se encontravam a ponto de conseguir ouvir ao longe, os cascos da tropa se aproximando. Chegado ao local, ela relutou em aceitar as vestes e seguir um desconhecido, até que ele revelou saber sobre a insígnia que ela portava há tempos. Eles então retornaram juntos, cruzando com a tropa a quem fora apresentada como sendo sua esposa grávida.

Correram então até a moradia do Ferreiro e por um breve período a Capitã soube novamente o que era experimentar uma refeição decente, deitar numa cama e ter mais que uma muda de roupas. Mas o descanso foi breve, pois ele sabia que era questão de dias até que os habitantes de Masna dessem por falta da refugiada na entrada da vila, ou relatassem que o Ferreiro nunca foi visto com esposa alguma. E então reuniram tudo que puderam em uma carruagem e partiram dali.

Apesar de grata ela não entendia ainda por que aquele homem a ajudava, porém aquele disfarce salvou sua vida em vários outros momentos, e em muitas outras cidades, até que aos poucos deixava de ser um "disfarce"... Encontrando-a suja, ao relento e ainda grávida de outro homem, ele a amou. E agora assumia para sua própria vida os riscos que eram dela. Ela esqueceu as dores do passado e o amou também.

Mas já não haviam lugares seguros ao sul e a unica saída para os três foi atravessar o mar em direção ao norte. Foi lá que a Capitã deu à luz a seu filho, e fez questão de nomeá-lo na língua do norte "Radosti" que quer dizer "Alegria", pois segundo ela, lembrar do sul só lhe traria tristezas.

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