Susie, Save Your Love (Parte 3)

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Todos os meus dedos resolveram trocar de pele e isso me deu fiapos de tecido que machucam se tocados. Como pequenas cobrinhas, embora eu duvide que troca de pele as cause dor.
Mordisco todas as lasquinhas, mas até agora não resolveu muito.

Eu me encaro no espelho. É mais difícil do que eu pensava. Reparo que tem umas estrias novas no meu quadril. Respiro fundo e conto até quatro.

O que eu vejo?

Uma pessoa de estatura mediana e cabelos lisos com leves ondas nas pontas. Eu tenho uma pinta próxima ao olho e covinhas nas bochechas quando sorrio ou aperto os lábios. O meu nariz é comum e eu gosto dele.

O que seria um nariz "comum"? Não sei. Seria como o meu, acho.

Eu toco o meu rosto. Dedilho a ponta dos dedos por sobre os ombros até o braço.

Minha pele é morena, mas não gosto de defini-la desta forma. A minha mãe é indígena. A minha cor é como a dela.

Tento me manter aqui, presente, observando o meu corpo e a curva que a minha cintura faz quando eu danço Mitski enquanto me arrumo.

Hoje é um dia importante: eu vou me encontrar com Susie.
Meio que isso sempre acontece, mas hoje é diferente. Pelo menos, é diferente desde a minha conversa com Lind há três dias.

Susie é a minha melhor amiga desde o primeiro ano do ensino médio e conseguimos ser aprovadas na mesma universidade. Não foi combinado, mas eu sabia que era a universidade com a qual ela sonhou durante todo o colegial. Eu não entendia muito a minha necessidade de manter ela por perto. Não mesmo. Eu a acho incrivelmente engraçada de um jeito singelo. E gentil. Ela é muito gentil, do tipo que se oferece para ajudar pessoas nas ruas como se fosse feita para isso.

Susie é linda. Linda demais até para mim. E eu finalmente entendi o que "But, oh, she's such a sight to see" quer dizer após a última sessão.

Eu levei anos e anos da minha adolescência buscando nos outros um porto-seguro. Uma âncora para me manter firme aqui. Com Susie é assim. Sempre foi. Mas ela não é a minha âncora. Ela navega comigo e talvez seja bom aproveitar essa experiência. Parar e aproveitar a vista. Talvez seja isso o que a gente chama de insight, na Gestalt.

Meu celular vibra. É uma mensagem dela.

"Eu já estou no lugar de sempre"

"Eu ainda estou pelada", respondo

"Ha ha", ela diz, com um emoji revirando os olhos no final, e em seguida: "Não demora"

Hold on, hold on, I'm a block away, né?

               ****

  O lugar de sempre é o terraço do prédio da prefeitura, onde a gente entra pelos fundos, se esgueirando pelos corredores e às vezes fingindo que somos estagiárias indo para os seus estandes chatos, nas suas salas chatas, com os seus relatórios chatos.
Hoje eu subi sozinha até o último andar e pulei o portão. Não tinha ninguém, nem câmeras. É um prédio muito antigo e elas só funcionam na entrada da frente.

— Bela roupa, Diáspore! Veio trabalhar com essa bermuda? — Ela dá aquele sorrisinho de canto de boca.

— Sim. Amou? — Respondo, dando um girinho, depois me sento no chão ao lado dela.

Nós sempre vemos aqui para ver o pôr do sol. A vista é linda e a luz aqui em cima faz com que eu me sinta um pouco mais bonita e a brisa faz com que eu me sinta viva. Aqui.

— Eu trouxe uma coisa. — Susie diz, tirando uma garrafa de Askov na mochila. Eu abro a boca para falar, mas ela interrompe — E... SALGADINHOS!

Para Onde as Moscas Vão Quando AnoiteceOnde histórias criam vida. Descubra agora