03.10.2020

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- Gee! Gee, baby... Vem cá!

A voz de Frank soava mais manhosa do que nunca vinda da sala no andar de baixo da casa, apesar de ser quase um grito para conseguir chamar a minha atenção. Eu estava trabalhando no escritório quase que o dia todo desde da hora que acordei, e avisei a Frank que não queria ser incomodado; eu precisava me focar ao máximo para entregar algumas das provas do material novo que a editora havia mandado, e que já estavam começando a beirar o atraso no meu planejamento. Desde que assumi o cargo de editor e curador para um novo selo da empresa que já publicava as minhas obras, o tempo ficou mais curto.

Eu sabia que em algum momento Frank viria me "incomodar", como de costume - mas até que dessa vez ele demorou horas para fazê-lo; exatamente por achar que ele poderia esperar mais um pouco do que decidi fingir que não ouvi e ignorar o seu chamado. Pela manha em seu tom de voz, ele exigiria bastante da minha atenção e eu não estava podendo corresponder. Não é que eu não queria, muito longe disso, mas eu não podia. Frank é aquele tipo de pessoa que demanda dedicação com suas milhares de horas para conversas e trocas de carinho e eu sem dúvida não só era dedicado, mas também devoto a ele; no entanto, no dia de hoje eu só poderia fazer isso depois do trabalho. E, afinal, se for mesmo importante, ele me chamaria de novo.

- Gerard, você me escutou? Vem cá um pouco, por favor. Prometo que é rápido!

Bom, e lá estava a voz dele mais uma vez. Não teria como eu continuar fingindo que eu não o escutei, principalmente por ele ter usado o meu nome e não apenas o apelido. A manha continuava em sua voz, mas podia sentir o tom um pouco mais exigente agora. Mesmo assim, decidi testar se ele realmente tinha algo para me mostrar ou queria apenas jogar conversa fora.

- O que foi, Frankie? Você não pode vir até aqui? Eu estou meio ocupado agora para descer...

- Posso ir aí então? Você tinha falado de manhã que "não queria ser perturbado em meu precioso escritório"...

Revirei os olhos ao ouvi-lo mudar o tom de voz para me imitar como se eu fosse um grande chato que se trancava em algum cômodo isolado da casa por puro prazer. Não que não fosse verdade em partes, já que eu passava boa parte do meu tempo no meu escritório/estúdio e era um espaço quase sagrado para mim, mas eu não era tão chato assim. Não era culpado por trabalhar com prazos.

- Frankie, dá meio que na mesma, você sabe. Pode vir aqui, eu deixei a porta aberta.

- Já que você insiste, eu vou! Vou passar um cafézinho fresco para você e já subo aí.

Pronto, aí tinha. Frank com voz toda macia para me chamar e agora indo fazer café para mim nesse horário não podia ser boa coisa. Se ele chegar aqui com um pratinho de biscoitos e me dando beijos, posso ter certeza que estou perdido - com certeza seria algo para desconfiar. Por mais carinhoso que Frank sempre fosse comigo, normalmente ele tinha momentos e atitudes as quais ele era mais propenso a isso e eu sabia que agora não era um desses momentos.

Passei a mão pela cabeça do gato cinza que dormia tranquilamente no meu colo enquanto confabulava comigo mesmo o que seria dessa vez. Gatos não eram o animal de estimação favorito de Frank, assim como cachorros não eram os meus favoritos, mas os opostos Cat person e dog person aparentemente se atraiam e nós dois cedemos um à felicidade do outro ao adotarmos Mitch, o gato, e a cachorrinha, Lois, ainda filhotes para crescerem juntos e serem bons amigos. Felizmente, fomos bem sucedidos nessa missão, e os dois quase nunca se desgrudavam.

Com o tempo, aprendi a gostar de conviver com cães e toda a sua energia caótica, e Frank igualmente se apegou à personalidade mais dorminhoca dos gatos. Não que isso fosse algo incrivelmente inesperado, afinal, nós éramos personificações de nossos animais (ou o contrário, eu nunca sabia).

Ouvi os passos que eu tão bem conhecia o ritmo ecoarem pela escada, tornando-se cada vez mais próximos, junto ao arrastar dos chinelos e ao barulho que sempre me lembrava salto alto, mas eram apenas as patinhas de Lois contra o assoalho de madeira, rapidamente entrando no cômodo alguns segundo antes de Frank.

Exatamente como eu havia imaginado, ele surgiu não apenas com uma simples xícara de café, mas também com um prato de biscoitos sortidos e uma fatia de pão com manteiga. Tinha coisa vindo, eu podia prever sem nem precisar ler as borras do café recém passado. O sorriso de canto e o brilho nos olhos também o entregavam de maneira clara, e eu podia sentir a ansiedade emanando do seu corpo conforme ele colocou a comida na bancada à minha frente, deu-me um beijo rápido, e tomou fôlego para finalmente começar a se revelar como um presente envolto em várias camadas de embrulho.

- Aqui seu café, baby. E olha essas fotos, que coisa mais bonitinha! - A voz dele até subiu um tom quando ele esticou o celular, colando a tela iluminada na minha cara. Inclinei meu corpo um pouco para trás para ter uma definição e enxergar além de um borrão. Era a foto de um filhote de cachorro ainda naquela pelagem extremamente felpuda, característica de bebês numa cor entre o marrom e o mel, o focinho preto, as patas largas e os olhos grandes, pidões e arredondados que filhotes tinham para despertar todo o nosso instinto parental.

- É muito bonitinha mesmo. Não suporto ver esses olhos pidões de filhotes, são tão irresistíveis, e...

- Essa é a palavra! Irresistíveis como você mesmo disse. Sabe, ela foi encontrada numa floresta na Georgia e está num abrigo aqui em Nova Jérsei, por coincidência aqui perto de casa, sabe.

Finalmente eu tinha avistado o final dos embrulhos. Toda aquela voz manhosa e biscoitos eram para me amaciar e me convencer a colocar mais um bichinho dentro de casa. E ele ainda iria usar minhas próprias palavras contra mim. Frank me conhecia bem ao ponto de saber até mesmo quais palavras eu escolheria em determinadas situações, e esse era sem dúvida um dos motivos que me fazia amá-lo cada vez mais, mesmo depois de quase duas décadas. Sabíamos exatamente onde estávamos, e isso não tornava nosso relacionamento monótono ou previsível: isso o tornava meu lugar mais seguro no mundo. Frank voltou a me dar alguns beijos pelo meu rosto todo, passando a sua própria pele pela minha barba e colocando meu cabelo logo atrás da minha orelha, chamando-me de volta para o assunto.

- E então, Gee? Podemos buscá-la hoje? Como você disse, ela é irresistível. E a Lois iria ficar tão feliz com uma nova amiga, não é? - Como se aquilo tudo tivesse sido extremamente ensaiado, o que na verdade eu não duvidava. Lois balançou a cabeça e o rabo, dando pulinhos para concordar.

- Frank, já falamos sobre isso. Tem o Mitch que pode não se adaptar, a Lois é grande, e quando você está em turnê, tenho que cuidar de tudo sozinho. Uma filhote para comer nossos chinelos tudo de novo...

- Por favor, Gee! Não acredito que você será coração de pedra nesse nível! Filhotes crescem rápido e eu vou estar em casa nos próximos meses para ajudar. Por favor! - Pude ver os olhos de Frank crescerem, ficando ainda maiores do que a filhotinha da foto, vindo em minha direção para me encher de beijos de novo. - E você adora filhotes, não adianta ficar bancando o durão. Lembro muito bem que você ficava tirando fotos e desenhando a Lois e o Mitch quando eram bebês o tempo todo. Já até escolhi um nome para ela. Vai ser Soup!

Respirei fundo e ponderei o trabalho que mais um cachorro me trataria - pois, por mais que Frank estivesse certo em seus argumentos, em algum momento no futuro eu teria que cuidar deles sozinho. Mas olhar para Frank ali na minha frente, transparecendo a mais pura felicidade e esperança pela minha resposta... Vi que ele já estava completamente apaixonado por aquele pedacinho de vida nas fotos. E eu sempre cederia a todos os encantos de Frank, ele sabia muito bem. Não precisava de café especial, ou qualquer outro mimo. Eu nunca negaria a ele qualquer coisa que fosse capaz de enchê-lo de felicidade; eu não poderia tirar isso dele. E, bom, uma nova moradora na casa não era nenhum sacrifício: só traria mais alegria genuína para o nosso lar, que diariamente já era repleto de tudo aquilo. Bufei só para dramatizar a situação, e tomei um gole de café para aumentar o suspense.

- Claro que podemos buscá-la hoje, Frank. Vou só terminar o café e já vamos.

Vi o sorriso do homem na minha frente se alargar e efervescer da maneira que eu mais amava contemplar. Voltei a sorver mais um gole do meu café, remarcando meus prazos mentalmente porque eu sabia que eu nada mais faria no dia de hoje além de me inundar com todo o amor humano (ou não) que se construía diariamente na minha vida.

Daily love [FRERARD]Onde histórias criam vida. Descubra agora