O segredo da Floresta Akaryang - parte 1

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Por entre os arbustos Lotte armava uma flecha, sua presa pastava entre algumas outras numa clareira à frente. Cem metros, talvez um pouco mais, não seria difícil não fosse por uma necessidade: teria que ser precisa, pois o local estava no limite com Akaryang, a floresta proibida. Seu pai Torvald se esgueirava tentando cercar o rebanho, para impedir uma eventual fuga, já estavam naquele encalço desde as primeiras luzes do dia.

Seu pai confiava na sua habilidade à longa distância, embora estivesse ali por uma que ainda impressionava a garota: disparo com alvo em movimento. A mais vulnerável seria obviamente a prenhe, mas Torvald lhe ensinara a jamais escolher aquele tipo de presa. Nesse caso o grande cervo macho, ela sabia que o pai viria aquilo como demonstração de orgulho da filha, e até reconhecia que a galhada daria um ótimo troféu, mas a decisão era puramente prática: maior corpo, maior área à disposição para o disparo.

O animal movia a cabeça inquieto, mesmo assim seus grandes olhos e orelhas eram um ótimo referencial para atingir o cérebro, queda instantânea. Infelizmente lembrou-se que suas ponteiras eram de pedra e não de metal como as que usara treinando com a cavalaria real, e que traspassariam qualquer coisa. A sua não atravessaria o crânio àquela distância. Se estivesse de frente para a caça poderia tentar o coração, mas ali de lado tinha poucas opções.

Se estivessem no centro da floresta da orla não seria problemas acertar pulmão, rins ou mesmo estômago; bastaria seguir o sangue por alguns minutos, mas ali no limite da mata densa não teria esse tempo. Sua única opção era o pescoço. Não qualquer ponto, mas especificamente o osso da coluna, se conseguisse quebrá-lo a queda era certa.

Lotte olhou para Torvald quase incógnito mais adiante, ele sinalizava positivamente com a cabeça. Um suspiro e a corda estala, um rápido zunido no ar e ela vê o animal descer sobre as patas. Mas logo em seguida ele se recompõe e procura a direção em que o restante do rebanho havia tomado, para o interior da floresta a frente. Lotte corre em disparada tentando interceptar a fuga, o animal tomba mais uma vez atingido no lombo por Torvald e a filha encurta a distância, mas o cervo torna a levantar-se trotando cambaleante em linha reta, consegue superar o campo da clareira apenas para tombar ofegante sob uma imensa árvore vinte metros à frente.

— Mas o que pensa que está fazendo? Ele está logo ali! — A corrida de Lotte é subitamente interrompida pelos braços do pai.

— Espere... Veja isso.

Do meio da mata fechada surgem duas figuras humanóides pouco menores que os caçadores. Sua pele era escura como o tronco das árvores em contraste com os cabelos em tom ruivo. Órbitas esverdeadas os observavam dentro de pálpebras anormalmente repuxadas. Suas vestes eram quase indistinguiveis de ramificações das plantas ao redor pelo contraste entre cores e texturas. Brotos despontavam sobre suas cabeças e nas pontudas orelhas e Lotte não saberia dizer se travam-se de adereços ou camuflagem.

— Silvanos. Estamos no território deles Lotte, vamos. — diz Torvald conformado, tentando desviar a filha daquela direção.

— E perder um dia inteiro de trabalho?! Pai está apenas a míseros passos daqui! Nós rastreamos, nós acertamos ele, não é justo!

— Eles estavam nesse mesmo encalço desde a noite anterior, eu apenas segui seus rastros. Respeitaram nosso território e nos deram a prerrogativa enquanto estávamos na floresta da orla. Agora devemos fazer o mesmo.

A garota deixa parte de sua indignação de lado, surpresa do quanto suas habilidades de rastreamento ainda estavam aquém das de Torvald, pois não percebera as estranhas presenças espreitando durante todo o dia.

Um dos Silvanos acerta o animal pondo fim ao seu agonizante sofrimento, em seguida o outro vai até ele, quebra a ponta de uma das galhadas e para a meio caminho dos caçadores. Emite algumas palavras indecifráveis e estende o braço em direção aos dois.

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