It's okay not to be okay (Parte 7)

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  É hoje. Eu esperei tanto por esse dia e ele é hoje. O dia que eu imaginei que nunca iria chegar. Eu, Eva, louca, apaixonada e pela primeira vez em meses, bem. Mas bem mesmo. Nenhum pensamento premonitório rondando a minha cabeça e uma paz instaurada que dá medo.
Eu fico rabiscando um esboço do que eu faria na capa, se fosse publicar meu conto... nada parece bom. Acho que não é para ser ainda.
Então ela bate na porta. Uma menina franzina na casa dos seus 17 anos. Pergunto seu nome. Anabela. Belo nome.

— Eu posso te chamar de Ana ou de Bela? — Pergunto.

— Me chama do que você achar melhor. — Ela responde, meio tímida.

— Então, Bela, o que te trouxe até aqui? O que te levou a procurar atendimento?

— Eu me sinto adoecida. Mal agradecida. Eu tenho uma vida, uma família boa. Me aceitaram quando eu falei que sou trans, me chamam pelo meu nome, fazem eu me sentir querida, mas eu não me sinto. Eu me sinto... louca.

  Ficamos em silêncio. Não por causa desse lance de silêncio terapêutico. Eu percebi que ela queria que eu falasse, mas eu fingi anotar algo na ficha porque na realidade eu estava em choque.

— Você sente como se estivesse sozinha, não é? — Falo, finalmente. — Mesmo com o amparo das pessoas que você ama. Eu te entendo, Bela. Mesmo. O nosso negócio aqui vai ser te ajudar a enxergar por outro ângulo, desenrolar esses nós que se formaram na sua cabecinha.

Ela assente.

— Eu vou só te dizer uma coisa... — continuo — você não está só. Você me tem agora. E eu vou te contar um segredo: eu também me sinto louca. De verdade. Então de louca pra louca: vai ficar tudo bem.

  Nesse momento, eu percebi que ela relaxou o corpo e saiu da postura de defensiva.

  Conversamos sobre tudo. Sobre como foi para ela, transicionar, terminar com o namorado há dois meses, quando ela começou a se sentir doente e louca e fraca. Ficamos em silêncio várias vezes e não foi ruim. Falei para ela sobre a necessidade de ir no psiquiatra naquele momento e que eu poderia indicar alguns centros com atendimento gratuito. Ela agradeceu e falou que já fazia acompanhamento e me deixaria a par de tudo.

  Nos abraçamos antes de ela ir embora. Eu senti essa afinidade entre terapeuta e paciente. Eu me vi em Anabela. Uma adolescente que se sente doente e louca. Mesmo com amparo. Se ver em terceira pessoa é estranho. Se ver em terceira pessoa, assim, me fez repensar tudo o que eu entendia sobre mim mesma.

  Fiquei preocupada com o que escrever no relatório e o que falar na supervisão, mas me ocorreu que vai ficar tudo bem. Recebi elogio da minha supervisora quando disse que consegui fazer tudo sem pânico e senti que, mesmo louca, eu tenho futuro na área.
Então pensei em algo. Algo que vai me ajudar e vai ajudar outras pessoas. Algo que Lindsay me instigou a fazer.

— Vou publicar meus contos. — Disse quando mal cheguei em casa.

— Boa noite pra você também, Eva. Tudo bom? — Minha mãe disse, toda sorrisos. — Como é isso?

— Eu ainda não sei. Não sei. Mas eu vou fazê-lo. Talvez eu possa ajudar outras pessoas assim. Mãe, foi tão lindo, no setting. Eu sinto que amo o mundo. A vida. Eu preciso fazer isso.

— Você tem todo o meu apoio, filha. — ela disse.

Eu mal podia me conter de empolgação.
Entrei para o quarto correndo e mandei mensagem para Lindsay.

Eva: LIND, OBRIGADA
Eva: EU DECIDI PUBLICAR MEUS CONTOS
Eva: Desculpa o caps
Eva: Já tenho até um nome
Eva: Desculpa o horário também kkk
Eva: Você tem algum horário vago amanhã para a gente conversar?

Lindsay: Oi, Eva. Tenho um, sim, às 15 horas. Pode ser?

Eva: CLARO

Lindsay: Então nos vemos amanhã no nosso espaço.

Rolei a aba de conversas e abri a conversa com Susie. Eu não a vi depois do atendimento.

Eva: Amor. Está tudo bem?
Eva: Eu não consegui te veeeer. Tenho que te contar uma coisa.

Susie: OI, MEU ANJINHO
Susie: Desculpa, eu saí com pressa. Minha mãe não estava muito bem. Nem deu tempo de te paparicar
Susie: Como foi pra você, no seu atendimento?

Eva: FOI INCRÍVEL

Susie: Uau

Eva: EU VOU FAZER UMA COISA

Susie: O QUE?

Eva: EU QUERO PUBLICAR OS MEUS CONTOS

Susie: Que incrível aaaaaaaaaa
Susie: Como você vai fazer?

Eva: Pretendo colocar em alguma plataforma on-line e depois na Amazon por um preço acessível.

Susie: Meu Deus que incríveeeel! Eu te apoio

Eva: Como se eu já não soubesse disso

Susie: Amo você. Vou ler todos os seus contos. Até a sua lista de compras.

              ****

Eu mal consegui dormir à noite. Nem me conter de empolgação até a hora de ir para a terapia com Lindsay.
O dia estava lindo. O sol estava intenso na medida certa. A brisa estava quente, mas não era insuportável. E eu conseguia sentir tudo na minha pele. Se hoje fosse uma música, seria Sunday Best — sim, é para você ir escutar agora.

— Eva! Como é bom te ver! — diz Lindsay, quando eu chego. Ela estava me esperando do lado de fora do setting. Num jardim com plantas e pedras.

— A gente se viu ontem... — finjo uma cara de tédio. Sorrimos uma para a outra.

— Pode se sentar aqui. — Ela me conduz para uma mesa disposta no jardinzinho de canto.

— Então... — começo — tenho várias coisas para contar.

— Hmm... — ela apoia o queixo nas mãos cruzadas.

— Eu vou publicar meu conto... eu senti essa coisa dentro de mim quando atendi uma paciente ontem. Uma paciente que se sentia como eu.
— E o que era essa coisa?

— Eu tenho plena convicção de que era amor. Amor por mim, por ela, pela minha profissão e vida e tudo o que há. — Respiro fundo e olho para o céu — Eu não tenho mais que isso a te falar hoje porque conversamos sobre tudo ontem.

Ela ri.

Discutimos a publicação dos contos. Decidimos que podemos nos ver apenas quinzenalmente para ver no que dá. Isso é um bom sinal.

Quando saio do setting, pesquiso no Google quais são as providências a se tomar para publicar um conto, posteriormente, numa estante virtual. Mando mensagem para Susie e para a minha mãe. Eu as amo.

Eu, enfim, sou Eva Diáspore e sou louca, mas está tudo bem.

Para Onde as Moscas Vão Quando AnoiteceOnde histórias criam vida. Descubra agora