☂️nine

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Aquele ano era o pior de todos, eu estava afundando aos poucos, mas alguém me puxou para a superfície...

Não era a primeira vez que meus pais pediam, nem seria a última, eles realmente gostaram de Chan.

- Tem certeza, Li? Ele é um garoto tão bom. - minha mãe passava suavemente as mãos nas pontas do meu longo cabelo castanho escuro.

- Eu sei que ele é bom, mamãe, nós somos amigos.

Ela insistia pela quinta vez naquele dia, para que eu saísse em um encontro com o loirinho recém chegado de viagem. Claro que eu disse não, várias vezes, mas ela queria mesmo um genro que tinha o nome de Chan.

- Vamos fazer assim, amanhã haverá uma festa de aniversário na casa da família Hwang, chame o garoto para ir! - ela sugeriu animada.

Revirei os olhos, seu plano infalível era totalmente falho, era uma jogada suja, e ainda assim ela queria me lançar na boca do jacaré.

- Mamãe, é óbvio que ele vai na festa da mãe do amigo dele!

A mais velha pareceu entender, suas sobrancelhas se juntando confusa e lentamente.

- Isso não é justo, eu quero netos!

- Me deixe terminar a escola e a faculdade primeiro, ok? Vou viver a minha vida e quando finalmente estiver pronta, você vai ter seu tão sonhado neto! - respondi, porque eu não conseguia dizer não para ela, e isso era horrível.

- E se eu não viver até lá? - perguntou.

Fiquei calada, esse pensamento me assustava, um dia minha mãe não estaria aqui comigo, me enchendo e alisando meu cabelo, dizendo que teve uma filha linda porém preguiçosa. Por alguma razão eu sentia meu coração apertar sempre que entrava em seu abraço, pensando no dia em que não sentiria mais aquilo, que ela não agiria como uma criança. Ela era difícil, mas era minha mãe.

Esperei que ela saísse do cômodo e sentei na cadeira, depositando braços e cabeça na mesa, torcendo para morrer antes das pessoas que amava, era egoísmo, mas não doeria tanto como ficar.

Na manhã seguinte levantei da cama com o corpo pesado, minha cabeça doía e a tristeza estava me consumindo, por estar com um mal pressentimento e uma vontade excessiva de chorar. Me arrumei e fui para a escola, mas precisei pedir dispensa e minha mãe não negou me buscar, ela veio correndo, e naquele dia eu me odiei por estar doente, por estar triste na hora errada. A voz da mulher no telefone da escola, depois a voz da professora e por último o tom doce e acolhedor da secretaria do hospital, todos esses sons repletos de texturas machucavam, eram notícias asquerosas envoltas por um tom aveludada.

Fiquei ao lado da minha mãe até ela acordar, seus olhos cansados, mãos trêmulas, me perguntando o que aconteceu, e eu só queria que algum anjo lhe desse a vida eterna, ela não poderia sofrer, morrer, por puro egoísmo meu.

- Você precisa tomar cuidado quando atravessar a rua - falei sorrindo, tentando esconder as lágrimas que estavam querendo chegar.

Ela sorriu e deitou novamente fechando os olhos para dormir, era só um sono, logo a chamariam para tomar a medicação, mas ainda assim meu coração apertou, seus olhos não podiam se fechar, tudo em mim gritava para que ela não me deixasse sozinha.

- Mamãe - cochichei quando ela já estava dormindo, as lágrimas começavam a cair, meu rosto queimava inteiro, minha cabeça doía e meu corpo completamente fraco pedia por amparo.

Repeti a palavra por tanto tempo, chorando por não receber resposta, ela só dormia, mas meu corpo criou um tipo de simulação. Se ela realmente morresse, como eu iria sobreviver?

Por pura insistência de minha mãe, acabei presenciando a festa de aniversário da senhora Hwang, todos estavam lá, e eu precisava notificar que ela estava bem.

Não encontrei Niki no local da festa, então imaginei que ela escapou e deixou seus pais sozinhos. Dei os parabéns para a aniversariante antes de perambular pela casa enorme, e foi assim que encontrei um quarto de hóspedes vazio, era perfeito para chorar.

Isso foi tudo que eu fiz nas últimas horas, talvez fosse a TPM, mas por um momento, encostada na cama e sentava no chão, optei por sorrir, eu definitivamente procuraria algo interessante do lado de fora daquela festa chata.

Foi então que a parte mais interessante dos meus próximos dias entrou pela porta, frustrado, jogando o cabelo para trás e deitando na cama. Levantei a cabeça e encarei o garoto até ele notar minha presença, e só com o pulo que ele deu pude ter uma visão melhor, bem melhor.

Ele estava com o cabelo preto bagunçado e meio molhado, sua gravata frouxa e blusa social por fora da calça. O que diabos acabou de acontecer com esse garoto?

- Minho? - questionei, lembrando do garoto que eu quase não conversava do clube de música.

- Foi mal, estou atrapalhando?

- Ah, n-não, você pode deitar de volta, eu já estava de saída.

Tentei ao máximo voltar para a realidade, aquele garoto não era real, Minho estava...diferente?

Ele deitou na cama, e eu ousei deitar ao seu lado. A energia que me alcançou foi incrível, era positiva e confortável.

- Aconteceu alguma coisa? - perguntou.

- Minha mãe se envolveu em um acidente, mas ela está bem - respondi instantaneamente.

- Não parece que ela está bem.

Suas palavras tinham tudo para me fazer ficar triste de novo, mas elas me alcançaram como algo franco, um choque de realidade.

- É porque eu tenho muito medo de perder ela.

- Sabia que você pode estragar momentos maravilhosos se deixar suas inseguranças dominarem?

Um sorriso irônico apareceu em meus lábios, aquela curva rosada carregada por palavras de baixo calão e argumentos como "me deixe ser triste" prendia o olhar do Lee, ele parecia realmente entretido com a forma como eu me comunicava. Ou talvez seja eu me atraindo por suas peculiaridades? Não sei, a forma como sua aura falava por ele era simplesmente incrível.

- Você também não parece bem - proferi as palavras com o mínimo de cuidado, a única forma que arranjei de rebater.

Ele suspirou pesadamente e olhou para o teto, não sabendo que sua pele e sua voz falam por si só.

- É porque deixei as inseguranças assumirem o controle.

Percebi seus lábios sorrindo, seus olhos brilhando, a respiração e tom de voz tristes. A partir daquele dia eu estava pronta para reparar em cada detalhe do garoto do clube de música, que amava gatos, usava filtros esquisitos nas fotos, e não costumava ser profundo, mas exalava profundidade.

Casual - Lee MinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora