Final

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  Eva não se imaginava aqui, há 1 ano atrás. Com o avental no horário de atendimento, das seis da manhã às cinco da tarde, no emprego que conseguiu como estagiária antes de concluir o último semestre. Com a mãe esperando em casa, sempre com alguma coisa para comer, porque a filha chegaria cansada. Com Susie impaciente pelos fins de semanas com a namorada. A mais linda aos olhos dela, que afirmava isso a quem quisesse saber.
Na verdade, Eva não se imaginava em muitos lugares. Não tinha expectativa alguma de vida às vezes, quando se perdia dentro de si. Eva não se sentia digna e merecedora do amor que recebia.
Uma vez, ela leu num livro, que o amor não é merecido, conquistado. Ele só vem. É só amor. Mas seu corpo não sabia ainda. Eram só palavras vazias que ela cansou de repetir.

Até que veio o hoje. O grande dia, onde todos comemorariam sua formação. Ela estava nervosa e tremia enquanto Susie e a mãe a perguntava, a cada 5 segundos, se ela queria água. E Eva sorria, mesmo nervosa. Todos os que elas conheciam e amavam estavam no salão.

  O clima prometia uma festa e tanto. E foi o que aconteceu. Pessoas dançando, Susie, Eva. E levou o tempo necessário até uma hora da manhã. Um dia emendando no outro, num nó.

  Finalmente os dias chegaram, melhoraram. Sem mais crises há vários dias e hoje ela vai lançar seu e-book de contos, às dez da manhã. E então, depois de pedir férias no trabalho, vai comemorar a formação viajando para acampar com a namorada.
Eva nunca o fez antes.
"Pode ser como na aldeia quando eu era criança", ela pensa positivo.
"E mesmo com tendas, nós vamos estar de van de acampamento, certo?"

            ****

— Amor, vamos! — Susie chama e buzina da van.

— Te amo, minha filha. Faça uma boa viagem. — Minha mãe diz, enquanto nos abraçamos. — Está levando seus remédios? Não esquece de tomar na hora certa.

— Mãe, eu estou com Susie.

Nós duas rimos.

— Não esquece de me ligar quando chegar lá! — Ela fala alto, enquanto eu caminho até a van, com mochilas e bolsas.

— Tá bom! Beijões! — Grito do banco de passageiro.

  Susie dá partida no carro e seguimos. Seguimos de modo que eu não imaginava antes. E eu estou aqui, sabe? Presente. Sentindo o vento do mato, com a janela aberta enquanto toca música no rádio. Eoa e eu cantamos a todo gogó e não nos importamos se alguém vai escutar quando passamos no trevo de alguma cidade. Nós estamos no presente. Eu estou no presente. No aqui e agora.
Eu me belisco de leve para sentir a minha pele. Não é como antes: eu sinto. Me sinto. Não como se estivesse fora — como se eu estivesse aqui. Eu olho para Susie enquanto ela dirige, com um sorriso leve nos cantos da boca, e me pergunto se ela percebe.

O dia está morno hoje. No horizonte, Vênus diz oi pra mim e pela primeira vez eu não me pego imaginando que ela vai colidir com a Terra e destruir o meu mundo. Então fecho os olhos, contemplando a brisa.

— Tudo bem, vida? — Susie pergunta — Quer que a gente faça uma parada? Estamos na estrada há algumas horas.

Eu a olho e sorrio.

— Está tudo bem. E dessa vez eu consigo sentir verdade nisso.

— Isso é muito bom! — Ela tira uma das mãos do volante e aperta a minha perna de leve.

— Prometo que se eu me sentir mal, te aviso... mas falta muito para a gente chegar?

— Segundo o GPS, só mais uma hora e meia. Isso deve dar... uns sessenta quilômetros. — Ela aponta para o celular com o queixo.

Para Onde as Moscas Vão Quando AnoiteceOnde histórias criam vida. Descubra agora