Escolha

131 13 2
                                    

- Eu sei. Eu sei de tudo isso. Que podemos nos perder, que podemos causar mais problemas, que podemos nunca mais resolver isso, a cada alteração que fazemos, mais distante do objetivo nós ficamos. - Cinco tira os olhos dos meus e passa a olhar pra aquela paisagem em que estávamos.

Eu não sei porquê ele nos trouxe pra esse lugar, e não sei porquê eu decidi não responder ele. Já era tarde da noite, ficamos quase 6 minutos calados apreciando o mar, mas parecia uma eternidade. Isso foi sem fundamento algum. Escutar as ondas do mar faziam eu me esquecer dos problemas. Mas eu não aguentei aquele silêncio, nem ficar ali parada enquanto o tempo passava, muito menos ficar na companhia do Cinco... Então eu testei o velho som do caro.

- O que você tá fazendo?!

- Colocando uma música, é claro. Pode dirigir até o hotel agora? - digo, mas sem olhar diretamente pro lado dele, só encarando a janela, cantarolando baixinho "Locked out of the heaven" que tocava nesse instante, esperando que ele ligasse esse ferro-velho. Mas é óbvio que não podíamos ficar em silêncio, e em menos de meia hora depois, logo Cinco chama minha atenção ao som de "Sweater Weather".

- Você tem que ir pra sua casa. Quando chegar no hotel, posso te teletransportar pra lá. - acho que só resmunguei um "tanto faz", mas não resisti em ficar calada.

- Você vai contar o plano pra eles? Vocês tem que ir o quanto antes... Eu não ia aguentar passar mais tempo com você mesmo! - desvio qualquer olhar.

- Vocês? Sabe que eles vão querer que você venha, não é?

- A questão é que eu não posso, e vocês não precisam de mim. Não vão precisar depois daqui. Eu ajudo vocês, me esqueço de tudo isso, todas esses dias vão ser apagados, é simples assim.

- Tem razão. Mas eu sei que ainda vamos precisar da sua ajuda. É inevitável. Deixa de ser chata, garota! Só aceita.

- Se você deixasse eu falar! Olha, talvez... Se isso não mudar muito as coisas da minha vida.

- Vai ficar tudo bem, tá?!

- Conta essa mentira pros seus irmãos também? - não espero que ele responda.

- Se a gente se concentrar em fazer tudo certo como tá planejado, vai dar certo! É bem simples! Só precisamos seguir o combinado!

- Tá, tá... - não dou muita importância pra isso. Só espero chegar logo em casa, até por que, já deixei meu avó sozinho demais, e uma coisa que a minha mãe disse pra mim é que eu não devia deixar ele sozinho por mais 4 horas, muito menos o dia todo.

Mais 30 minutos depois de músicas e não conversas, chegamos nesse maldito hotel que mais parece que se escondia de nós.

- Então, eu vou indo, daqui a pouco vai ser tarde demais. - digo andando de costas já virando.

- Sozinha? Às vezes você é independente demais!

- Como se você ligasse. Tô dando menos trabalho pra você, garoto! Aliás, nem insiste. Eu vou passar no Griddy's pra tomar um café, e você, devia ir contando tudo pra eles. - Saio sem esperar que ele responda, já que ele não precisa. Mas dá pra ver no reflexo da água no chão ele entrando e só espero que não tenham mais complicações.

O caminho até a cafeteria me fez pensar em tudo que eu estava disposta a fazer pra recuperar a linha do tempo de uns estranhos, mas que eu acabei confiando porque eu pude ver a realidade. Às vezes, eu acho que deveria ser mais egocêntrica. Às vezes, talvez em pense demais nos outros, e eu sei que não parece, mas nem tudo é o que parece. Talvez hoje seja uma noite pra pensar, na minha vida, e não na vida dos outros. O que eu realmente quero, eu simplesmente não sei. A forma como os trilhos desandaram desde que os verdadeiros Hargreeves chegaram foi repentina demais. Essa é uma das poucas vezes em que eu não sei o que fazer, que eu não sei qual caminho seguir. No fundo, eu sei que a minha vida era monótona e que eu não tinha nenhuma ambição real. Que todas elas eram apenas as mesmas ambições que outras pessoas desejavam, que pareciam ser o ideal, que pareciam ser as escolhas de vida perfeita, mas não é. Talvez eu tenha percebido tarde demais que eu não tenho que estudar pra passar em uma faculdade e me tornar uma médica como todo o resto do mundo quer, que eu posso fazer diferente, ou fazer melhor, que esse não é o destino, não precisa ser. Que eu posso usar o meu potencial, a minha ambição, a minha inteligência, a minha força, a minha criatividade, a minha audácia, a minha astúcia e todas as minhas qualidades pra salvar esse mundo, porque eu tenho esse poder.

Uma vez por aí, eu ouvi dizer que não são as minhas qualidades que revelam quem eu realmente sou, são as minhas escolhas.

E já que eu tô no meio do caminho pra acertar, eu sei muito bem o que eu vou escolher fazer agora, só preciso de uma confirmação a mais. Pra isso, acho que o café vai ter que esperar um pouco. Eu preciso mesmo voltar pra casa o mais rápido que eu conseguir, pensando bem, eu nem devia ter recusado a proposta do Cinco. Mas teria sido tão rápido que eu nem teria parado pra pensar nisso.

Não demorou muito e eu cheguei em casa. Pego minha chave, entro em casa, espero que o vovó já esteja dormindo. Já que não vejo ele pela casa, suponho que ele já esteja na cama. Vou até a cozinha ver se tem alguma coisa pra beliscar, e não tem nada muito interessante, só que tem um pouco de café. Eu esqueci que o vovó não gosta, logo só eu tomo. Na verdade, nem meu vó nem a minha mãe jamais foram fãs de café, por isso eles estranhavam eu amar tanto isso. Enfim, eu sempre falo da minha como se ela não estivesse mais aqui. E ela não está mesmo. Vivemos só eu e meu vó. E é assim desde os meus 10 anos. Enfim... Sendo só nós aqui, eu só preciso tomar um banho, passar no quarto do vovó pra ver se ele está bem e depois ir dormir. Ah! E amanhã mesmo, é... Eu acho que vou aceitar a ideia de ir com aqueles irmãos malucos e disfuncionais pra 1963, e vou contar algumas pequenas mentiras pra mim mesma.

- Vai ficar tudo bem. Isso não vai ser muito difícil. Quando voltarmos, tudo vai estar como deveria.

Após tomar banho e verificar a vida do meu avó, eu finalmente vou dormir! Boa noite!

***

Embaixo Do Meu Guarda-chuva | The Umbrella AcademyOnde histórias criam vida. Descubra agora