Os pássaros cantavam, mas não era o mesmo canto dos mesmos pássaros que costumavam cantar em todas as manhãs do lado de fora da janela do quarto de Joaquim, não, era um canto diferente e não era apenas isso. Onde estava a maciez de sua cama, do seu travesseiro e de seu cobertor? Parecia estar deitado em algo mais duro e que pinicava, afinal, onde estava? Ao abrir os olhos, Joaquim se viu deitado num chão coberto por um gramado baixo e seco, em meio a uma floresta de árvores gigantes, tão grandes que pareciam tocar o céu. Ele se levantou num pulo, assustado e confuso, não sabia como foi parar ali e muito menos como iria fazer para sair, estava perdido e sozinho, pelo menos foi o que pensou até avistar um pequeno e estranho ser peludo, do tamanho da palma de sua mão, de focinho pequeno, mas olhos, orelhas e patas traseiras bem grandes.
—Olá —disse o garoto cumprimentando o pequeno animal que apenas ficou olhando fixamente para ele com seus grandes olhos —, tá perdido também?
O animal continuou apenas o fitando, parecia não saber falar.
—Você é bem feinho, nunca vi um bicho como você.
Como se estivesse congelado, o pequeno ser continuou encarando Joaquim, o que começou a incomodar o garoto que, cansado de esperar a criatura fazer algo, tentou se aproximar, mas ao primeiro passo dado, o pequeno bicho saiu saltitando em fuga.
—Ei, espera! —Gritou Joaquim antes de sair correndo atrás do animal.
O pequeno orelhudo era veloz, mas Joaquim continuou perseguindo-o, correndo o mais rápido que podia, desviando de galhos, troncos, raízes, plantas, rochas e buracos. Estava tão concentrado em pegar o animal que nem percebeu quando saiu da floresta das árvores gigantes para uma grande área aberta coberta por um gramado verde, baixo e macio, onde o garoto finalmente conseguiu apanhar a criatura.
—Peguei! —comemorou segurando firmemente o animal em suas mãos.
Enquanto observava mais de perto a criatura que se contorcia presa entre seus dedos, Joaquim sentiu um forte tremor no solo que o fez cair e soltar o bichinho que aproveitou a oportunidade para fugir, o menino tentou correr atrás dele novamente, mas uma grande ave azul e magrela, num rasante, desceu dos céus e apanhou o animal, prendendo-o em suas garras que perfuraram seu corpinho peludo, o fazendo chiar e contorcer-se de dor. Tudo que Joaquim pôde fazer foi assistir seu pequeno novo amigo ser levado em direção ao céus pela grande ave magrela enquanto corria e gritava inutilmente para que ela o devolvesse, até que um tremor ainda mais forte o levou novamente ao chão.
Após um terceiro tremor, a grande parte do solo onde Joaquim estava começou a se separar do restante do campo e se elevar. Assustado, Joaquim se agarrou à grama enquanto o chão subia, subia e subia até finalmente parar. Sem mais tremores, Joaquim se sentiu seguro para finalmente se levantar, parecia estar alto, limpou o excesso de sujeira de seu pijama com alguns tapas e se aproximou da extremidade do pedaço de chão para checar, ao olhar para baixo, se surpreendeu, não só com a altura em que estava, mas também por perceber que o solo em que pisava era na realidade as costas de um imenso quadrúpede que acabara de despertar, colocando sobre o sol sua pele que mais parecia barro seco com raízes e rochas, seus quatro olhos grandes e sonolentos aos poucos iam se acostumando com a luminosidade e sua imensa boca soltara um longo e ensurdecedor bocejo que fez Joaquim tapar os ouvidos. Ao fim do bocejo, a criatura coçou seu queixo com seus dois braços que se encontravam logo abaixo de seu queixo e começou a marchar pela campina.
Olhando ao redor, Joaquim avistou várias das mesmas criaturas se erguendo até que todo aquele campo aberto de grama verde e macia se tornasse uma manada de grandes quadrúpedes que começaram a marchar em grupo para outro lugar. O menino continuava nas costas do gigantesco animal, não mais assustado, estava se encantando com a paisagem; montanhas verdes, florestas, um céu claro com grandes nuvens brancas e diferentes aves coloridas, de tamanhos variados e espécies desconhecidas planando pelo ar. Parecia um sonho, mas Joaquim tinha a mais absoluta certeza de que não era, naquele momento ele chegou a acreditar que havia dormido em seu quarto e acordado em outro mundo.
O menino conseguiu descer do grande animal de quatro patas e dois braços assim que a criatura parou para comer folhas do topo de algumas árvores. O garoto adentrou em outra floresta, de árvores menores e troncos mais largos e parou próximo a um arbusto para urinar enquanto criava teorias de como poderia ter chegado ali; suas ideias iam de alienígenas à fadas, dos duendes à organizações secretas. A cabeça do garoto não parava de raciocinar, até ouvir um barulho, uma respiração pesada abafada pelos sons do impacto e quebrar de galhos. Olhando para os lados em busca do responsável por tal ruído, o menino se deparou com um ser monstruoso, que o observava por de trás dos galhos de uma árvore, um réptil de aproximadamente três metros, magro, com cinco chifres, uma cauda extensa e uma boca cheia de dentes grandes que eram banhados por uma quantidade excessiva de saliva, a cor de sua pele escamosa se camuflava com a dos troncos. A criatura o observava serenamente, esperando o momento certo para atacar. Joaquim, mesmo assustado, se moveu cautelosamente, mas os olhos atentos e amedrontadores do predador acompanhavam cada movimento de seu corpo. Então o garoto se virou bruscamente e começou a correr para fugir do réptil , que rapidamente, sobre suas duas pernas fortes e longas, saltou entre os galhos e começou a perseguir vorazmente a criança que corria e gritava desesperada.
O animal perseguiu Joaquim floresta à dentro, deixando marcas das imensas garras de suas patas e de sua longa cauda que ricocheteava nos troncos por onde passava, enquanto o menino tentava achar qualquer meio de despistá-lo, passando por buracos, mudando sua rota, atirando pedras e galhos que achava pelo caminho para ao menos atrasar o monstro, mas só conseguiu escapar após pular de um barranco e cair dentro de um tronco de árvore oco e pontiagudo, quando o grande e feroz lagarto tentou pular atrás de Joaquim, abrindo sua boca para tentar abocanha-lo com seus grandes dentes pontudos, teve seu crânio perfurado pelo tronco.
Assustado e ofegante, Joaquim se manteve imóvel, recuperando seu fôlego enquanto o sangue do monstro pingava sobre ele, causando-lhe ânsia.
Ao se recuperar, Joaquim saiu do tronco engatinhando por um buraco que havia logo abaixo, entre as raízes, quando levantou sua cabeça para olhar ao redor, se deparou com uma garota humanoide pequena, de pele verde, cabelos longos e escuros e quatro orelhas grandes e pontudas, usava uma roupa feita completamente de folhas e raízes e encarava Joaquim com seus olhos grandes e encantados.
—Olá. —Joaquim a cumprimentou.
—Santa Árvore Dourada! —ela exclamou.
—Que? —perguntou, confuso com a expressão da pequena nativa.
—Eu vi, eu vi tudo, você matou esse maburia, matou ele sozinho!
—Esse bichão? —apontou para o corpo do animal —Na verdade eu só tava fugindo dele e...
—Sim, eu vi, você atraiu ele até aqui, ai pulou no tronco, ai ele pulou pra tentar te pegar e fez “NHAAA” e ai o tronco atravessou a cabeça dele, ai saiu um monte de sangue, foi nojento, ai eu fiquei tipo “santa árvore dourada!”, ai tive que vir até aqui falar com você e disse “santa árvore dourada!”
—É, acho que foi mais ou menos isso.
—Nunca vi ninguém caçar assim, na verdade nunca vi ninguém como você, você é engraçado, usa essa roupa engraçada e é meio marrom, nunca vi ninguém marrom e... Olha! Você só tem duas orelhas e são tão pequenas, como faz pra ouvir? Você ouve baixo? VOCÊ TA ME ESCUTANDO?! —a nativa gritou, se aproximando mais de Joaquim.
—Eu tô. —respondeu incomodado, a empurrando para trás —Para de gritar, na verdade, para de falar, você fala muito.
—Eu sei, desculpa, todo mundo diz isso, eles falam: “Niara você fala muito", “Niara se você não parar de falar tanto sua boca vai cair", aliás, esqueci de me apresentar, eu me chamo Niara, e você? Você tem nome? Sabe o que é um nome?
—Eu sei o que é um nome, não sou burro. Eu me chamo Joaquim.
—Juquim? Que nome engraçado, combina com você, porque você é todo engraçado, seu cabelo também é engraçado, parece um monte de ondinha...
—Não, não é “Juquim”, é J-O-A-Q-U-I-M.
—Ah! Desculpa, as vezes confundem meu nome também, uns confundem com “Naiara", outros com “Maiara", já me chamaram até de “Nara"; quem é que se chama “Nara"? Acho bem chato quando fazem isso, então prometo que nunca mais vou fazer.
—Se puder, eu agradeço.
—Mas então, Juquim, você não vai comer esse maburia sozinho, vai?
—Já disse que é Jo... esquece. Você disse comer?
—É que eu tava pensando, você é pequeno que nem eu, e não parece comer muito, então talvez não ia se importar em dividir um pouco. É que eu moro numa aldeia aqui perto e não tá tendo muita comida ultimamente, até tá tendo comida, mas já teve bem mais, sabe? Mas veio uma tempestade bem forte mesmo e fez muita bagunça, foi um estrago bem grande mesmo, a gente perdeu um montão de coisa, a gente consegue se virar, mas tá meio difícil... espera, acho que me perdi... ah é, então, eu acho que alguns pedaços desse maburia iam ajudar a matar a fome de muita gente, claro que teriam que ser pedaços grandes, mas como disse, você é pequeno e acho que não vai comer tudo, você vai?
Joaquim olha para o corpo do animal e pensa por um instante antes de se virar para Niara e responder:
—Na verdade eu planejava comer tudo sozinho, sim.
—O que? Sério? É que ele é bem grande, tem muita carne ai.
—E daí? Eu matei, então é meu e se eu quiser, eu como tudo sozinho, não sou obrigado a dividir com você e o pessoal da sua aldeia, sou?
—Eu acho que não.
—Então pronto.
A resposta de Joaquim desanimou Niara.
—Bom, eu vou indo, então, faça bom proveito de toda essa carne, Juquim. —a garota suspira enquanto vira e se afasta arrastando os pés.
—Espera! —Joaquim grita.
—Oi? É comigo? —Niara atende.
—Sim, eu não sou obrigado a te dar a carne, porém, tô disposto a fazer negócio.
—Negócio? —Niara pergunta confusa — Que negócio?
—Olha, eu te dou toda a carne, mas em troca você vai ter que me ajudar a voltar pra minha casa.
—Tá bom, é só falar onde fica que eu te levo, é muito longe?
—Eu não sei, não sei como voltar, por isso quero ajuda.
—Então tá perdido? Sem problemas, eu dou um jeito, eu sempre dou um jeito, sou muito boa em dar um jeito, mas vai ter que me dar a carne.
—Fechado.
—Ótimo! Agora... me ajuda a levar essa carne até a aldeia?
—Tá bom.
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A Grande Árvore Dourada
Fantasy"A Grande Árvore Dourada, uma benção dos deuses criada para trazer vida, paz, alegria, abundância e proteção... na primeira vez ela os guardou, agora irá reergue-los, acabar com todo o sofrimento, trazer de volta aqueles que se foram e jamais voltar...