O preço de uma missão fracassada

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  Passados alguns minutos, em uma das instalações, enquanto conversava com uma curandeira que tratava de um dos caçadores que se encontrava desacordado, Piatã foi notificado por um guarda de que os demais aldeões, exceto as curandeiras e os caçadores, já estavam reunidos em frente ao palco. Com a notícia, Piatã despediu-se da curandeira e se dirigiu até o palco acompanhado pelo guarda.
  Já no palco, mesmo após todos se silenciarem aguardando seu pronunciamento, o líder dos caçadores ainda ficou entorno de cinco minutos sem proferir palavra alguma, apenas observando sua plateia, passando seu olhar de aldeão em aldeão até seus olhos se encontrarem novamente com aquele entranho garoto que vira mais cedo e fixarem nele.
  —Esse é o mensageiro? —questionou a si mesmo em pensamento.
  Ignorando o garoto e retomando seu foco, Piatã finalmente começou seu discurso.
  —Amados Irmãos, há aproximadamente 26 dias e 25 noites eu e meus caçadores saímos para uma missão, mas não uma missão qualquer como as outras, desta vez, não saímos apenas para reabastecer nossa aldeia, mas para salva-la. Todos nós viemos sofrendo com as consequências da última tempestade, nosso objetivo era por um fim, ou ao menos reduzir o máximo possível este sofrimento. Seria uma missão difícil, meus companheiros estavam cientes dos riscos, sabiam que estariam arriscando suas vidas e espíritos, mesmo assim aceitaram sem hesitação alguma. Então naquele dia, saímos desta aldeia com uma determinação flamejante em nossos corações, saímos como guerreiros para voltarmos como heróis.
  Piatã fez uma breve pausa e voltou a observar os aldeões que estavam com seus olhos pregados à ele, em silêncio, prestando atenção em cada palavra que era dita.
  —Hoje, meus queridos irmãos —Piatã retomou o discurso —, voltamos de após 26 dias e 25 noites de tanta luta e desventuras, hoje retornamos com três vezes mais recursos do que já trouxemos.
  Os aldeões se excitam com a notícia de Piatã; ficaram surpresos, comentavam entre si, alguns elevavam suas vozes em agradecimento aos deuses e aplaudiam. Porém, Piatã, sem por um segundo sequer desfazer sua expressão séria, pediu para que todos se acalmassem e fizessem silêncio. Assim que todos ficam quietos e voltam a atenção para ele, o discurso é retomado.
  —Entendo que tal notícia seja motivo para tanta alegria, entendo que estejam contentes e que desejem comemorar, mas ainda não é o suficiente, atingimos apenas metade de nossa meta e não chegamos perto da quantia necessária para estarmos livres desta crise. Nossa missão deveria durar muito mais dias e havia programado mais três missões como estas, assim talvez estaríamos perto de estarmos livres desta triste situação que nos encontramos, porém, além de voltarmos antes do esperado, quero deixar claro que mais nenhuma missão como essa voltará a ser realizada.
  O enunciado de Piatã surpreende a todos, gerando dúvidas entre comentários que eram cochichados entre os aldeões. Mais uma vez Piatã teve de pedir que todos se acalmassem e ficassem em silêncio.
  —Devem estar se perguntando por quê tomei esta decisão; “Por que desistir? Não foi o que esperávamos, mas foi um resultado melhor do que obtínhamos com as missões comuns, certo?” Mas devo lembra-los que hoje mais cedo também estavam com muitas dúvidas: “onde está meu filho?”, “onde está meu pai?”, “meu esposo está bem?”. Muitas destas perguntas não foram devidamente respondidas. Estas perguntas são o motivo pelo qual nós, caçadores, não voltaremos a realizar este tipo de missão, pois para conseguir o que conseguimos, tivemos que pagar um preço, um preço caro e que provocou a existência dessas perguntas. Para conseguir o que conseguimos, o pouco que conseguimos, vidas e espíritos foram perdidos.
  O público voltou a se surpreender, olhavam uns para os outros com olhares incrédulos, mas dessa vez, eram poucos os cochichos.
  —Quero aproveitar este momento para trazer a vocês, meus irmãos, os nomes daqueles que se sacrificaram nesta missão, afim de cuidar e melhorar a vida de nosso povo: Kauan, Ubiratan, Jandir, Acir, Birigui, Caiuá, Caiubi, Aimoré, Kanauã, Brenho e Hurassí.
  Conforme Piatã anunciava os nomes, era possível ouvir os sons de alguns aldeões se espantando e começando a chorar.
  Dito o último nome, o grito de uma senhora, a mesma que esperava notícias de seu filho em frente a instalação onde o corpo deste estava.
  —MEU FILHO! MEU AMADO E PRECIOSO FILHO! —Ela gritava enquanto ia ao chão em prantos, chamando a atenção de todos que se encontravam ali, alguns se aproximavam para ampara-la — SANTOS DEUSES, POR QUE PERMITIRAM QUE TIRASSEM MEU FILHO DE MIM, MEUS DEUSES?!
  O desespero da senhora chamou a atenção de Piatã, que por alguns segundos, parou de falar enquanto olhava com pena para ela. Mesmo assim, continuou seu pronunciamento.
  —Estes são os nomes dos guerreiros que deram suas vidas com o propósito de salvar nossa aldeia, deram seus espíritos, para que aqueles que ficaram, pudessem ter uma vida melhor e mesmo não tendo conseguindo o que esperávamos conseguir, deixo claro que suas mortes não foram em vão.
  —AQUELES DEMÔNIOS! OS ESPIRITOS DOS MALDITOS DEMÔNIOS VERMELHOS TIRARAM MEU FILHO DE MIM!
  Os gritos da senhora novamente chamaram a atenção de Piatã.
  —Isso mesmo, malditos sejam os espíritos dos demônios vermelhos! —Gritou um aldeão barrigudo, com lagrimas nos olhos.
  —Demônios desgraçados! —gritou outra aldeã, também em prantos.
  Os gritos dos aldeões incomodaram Piatã, que se viu obrigado à intervir.
  —Parem com isso! Não culpem deuses ou demônios. Eu sou o líder dos caçadores, foi eu que idealizei, organizei e iniciei esta missão, foi eu que convenci seus filhos, irmãos, esposos e amigos a participarem disto. Quando me tornei líder, jurei que tomaria conta das vidas desta aldeia, porém, fui contra meu julgamento e sacrifiquei estas vidas, por isso, se desejam tanto culpar alguém, que culpem a mim, eu sou o responsável pelas mortes destes homens!
  O silêncio dominou por completo os aldeões que encaravam Piatã com sobrancelhas erguidas e olhos arregalados. Mas o silencio se quebrou quando um dos nativos se pronunciou.
  —Por que tanta preocupação? —disse o nativo alto e magro de cabelos arrepiados, chamando a atenção de todos, inclusive Piatã. —Entendo que seja um momento triste, sei exatamente o que sentem, meu irmão é um dos que morreram nesta missão, mas esqueceram-se da Grande Árvore Dourada? Esqueceram-se do presente dos deuses para nós? Essas vidas voltarão para nós quando a Grande Árvore nascer, todo esse sofrimento, toda essa dor, isso vai passar. Olha o que nossos caçadores conquistaram com esta missão, um pouco de treinamento e aperfeiçoamento e poderão conseguir muito mais sem perder tantas vidas! Só estamos nesta situação pois teimamos em usar métodos antigos, nós estagnamos, mas não podemos continuar assim, temos que seguir em frente, inovar, se adaptar, nossa aldeia não pode parar!
  —Quanta ignorância! —pronunciou outro aldeão. —Como pode dizer coisas como estas? Vidas não devem ser sacrificadas! E se todos começassem a morrer apenas porque sabem que serão tragos de volta pela Grande Árvore? Isso seria bom?
  —Me poupe de exageros e argumentos idiotas. —retrucou o nativo de cabelos arrepiados. —Jamais iria querer que todos morressem, é exatamente o oposto disto que quero evitar. Esta crise esta nos levando para o caos, o que é exatamente o desejo dos espíritos dos demônios vermelhos. Se continuarmos assim, estaremos colaborando com o plano dos demônios e não dos deuses! É isso que querem?
  —Cale-se! —Gritou uma nativa de lábios grandes e cabelos curtos —Como pode haver tanta insensibilidade em um coração? A vida de teu irmão não representa nada para ti?!
  —Meu irmão deu tua vida para que prosperássemos, não há nada mais honroso que isso! E se for preciso sacrificar algumas vidas para que nossa gente possa vencer estes tempos tão infelizes que vivemos, que assim seja!
  —Eu concordo! —Gritou um nativo barbudo.
  —Como pode concordar com isso?! —Gritou a nativa ao seu lado.
  —Se for pelo bem de nossa aldeia, temos que fazer tudo o que estiver ao nosso alcance.
  —"Pelo bem de nossa aldeia”?! —Interrogou um nativo jovem de cabelos crespos. —Acaso os deuses trocaram teus lábios por ânus ou aprenderam como defecar pela boca?
  —Cuidado com o que diz, garoto! —Exclamou o nativo de cabelos arrepiados.
  —Digo o mesmo para ti! —respondeu o jovem.
  —Eu avisei que o pai deste garoto pegava muito leve com ele —disse uma nativa idosa de olhos caídos. —, agora que morreu, continuará assim.
  —Como ousa falar do meu pai, sua velha mentecapta?!
  —Seu paspalho! —exclamou um nativo alto e de dentes acavalados, apertando fortemente o braço do jovem aldeão. —Respeite a minha mãe!
  —Tire suas mãos de mim! —gritou o jovem antes de acertar um soco no olho do homem alto que em seguida revidou com um soco em sua barriga.
  Alguns aldeões mais próximos, tiveram que intervir, imobilizando os dois nativos para que cessassem a troca de golpes entre ambos.
  Por conta do tumultuo que se formava ali, os aldeões mal podiam ouvir os pedidos de Piatã para que se acalmassem e voltassem a prestar atenção nele, até se enfurecer e aumentar o tom, impondo sua voz em meio a confusão.
  —BASTA!!! —exclamou batendo firmemente o pé contra o palco.
  Todos os aldeões voltaram a atenção para Piatã, cessando o caos que era formado.
  —Como podem agir de tal maneira em um momento como este? —Piatã perguntou indignado e com uma expressão furiosa em sua face. —Onde está o respeito pelo próximo? Por seus iguais? Não veem que estão agindo como animais?!
  —Mas grande Piatã... —dizia o nativo de cabelos arrepiados.
  —Piatã está correto. —Interrompeu Tabajara, subindo no palco e dirigindo-se para o lado de Piatã. —Nossas vidas são presentes dos deuses, por este motivo devem ser mui valorizadas. O fato de serem devolvidas à nós pela Grande Árvore não muda absolutamente nada disto, muito pelo contrário, apenas mostra como os deuses querem que as preservemos. Achar que preservando vidas estaremos colaborando com demônios é de fato uma heresia!
  As palavras de Tabajara constrangem o nativo de cabelo arrepiado e os demais aldeões que defendiam a mesma ideia.
  —O dia do nascer da Grande Árvore Dourada se aproxima, os espíritos dos demônios vermelhos estão irados, fazendo todo o possível para atravancar os planos de nossos deuses. Que estejam avisados, os próximos dias serão difíceis, os malditos demônios não deixarão de nos atacar até conseguirem o que querem e é nosso dever impedi-los para que os planos dos deuses se concretizem, para que a Grande Árvore nasça e para que recebamos a alegria, satisfação e vida eter...
  —CALÚNIA!

A Grande Árvore DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora