24.12.2020

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NdA: Esta oneshot é dedicada a minha namorada @rakiew, que me ensina o que é o amor todos os dias. 

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E de repente já era Natal de novo. Eu ainda conseguia sentir o cheiro da eggnog do ano anterior nas minhas lembranças e rir da conversa que eu tinha com Frank todo ano sobre minha incredulidade quanto a ele não apreciar a bebida comemorativa. Para Frank, misturar álcool com gemas cruas e beber parecia mais algum tipo de piada de mau gosto. Para mim, era uma bebida perfeita, doce, morna e picante. O cheiro de noz moscada me lembrava de casa. De olhos fechados, me reconfortei na poltrona com estofamento de couro verde musgo e estrutura de jacarandá, que à primeira vista poderia parecer desproporcional, mas era como um abraço sob o corpo. Pensar sobre os rumos da minha vida era algo que sempre me intrigava. Se no começo da idade adulta eu era um miserável solitário que morava no porão da casa da mãe, agora eu tinha poltronas com nomes na sala do lar que construí com meu marido.

A lareira estava acesa na minha frente, e a lenha estalava de tempos em tempos por detrás da grade protetora de metal, de trama apertada e na cor preta, acalentando todo o meu corpo e o ambiente. Penduradas na cornija estavam as meias vermelhas natalinas que Frank tinha personalizado com mini-patches variando entre Rudolph, Papai Noel, logo do Misfits e a cabeça do Darth Vader, e nossos nomes (pintados por mim) na parte superior. Não esperávamos que aquelas meias amanhecessem cheias de doces, obviamente, mas elas resistiam ano após ano como uma das nossas peças favoritas de decoração. Nos meses de dezembro e nas festas que Frank tinha que passar fora de casa, em algum show especial ou qualquer coisa assim, ele sempre levava a meia escrita "Gerard" presa ao beliche, e a enchia com pequenos presentes e lembranças para me entregar quando voltasse. Em casa, sozinho, eu fazia o mesmo, coletando objetos, além de escrever versos de próprio punho e desenhar devaneios para recepcioná-lo.

Tudo ao meu redor gritava "lar", gritava vida, construída com esmero em cada pedaço, girava na minha cabeça me recheando de felicidade. Não era como se não houvesse problemas em alguns pontos - às vezes tínhamos até um punhado deles, porque a vida nunca é perfeita, mas ela é possível. Ter passado por cada um desses problemas nos engrandeceu, nos tornou reais, fez de nós o que somos; e sou muito orgulhoso por isso. Abrir o nosso íntimo e expôr toda a vulnerabilidade que há no espaço do peito e da mente de cada um de nós é que nos torna humanos e mantém nossos pés no chão. Eu permiti que Frank pudesse olhar para dentro de mim, assim como eu fui convidado a olhar para dentro dele, e me apaixonei cada vez mais pela imensidão que encontrei ali, em cada mergulho: dores, alegrias, crescimentos. Enfim, a possibilidade de uma vida real.

O tilintar dos utensílios vinha da cozinha abafado no meio de outros sons, como o som de uma playlist de blues que Frank ouvia enquanto finalizava o prato principal da ceia. Ele não quis me contar o que seria, o que me obrigou a preparar a minha parte da refeição (as sobremesas) logo de manhã, e não ao lado dele depois do almoço como era de costume. Pude então preencher a minha tarde não fazendo absolutamente nada de especial, apenas esperando o tempo passar - ou, na verdade, se arrastar, pois estava demorando o triplo do que normalmente levava. Agora eu estava ali, já de banho tomado, usando meu suéter natalino do Dungeons & Dragons (que obviamente era ridículo, como todo suéter de natal é).

— Ai, pronto! Finalmente terminei. Agora é só esperar.

A voz de Frank soou ainda um pouco longe, vindo em minha direção. Como sempre, Lois estava ali como uma verdadeira sombra de Frank, enquanto Soup estava dormindo com toda a calma do mundo, perto do apoio de pés que fazia conjunto com a minha poltrona perto da lareira. Lois se adiantou ao descer os dois degraus que levavam ao piso rebaixado, formando um espaço mais reservado à parte do resto da sala de estar. Ali era um dos meus espaços favoritos da casa, justamente pelos móveis grandes, os meus cristais espalhados, Pansy (uma guitarra branca e aposentada de Frank) exposta, e parte das estantes de livros e discos que tomavam a casa em vários lugares.

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