Hoathak VI

6 1 0
                                    


Depois das descobertas no mínimo intrigantes acerca da vida secreta do juiz e do passado inusitado do prefeito de Sylben, Hoathak e Lordan concentravam seus esforços naquele momento para conseguirem, pelo menos, sobreviverem às próximas luas cheias dali a oito e doze dias até a próxima lua cheia dali a exatamente um mês.

Logo no início da tarde do dia vinte, Waldbert enviou a sua ave mais veloz para Ghaldar. Enquanto esperavam pela resposta, ambos os clérigos, junto da Madre Sereda, se reuniram com o prefeito Norman sobre o possível ataque à vila. Querendo pelo menos defender bem a cidade, o prefeito mandou os moradores que estivessem livres da lavoura ajudar aos clérigos com os reforços do muro da cidade. O tanoeiro Marv, juntamente dos lenhadores liderados por Thardo, derrubou algumas árvores e usaram as toras já armazenadas, reforçando o muro de tábuas.

Passados três dias desde o começo da obra dos muros, a porção oeste estava já reforçada. Em exatos cinco dias a lua branca se tornaria cheia, a primeira do ano, data sagrada a Shalum, Deus da Vida. Para o contragosto de Palin, sua "torre de vigia" fora derrubada e transformada nos calços do portão norte da vila. Uma plataforma perto da beira do muro alto fora feita na entrada a sul e outra a norte da vila — os dois únicos portões do lugar.

— Podemos ser uma vila pequena, mas os campos ocupam um bom espaço. — comentou Norman quando viu o espaço que os campos aráveis da vila não ajudariam com o perímetro do muro de toras e tábuas.

— Podemos forçar os invasores a vir por este caminho — Hoathak rabiscou no rascunho do mapa da vila —, forçando-os a verem que este lado aqui, o leste, é o único sem parte dos muros. Já isolamos o terreno da casa do juiz. Depois disso, é só esperar.

— Acha que podemos terminar tudo antes do ocaso daqui a dois ou três dias?

— Provavelmente, Irmão Lordan. Se precisar faço aquele balofo fofoqueiro do Ullaf trabalhar. Aliás, espero que meus meninos estejam ajudando bem.

— Estão. Aprenderam bem a serem prestativos como o pai deles. — respondeu Lordan em sua educação, conseguindo um leve sorriso do taverneiro bronco.

Era perto do meio-dia daquele vigésimo terceiro dia do mês, Dia-do-Povo, e a vila parou para o almoço coletivo servido pelas mãos habilidosas da esposa do prefeito Norman, a senhora Charlene — uma tradição local de Crothar. Apesar de ser filha de senhora Marge, aparentava não ter herdado nada da mãe, exceto o gosto pelo fumo de cachimbo, degustado em intervalos próprios.

Acompanhando a mãe em suas tarefas na cozinha e ajudando-a a levar as preparações para alimentar os trabalhadores, a filha mais nova do casal, Mia, alegrava a todos com sua gentileza temperada com a sagacidade que só a mente infantil de uma criança de oito anos permitia ver coisas que adultos e mais velhos não consideravam importantes ou até mesmo irrelevantes para a visão infantil.

— Obrigado, senhorita Mia. — Lordan agradeceu à pequena quando ela trouxe comida para ele e Hoathak.

Os pratos do dia era barriga de porco glaceada, batatas assadas em caldo feito de ossos de cordeiro e ovos de galinha cozidos e curados num molho escuro e salgado que o juiz Fastred mantinha em sua despensa. Norman provara do líquido negro com apreensão, surpreendendo-se com o sabor salgado e fermentado, transbordando o sabor. Junto desses pratos, tinha uma iguaria local: o curi-thraken, um prato feito com sementes de pinhão cozidas, fermentadas no inverno e fritas com cebola e ervas.

Os trabalhadores interromperam os seus trabalhos para irem ao almoço comunitário servido pelo prefeito Norman. A comida, mais substanciosa, fora feita a pedido dos dois clérigos que acudiram Sylben, praticamente extinguindo o que ainda restava da despensa opulenta do juiz. Ambos queriam todos bem alimentados para conseguir fazer as defesas da vila de forma minimamente satisfatória.

As Crônicas de Melkos - Crias do AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora