CAPÍTULO TRÊS

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- Eu sou o quê? - digo paralisada. - o que é borderline?

- Borderline é um transtorno de personalidade em que o humor se altera bastante. Por isso os cortes. A maior parte do tempo, como disse, você está deprimida, mas isso muda pra irritabilidade, raiva e outros constantemente.

- Como bipolaridade? - questiono.

Ele ri e diz - Bom, quase. É um pouco mais complexo que isso. Também tem a necessidade intensa de se sentir amado, extrema baixa auto-estima, podendo desencadear a depressão, anorexia e/ou bulimia. O border necessita se aliviar e geralmente não sabem como lidar com a sua dor. Agem conforme o momento e são impulsivos. Na bipolaridade, temos duas personalidades totalmente diferentes em uma pessoa só, não que seja fácil lidar com alguém assim, mas é mais difícil lidar com alguém border. Você tem muitas brigas em casa?

Parei pra pensar um pouco, e lembrei das brigas com a minha irmã mais nova, Isabela de 12 anos. - Sim, eu e minha irmã mais nova não nos damos muito bem, as vezes.

- Eu imaginei. - disse o Dr. Nino, mais sério. - vamos ter que mudar um pouco seu tratamento, Alice. Como eles tratam você lá?

- Bom, eu faço terapia em grupo uma vez por semana com as minhas psicólogas e vejo o Dr. Pedro uma vez por mês... - eu respondi intrigada. Como assim ele vai mudar?

- Vou ligar pra SMI (saúde mental infantil) e dizer que precisa da terapia individual e em grupo. Quem são suas psicólogas?

- Neiva, Monica e Dani - eu respondi secamente.

- Ah, sim. As conheço. Assim vai ser mais fácil te ajudar, Alice. Nós não queremos que você morra, nem tente isso. Todos gostamos muito de você e damos tudo de nós pra ajudá-la.

- Nós? Quem é s?

- Eu, seus pais, a Dani, a Mônica e a Neiva. - ele respondeu com um olhar de "sério, sua idiota?"

- Ah, claro. Eu tô um pouco cansada, doutor. Tem mais alguma coisa pra me dizer? - disse, fingindo um bocejo que foi falso até pra mim. Na maior parte do tempo eu não sou chata com as pessoas, preciso delas comigo... mas essa conversa já estava me enchendo e tinha muita informação para processar. Quem diria que tinha um nome pra o que eu sinto, em?

- É só isso. Vá descansar, Alice. Se cuida viu? Qualquer coisa - me entregou um cartão com nome e telefone - ligue pra mim. Exceto de madrugada, pra eu não xingar você. - me disse rindo.

- Valeu - dei um sorrisinho e sai da sala procurando por um banheiro. Andei por uns dois corredores até encontrá-lo. Lavei o rosto e me encarei. Cabelo bagunçado, as olheiras ainda estava lá, olhos sem brilho, ainda tava com meu pijama branco de bolinhas pretas, e estava descalça. Sai do banheiro e fui até meus pais na ala de emergência do Hospital Municipal. Respirei fundo antes de dobrar a esquina do último corredor.

- Como foi lá com o doutor? - minha mãe disse um pouco alto, minha cabeça latejou com sua voz.

- Ele foi legal. Sou borderline. - disse fingindo um sorriso.

- Borderoquê? - ela me perguntou?

- Borderline...

- O que é ser borderline?

Expliquei pra ela usando as palavras do doutor ainda quentes em minha cabeça resumindo algumas partes.

- É, isso explica muita coisa. - riu.

- Explica algumas - retruquei sorrindo.

Minha mãe é uma mulher com a personalidade incrível, porém seu forte é reclamar. Está sempre preocupada com meu cabelo; é atriz, mas trabalha em uma padaria. Não fuma, não bebe e sempre reclama do meu pai pras minhas irmãs, eu não tenho muita paciência pra ouvi-la reclamar. A maior parte do tempo ela finge que tá feliz, muito bem por sinal, sei que ela só fica feliz estando no palco; tem mania de limpeza e é super-protetora. É difícil conviver, mas a amo com todas as minhas forças.

- Onde está o papai? - pergunto depois de um tempo.

- Ele foi tomar café em um bar aqui perto. - ela responde apreensiva.

- Claro. - respondo seca.

Meu pai é o inverso da minha mãe. Irresponsável, bebe muito, fuma, caminhoneiro, muito mais fácil de se conviver do que a minha mãe. Ele tem 42 anos, mas alma de 16. Faz umas idiotices, como na vez que atropelou um garoto que tava de bicicleta depois de ter bebido o país inteiro em álcool no meu aniversário de 13 anos; na vez em que bateu na minha mãe pela primeira vez, na frente do teatro; e na vez em que ele bateu na minha mãe pela última vez, no natal, bêbado. Ele é O pai quando tá são, mas infelizmente tem a tendência de fugir dos problemas se enchendo de bebidas. Um eterno garotão.

Finalmente, meu pai chega com a cara de quem bebeu. Olhos pequenos e rosto vermelho. Guarde isso, você vai ver muito aqui.

- Oi, filha. - ele disse, forçando um sorriso

- Oi, papai. - forcei um também.

- Vamos pra casa? - mamãe disse.

- Vamos, não aguento mais ficar aqui. - ri.

No mesmo momento, o carrinho das enfermeiras entra para medir minha pressão e me dar café da manhã. Como o pão integral (84) enquanto aquele aparelho esmaga meu braço direito. 130 por 99, ou seja, normal. Bebo um pouco do leite com café (42) que me deram, enquanto elas fazem meus pais assinarem um papel (84 + 42 = 126). Me dão alta quando termino o café. Olho no relógio acima da parede e vejo que são 8:44. Solto um palavrão baixinho, vou ter que ir à terapia de pijama.

- Mamãe, são 8:45, vou ter que ir à terapia de pijama hoje? - digo com voz doce. Mamãe não merece minha frieza.

- Sim, meu anjo. Melhor de pijama do que faltar, né? - tenta sorrir enquanto diz as últimas palavras.

"Não", penso comigo, sorrindo pra minha mãe enquanto aceno positivamente com a cabeça. Não que eu seja falsa com ela, mas algumas coisas é melhor esconder pra não ver aquele olhar triste de desde-quando-você-tá-fria-assim-com-sua-mãe?

- Vocês já podem ir agora. - disse uma enfermeira sorrindo triste pra mim. Todos vão ficar olhando assim pra mim agora.

- Vamos, querida - diz papai - vamos sair daqui.

Não é Um Conto de FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora