—CURANDEIRAS! TRAGAM AS CURANDEIRAS! —Gritava Piatã, líder dos caçadores, um nativo alto e forte, com cabelos num tom escuro de verde, compridos, uma barba rala em sua face que estampava uma expressão séria e preocupada, com um olhar ameaçador de íris amarelas, suas vestes eram feitas de couro e pedaços de uma carapaça resistente de algum animal, como se fosse uma armadura, mas estava muito danificada. Em seus ombros carregava dois caçadores inconscientes que estavam gravemente feridos; um deles havia perdido uma das pernas e o outro estava com as presas de alguma fera ficadas em seu antebraço. Próximos ao líder, haviam mais caçadores, aproximadamente vinte nativos, alguns mais e outros menos feridos, traziam consigo grandes sacos de couro que estavam cheios com os recursos que haviam trago da missão.
Uma grande multidão de nativos afobados e curiosos rodeavam os caçadores, o que estava incomodando Piatã.
—Onde estão os outros caçadores? —questionou um nativo de barba curta e sobrancelhas grandes.
—Onde está meu filho? —Perguntou uma nativa de vestido de plantas e cabelos longos.
—Cadê meu papai? Eu quero meu papai! —exclamava uma criança de bochechas grandes e rosadas.
—Onde está a carne? Preciso de carne para meu açougue! —Gritava o açougueiro.
—Afastem-se!—Piatã gritou irritado —Precisamos urgentemente de curandeiras, há homens morrendo aqui, onde estão as curandeiras?!
—Aqui! —gritou uma nativa jovem que passava em meio a multidão junto a outras três nativas.—Nós somos curandeiras!
—Nós também! —gritou uma nativa idosa que passava entre a multidão junto com mais cinco outras nativas.
—Afastem-se e deixem-nas passar! —Ordenou Piatã —Necessitamos de socorro!
Com a ajuda dos guardas, a multidão finalmente foi controlada e se afastou, as curandeiras puderam chegar até os caçadores e se assustaram ao ver a situação em que se encontravam, todos sujos, cobertos por terra e sangue seco, poucos com ferimentos mais leves, outros com ferimentos expostos, ossos quebrados e alguns até mesmo haviam perdido membros, mas estavam tão exaustos que a dor parecia nem surtir tanto efeito.
—Pelos deuses! —exclamou uma jovem curandeira, arregalando os olhos e cobrindo a boca com as mãos.
Outra curandeira mais jovem também cobriu a boca, mas para segurar a vontade que teve de vomitar ao ver o estado dos caçadores.
Uma das curandeiras se desabou em lágrimas enquanto corria em direção a um dos caçadores que havia perdido um braço.
—Meu amor! —ela gritou.
Aproximando-se do caçador, a curandeira o abraçou fortemente, não se importando com a sujeira ou o forte odor que o impregnava.
—Minha querida. —disse o caçador, enfraquecido, se esforçando para fazer as palavras saírem por seus lábios secos e rachados.
—Meu amor, o que fizeram contigo? —perguntou, em prantos, a curandeira. —Por favor, meu amor, não volte a me deixar!
Sem mais forças para falar, o caçador apenas sorriu e aconchegou sua cabeça no ombro de sua amada.
—O que houve com vocês? —perguntou a curandeira mais velha para Piatã.
—Perdoe-me —disse Piatã—,mas não há tempo para histórias, meus homens precisam de tratamento urgente!
—Certo, podem nos ajudar a leva-los para as instalações?
—Guardas, solicito vossa ajuda para conduzir meus homens até as instalações! —exclamou Piatã, voltando-se aos guardas que estavam próximos.
Imediatamente os guardas se reuniram, indo em direção aos caçadores, os ajudando a se levantar e caminhar até as instalações de tratamento da aldeia, já os que não eram capazes de andar, foram carregados nas costas dos guardas. As curandeiras, alguns aldeões e Piatã, que parecia ser o único caçador ainda disposto, também ajudaram na condução dos caçadores.
Em todo o percurso até as instalações, os caçadores, guardas, curandeiras e aldeões que se propuseram a ajudar foram acompanhados por uma multidão de nativos curiosos que eram contidos por alguns guardas que garantiam que ninguém atrapalhasse. Piatã continuou todo o percurso ignorando a multidão, estava extremamente focado, preocupado com o estado de seus companheiros, mas por um breve momento, alguém no meio da multidão conseguiu desviar sua atenção, um pequeno garoto de aparência curiosa, tinha pele marrom, cabelos negros e ondulados, com apenas duas orelhas pequenas e olhos escuros e brilhantes que o encaravam sem piscar. Piatã serrilhou seus olhos amarelos enquanto olhava para o menino, mas logo desviou seu olhar para frente, ignorando a criança e retomando seu foco.
Chegando nas instalações, que eram pequenas ocas brancas que mais se assemelhavam a iglus, e enfileiradas formando uma extensa rua, todos os caçadores foram acomodados em redes e começaram a receber o devido cuidado que necessitavam, exceto Piatã, que insistiu que estava bem e não precisava de cuidados e se dispôs a passar de instalação em instalação se informando sobre a situação de seus companheiros, oferecendo ajuda e ainda tirava um tempo para conversar com eles, na tentativa de melhorar o humor abalado dos caçadores.
A noite veio e Piatã continuava suas visitas, lutando contra a exaustão. Em uma das instalações, encontrou o casal de caçador e curandeira, onde o nativo estava sendo tratado por sua esposa e já aparentava estar bem melhor.
—Saudações, líder Piatã. —cumprimentou o caçador, ao ver Piatã.
A esposa do caçador, que ainda não havia notado a presença de Piatã por estar de costas, virou num susto, disfarçou e cumprimentou o líder dos caçadores.
—Saudações, grande Piatã.
—Saudações —respondeu Piatã.
—Não esperava te ver tão cedo, meu líder —disse o caçador —, não deveria estar sob cuidados, também?
—Peri, meu amigo, sou o líder dos caçadores, um guerreiro de verdade, não sou como vocês que não podem perder um braço que já usam como pretexto para aproveitar o aconchego de uma rede e mimos de curandeiras. —Piatã diz em um tom irônico e divertido, arrancando um riso de Peri e de sua esposa.
—Meu líder querido, não entendo como ainda consegue manter teu humor e disposição após tudo o que passamos, tens certeza de que não é um deus?
—Não seja tolo, amigo, se fosse deus, me pouparia de passar por tantas desventuras, não acha?
—Tens razão. —Peri concorda entre risos.
—Sabe, não me lembro de ter me apresentado tua amada. —Piatã diz olhando para a esposa de Peri.
—Verdade, ainda não havia tido oportunidade. Esta é Tainara, minha querida esposa, nos casamos pouco antes de iniciarmos a ultima missão.
—Que maldade, meu amigo, casar-se e partir numa missão suicida pouco depois, acaso não estava tentando se livrar de seu compromisso como esposo, estava?
—De maneira alguma. —Negou Peri, mais uma vez entre risos —dediquei anos de minha vida para conquistar esta mulher, agora não conseguirá se livrar de mim tão facilmente.
—E que assim seja —diz Tainara. —Apenas os deuses sabem o quão aflita fiquei por todos estes dias em que esteve fora, se casar e ficar viúva em pouco tempo é um pesadelo horroroso que jamais quero que se torne real.
—E digo que não viverá —afirma Piatã —os espíritos ceifadores terão muito trabalho para terem seu esposo, de fato é um grande guerreiro.
—Não diga tais coisas, meu líder, me deixará mal acostumado.
Piatã ri e em seguida se volta para Tainara.
—Se importa de conversarmos a sós? —pergunta Piatã.
—De maneira alguma, grande Piatã. —Tainara responde.
. —Ora, meu líder —diz Peri —, já esta tentando tomar minha esposa? Ao menos aguarde que me recupere para termos um confronto justo por ela!
—Como pode dizer isso, meu amigo? —Piatã gargalha —Jamais faria algo assim.
—Confiarei eu tua palavra meu líder. —Peri responde rindo.
—Piatã e Tainara vão para um canto da toca tomando distancia de Peri.
—Ele lutou como uma fera imortal —Piatã cochicha para Tainara—, acabamos nos separando e... eu juro que se estivesse lá , teria o protegido com minha vida, protegeria todos eles...
—Não se culpe, grande Piatã —Tainara interrompe—, tenho certeza que fez o que era melhor para todos, confiamos em ti.
—Ele me parece bem melhor, obrigado por trata-lo tão bem, há algo com o que deva me preocupar?
—Não, ele ficará bem, providenciarei uma prótese para o braço, talvez tenha sofrido perca de memória recente por conta de uma picada de zumem no pé, mas não é grave, já retirei o ferrão, logo o efeito do veneno passará e ele recuperará estas memórias.
—Ótimo, quando o encontrei ele estava sozinho e desacordado, ainda não tive chance de perguntar o que ocorreu com ele e se possui informações sobre outros caçadores. Tenho certeza que essas memórias serâo de grande ajuda.
—Assim que tiver noticias eu o informarei.
—Grato, agora preciso ir.
Piatã se volta para Peri, aumentando o tom de sua voz.
—Me contento ao ver que já está melhor, meu amigo!
—Saiba que tua visita me fez contente, também, meu líder.
Piatã expressou um leve sorriso para Peri e se virou.
—Cuide bem de meu caçador, Tainara, estou curioso para saber se ele ainda é bom de pesca mesmo com apenas um braço. —Piatã falou enquanto se dirigia à saída da instalação.
—Me arranque o outro braço, que ainda pescarei mais que ti, somente com meus pés, meu líder! —Peri se gabou com um grande sorriso divertido no rosto.
—Veremos, amigo, veremos! —Piatã respondeu acenando enquanto se retirava da instalação
—Saindo da instalação de Peri, Piatã ouviu gritos nervosos não muito distantes.
—Deixem-me entrar! —exclamava irritada uma senhora baixa em frente a entrada de uma instalação que estava sendo barrada por um guarda —Eu quero ver meu filho, me deixem entrar!
—Perdoe-me senhora —respondia o guarda —,são ordens do chefe Tabajara.
Vendo a confusão que se estabelecia ali, Piatã se aproximou para entender o que se passava.
—Saudações —cumprimentou Piatã se aproximando do guarda e da senhora.
—Saudações, grande Piatã. —Respondeu o guarda, curvando a cabeça para Piatã.
—Graças a Santa Árvore —expressou a senhora —,Grande Piatã, por favor, me ajude, não querem permitir que eu veja meu filho, pelos deuses, meu espirito dói com tamanha aflição.
Piatã balançou suavemente a cabeça em afirmação enquanto olhava pra a idosa, que estava com os olhos avermelhados de tanto chorar.
—O que está havendo? —Piatã perguntou ao guarda —porque não a permite que veja o filho?
—São ordens do chefe Tabajara, grande Piatã. —respondeu o guarda
—E onde se encontra o chefe?
—O chefe está dentro desta instalação.
Piatã dirigiu seu olhar sério mais uma vez para a idosa que o olhava com uma expressão de súplica e voltou o olhar para o guarda.
—Ordeno que me deixe entrar.
—Mas grande Piatã, o chefe ordenou que não deixasse ninguém entrar.
—De fato acredita que nosso querido chefe se incomodaria com minha presença?
—Bem... —o guarda ficou pensativo.
—Pois então, deixe-me entrar.
O guarda encarou Piatã, levou o olhar até a senhora, depois o voltou para Piatã e então suspirou.
—Esta certo. —permitiu o guarda.
—E quanto a mim, grande Piatã? —questionou a idosa, puxando o forte braço de Piatã.
—Não se preocupe, tentarei convencer nosso chefe que a deixe entrar, não posso afirmar que conseguirei, mas prometo ao menos trazer informações.
—Muito obrigada, grande Piatã —agradeceu a nativa —, que os deuses o toquem.
Piatã sorriu para a senhora e então entrou na instalação, onde avistou Tabajara conversando com duas curandeiras, uma jovem e a outra de idade mais avançada, estavam com expressões abatidas em seus rostos, logo atrás deles pôde observar dois caçadores deitados em duas redes, estavam desacordados.
A curandeira mais jovem foi a primeira a perceber a presença de Piatã, levantando as sobrancelhas ao vê-lo e o cumprimentando em seguida.
—Saudações, grande Piatã —disse a curandeira inclinando sua cabeça para frente.
Com isso, a curandeira mais velha e Tabajara pausaram a conversa e desviaram a atenção para Piatã.
—Saudações —cumprimentou Piatã.
—Saudações, grande Piatã —cumprimentou de volta a curandeira mais velha.
—Saudações meu grande líder —Tabajara cumprimentou num tom sereno —,não esperava encontra-lo aqui.
—Há uma senhora do lado de fora que deseja ver seu filho que aparentemente se encontra nesta instalação, mas está sendo barrada por um guarda que diz estar seguindo ordens do Senhor, meu chefe.
—Sim, ordenei que não permitissem a entrada de mais ninguém, mas me parece que se fez de exceção.
—Perdoe-me, meu chefe, não achei que minha presença fosse um incomodo, estou apenas tentando ajudar uma mãe aflita.
—Entendo, meu grande, tua alma bondosa alegra os deuses.
—Então, posso ao menos saber qual o motivo de sua ordem?
Tabajara e as curandeiras se entreolham, então o chefe volta a olhar para Piatã e o informa.
—Estava abençoando estes corpos para que fossem recebidos pela nossa terra e que os espíritos ceifadores recebessem seus espíritos.
Piatã ergue um pouco suas sobrancelhas, em seguida serrilha os olhos enquanto dirige o olhar para os corpos dos caçadores e então volta a olhar para Tabajara.
—Entendo. —Piatã diz num suspiro enquanto balança sutilmente a cabeça em aceitação.
—Não havia recursos suficientes para ajudá-los. —diz a curandeira mais velha —Infelizmente muitos não poderão receber o tratamento apropriado devido a tal escassez.
—Trouxemos muitas ervas para antídotos e plantas e algas que poderiam servir para o tratamento de fraturas, os guardas ficaram responsáveis por levar estes recursos para serem abençoados pelo chefe.
—Já os abençoei, nesse momento os recursos estão sendo distribuídos em seus setores, mas infelizmente as plantas e os antídotos ainda não chegaram até aqui.
—Compreendo.—Piatã esteva pensativo — Perdoem-me o incomodo, eu já vou me retirar —disse enquanto se virava para sair da instalação.
—Piatã! —Chamou Tabajara, antes que Piatã saísse.
—Sim, meu chefe —atendeu Piatã, se voltando à Tabajara.
—Quando o nomeei como líder dos caçadores, tu fez um juramento, se recorda?
—Sim, meu chefe.
—Tu jurou que tomaria conta das vidas desta aldeia, zelando-as para fossem boas e duradouras, se recorda?
—Sim, eu me recordo, meu chefe.
—Então, pelos deuses, peço a ti que não volte a sacrificar vidas de nossa gente, vidas e espíritos não são peças de um jogo para serem apostadas, a morte trás tristeza e aflição, o que são coisas que devemos evitar para termos uma boa vida até que chegue a hora do nascer da Grande Árvore Dourada, só então serão coisas que não deverão receber preocupação, mas por hora, devem ser afastadas.
As palavras de Tabajara deixam Piatã ainda mais pensativo.
—Entendo, meu chefe, isto não voltará a se repetir.
—Que assim seja, agora pode ir, que os deuses te toquem.
Piatã se curva em direção à Tabajara e se retira da instalação.
Quando passou pela porta, Piatã encontrou o guarda e a idosa, que havia se sentado no chão para esperar que Piatã trouxesse notícias, quando o avistou, levantou rapidamente e correu para aborda-lo.
—Grande Piatã, diga-me, que notícias trás de meu filho?
Piatã fita a mulher com um olhar entristecido, sem dizer nada à ela, ele disfarça, estampando uma expressão séria em seu rosto e se voltando ao guarda.
—Quero que informe os guardas para que preparem um palco para mim e reúnam os aldeões, desejo fazer um pronunciamento.
—Já há um palco montado em frente a casa do chefe Tabajara, Grande Piatã.
—E por qual motivo montaram um palco?
—Foi usado para a apresentação do grande mensageiro, grande Piatã.
—Grande mensageiro?
—Sim, o grande mensageiro enviado do jardim sagrado para avisar que o dia da Grande Árvore Dourada nascer esta se aproximando.
—Entendi —Piatã diz com um olhar desconfiado. —,e onde esta esse mensageiro?
—Não sei ao certo, mas o vi mais cedo próximo a casa de tecidos com Niara e Kadu, imagino que irá encontra-lo uma hora ou outra.
—Imagino que sim, mas por hora tenho mais interesse em realizar meu discurso, usarei o palco que já esta montado, mas ainda preciso que reúnam os aldeões.
—Irei cuidar disso assim que terminar com minha função atual, grande Piatã.
—Ótimo.
—Grande Piatã —chamava a senhora enquanto puxava o braço de Piatã —, e quanto ao meu filho? Como ele está? Eu posso entrar?
Piatã hesitou alguns segundos antes de dirigir a palavra à senhora.
—Me perdoe, mas não posso ajudá-la neste momento —disse Piatã, enquanto tirava a mão da senhora de seu braço —,apenas aguarde que o chefe Tabajara autorize que entre.
—Mas grande Piatã...
—Me perdoe —interrompeu Piatã enquanto se virava e ia em direção a outra instalação, realizar mais uma visita.
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A Grande Árvore Dourada
Fantasy"A Grande Árvore Dourada, uma benção dos deuses criada para trazer vida, paz, alegria, abundância e proteção... na primeira vez ela os guardou, agora irá reergue-los, acabar com todo o sofrimento, trazer de volta aqueles que se foram e jamais voltar...