Confusão

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"Obrigada" – seus olhos me encontram e eu sorrio ao seu agradecimento beijando-a na cabeça.

Obrigada?

Busco seus olhos e confiança em minha voz antes de dizer:

- "Obrigada você, por tornar tudo isso real, mais uma vez..."

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Acordo sem pressa, mas sabendo que teria que levantar alguma hora e me preparar para os acontecimentos do dia. Dormi pensando em sua última frase:

"...tornar tudo isso real..."

Para mim, em nenhum momento deixou de ser real. Procuro um pedaço de papel e uma caneta preta e começo a rabiscar algumas coisas:

REAL – INGÊNUA – VERDADE – SONHO

Encarando as palavras que havia escrito, procuro decifrar seus significados confusos em minha cabeça e logo desisto. É muita desordem para apenas pensar, preciso organizar essas idéias no papel.

"Há um congestionamento dentro de mim"

Esse era o pensamento que mais me perseguia durante todos esses dias. Eu dormia pensando no porquê de que quando eu estou com ele as coisas são tão mais fáceis e também do contrário, quando o vejo ir, sinto-me estranha, ou dentro de um pesadelo.

O que é real para mim?

O que é real para um artista que está acostumado a acordar de um sonho cada vez que deixa suas roupas para trás em algum camarim armado.

Como permitir que esse jogo não faça parte da sua vida real e se é que ela existe. Porque o artista vive mais tempo no personagem do que na própria vida de fato. O que fazer quando você não se vê capaz de separar essas duas vidas, ou quando você não quer separar essas duas vidas? E quando você se cansa de viver duas vidas, como uní-las? Seria tarde demais?

Como parar de atribuir sentido homogêneo para realidades distintas?

Existe uma só realidade ou essa se perde com o tempo...

Hoje eu posso afirmar que eu vivo múltiplas realidades, pois tudo se torna relativo dependendo do ponto de vista. Quando eu falo tem muita gente que assina embaixo. Talvez por amar demais. Eu denomino isso como ingenuidade, porém acredito que às vezes seja falta de capacidade - ou até mesmo cegueira - para decifrar as mensagens que necessito passar. Faz algum tempo que tenho gritado em silêncio e quando eu digo "em silêncio" significa que sozinha tento lidar com as incongruências pelas quais sou determinada a viver. É preciso ter coragem para arriscar toda uma história em troca do real.

Eu ainda nem sei se estou preparada para arriscar...

Eu sei que devo.

Se tudo que eu vivi durante esses quatro anos foi um sonho, então o que eu posso chamar de real? "A vida e o sonho são páginas de um mesmo livro, a leitura continuada chama-se vida real". Você não deixa de viver só porque está sonhando. O sonho não é loucura nem embriaguez é o estado inconsciente de nossos maiores desejos, às vezes reprimidos, outras vezes carregados de nostalgia, porém "vividos" de uma ou outra maneira. Uma das coisas mais virtuosas da arte é não respeitar a divisão estrita entre o sonho e o real. A partir disso se pode livrar as coisas de possuírem um sentido evidente.

Você precisa ser capaz de explorar as verdades evidentes

para que elas se mostrem em toda a sua complexidade.

Não adianta fingir que você entende o real,

se você não o aceitar com toda a sua extensão de complexidade.

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Seus olhos amendoados demoraram a fechar naquela madrugada intensa, pude perceber isso quando acordei e senti toda a sua inquietação, as mãos levadas a boca de segundo em segundo e logo depois aos cabelos vermelhos que pareciam arder de ansiedade. Não era o mistério habitual, aquele pelo qual eu nunca vou desistir de procurar, era um mistério a mais. Sou pego de surpresa quando a vejo levantar devagarinho da cama, cuidando para que o silêncio entre quatro paredes não fosse quebrado. Vestida com uma das minhas camisas, de cor branca, parecia que andava na pontinha dos dedos...

- "Antes de escapar podia me dar um beijo de bom dia?" – A vejo sorrir e arrisco um olhar mais teimoso, aquele que recusa a sua ida.

- "Se eu voltar não saímos da cama hoje" – ela fala reclusa enquanto veste sua roupa.

- "Quem tem que sair?" – Eu brinco com ela enquanto ela luta com o sutiã que não tinha jeito de fechar.

- "Christopher, pára com isso, você tem que tornar tudo mais difícil sempre?" – Ela faz uma cara triste enquanto eu a puxo pela cintura impedindo-a de vez de me deixar agora.

- "Você torna tudo mais difícil quando me esconde algo" – Coloco-a sentada em minhas pernas e ela entregue foge dos meus olhos.

- "Nunca escondo, omito detalhes" – Tenta se livrar do meu tom acusador e encosta a cabeça em meu peito.

- "Escondeu durante anos que me amava e isso não é um detalhe" – Sorrio fazendo-a me olhar pela primeira vez na manhã.

- "Odeio quando você acorda com essa vontade de falar" – Eu a beijo no pescoço sentindo-a tremer um pouco e sigo com aquilo...

- "Não tenta mudar de assunto, posso não conhecer todos os teus mistérios, mas sei quando algo te aflige" – insisto vendo sua habitual reação de nervosismo. Começa a mexer nos cabelos com uma mão e a outra apóia em meu queixo.

- "Não quero falar agora ok? Temos coisas pra fazer hoje" – Ela encosta sua boca em meus lábios e logo se levanta sem tempo de eu insistir.

- "Eu não gosto dessa sua atitude, continua fugindo de mim?" – A vejo se afastar e completo – "Continuamos essa conversa depois" – Faço cara de sério, mas não consigo evitar um sorriso quando me manda um beijo da porta e atende ao meu pedido mexendo a cabeça em sinal de "sim" acompanhado de um olhar baixo.

Muitas vezes isso não faz sentido.

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