Idontwannabeyouanymore (Parte 4)

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— Então está resolvido. — Disse o juíz. Era um senhor caucasiano, baixinho e calvo que ficou mirando nos meus peitos durante todo o tempo. Eu não uso sutiã.

  O senhor e senhora Diaz empinam o nariz com cara de arrogante e eu juro por Tupã que se a arrogância tivesse uma cara, seria exatamente com essa expressão facial.

A minha cabeça está barulhenta hoje e não é só porque eu vou precisar pagar quase duzentos reais para consertar as vidraças das janelas. Não é só porque Susie e eu nos beijamos no terraço e cruzamos uma linha que eu jamais imaginaria há alguns meses.
É porque eu sou louca, mas isso já é sabido. O diagnóstico novo mexeu comigo e a adaptação dos remédios — e mais remédios — novos também.

  Na volta para casa, coloco meus fones de ouvido e deixo Billie Eillish tocar no modo aleatório.
"I don't wanna be you anymore", ela fala. "Eu não quero mais ser você".
Talvez, mas só talvez, as outras pessoas pudessem ter interpretado desta forma: "eu não quero mais ser a visão que as outras pessoas impuseram sobre mim".
Mas eu vi o clipe. Ela está na frente do espelho e profere estas palavras. Na minha subjetividade, entendo.
Ela não quer mais ser ela mesma. Como não quero ser eu. Talvez eu esteja levando para um lado mais literal, mas eu só queria deixar de existir. Sem dor, sem nada. Só uma realidade sem mim, onde tudo existe, menos eu.

  Tem algo cômico na minha ingratidão. Eu estou indo tão bem, não é? E as pessoas à minha volta dizem me amar, mas por que eu sinto que isso não é verdade?
Por que eu sinto que sou a pessoa mais odiada do mundo?

Eu sei que esse é o meu delírio, o médico explicou, mas eu achei que se eu soubesse o que é, ele desapareceria ou me faria sofrer menos. Mas ainda assim eu continuo sofrendo e, no fim, saber que é um delírio, faz com que eu sinta que é tudo de propósito, como tudo na minha vida.

Meu celular vibra. É uma mensagem de Susie.

Susie Trovoada: Oi...

Susie Trovoada: Estamos bem, não é?
Eu ignoro as notificações, mas o celular vibra de novo.

Susie Trovoada: Você não fala comigo desde o dia antes de ontem.

Decido responder. Não é justo com ela e nem comigo.

Eva: Me perdoa. Eu estou bagunçada. Não quero ser um peso para você. Desculpa.

Susie Trovoada: Para quem, exatamente, você está pedindo desculpas? Porque pra mim, eu sei que não é :)

Susie Trovoada: Eu te conheço bem o suficiente para saber que você precisa de muito açaí e salgadinhos.

Susie Trovoada: Hoje, às 18h. Você consegue?

Susie Trovoada: Não precisa falar nada se não quiser, mas saiba que a gente pode conversar, okay?

Eva: Você me conhece tão bem grr

Eva: ODEIO VOCÊ

Susie Trovoada: Eu também. Te vejo lá?

Eva: Claro que sim

Susie Trovoada: Okay

  Em seguida, ela me manda uma figurinha de gatinho cheio de corações e o meu coração derrete. Eu sei que é só uma figurinha. Que antes disso trocávamos coisas assim. Mas agora... agora eu sei que tem um peso diferente. E Susie sabe também.

               ****

— Como foi lá? — Minha mãe pergunta quando eu mal coloco os pés para dentro de casa.

— Foi mais pacífico do que eu esperei que fosse. O único problema é que eu vou precisar tirar uma grana da poupança e eu não queria mexer nela.

Para Onde as Moscas Vão Quando AnoiteceOnde histórias criam vida. Descubra agora