Alguém pode me explicar quando é que vou usar as porcarias das fórmulas de cinemática ou qualquer-outra-fórmula-de-física que eu tenha de memorizar até o final do ano?! "Para prestar o vestibular", meu pai diria.
Acontece que não dou a mínima para o vestibular. Também não dou a mínima para o que meu pai pensa. Desde que minha mãe o trocou por aquele velho ricaço que deve usar terno até na piscina, ele concluiu que é mais divertido cuidar da minha vida miserável do que da dele, talvez um pouco mais miserável que a minha. "Ariel, já decidiu que faculdade quer fazer?"; "Ariel, você já tem 17 anos e nunca namorou. Papai não vai ligar se você for gay"; "Ariel... você não é gay, né? Digo, eu não me importaria... desde que você me arranje um neto".
Para o azar dele, existem dois itens no topo da minha Bucket List: não ter filhos e sair logo de Duskwood. Essa cidade é bizarra. E mais bizarra que ela, são os moradores. Todos os anos, no dia 31 de outubro, a polícia encontra um corpo em algum lugar da floresta. A reação das pessoas normais seria de pânico, horror, medo... mas não aqui. A polícia mal divulga os casos nos jornais; no noticiário, as reportagens relacionadas à tais crimes sequer duram cinco minutos. Sempre que tento trazer este assunto à tona com a Sra. Sully, a suposta rainha da fofoca, até mesmo "a poça de lama que o Alfie brincou hoje" parece interessá-la mais do que isso.
Não consigo entender. É como se eu, a Jessy e o Phil fossemos os únicos lúcidos vivendo dentro de um hospício. Sem brincadeira. O mais irônico: os dois são os únicos conhecidos meus que não nasceram em Duskwood. Coincidência? Acho que não. Aposto que fazem algum tipo de lavagem cerebral nos bebês quando eles nascem ou que, talvez, o projeto MK ULTRA esteja por trás disso.
Também posso estar vendo Netflix demais esses dias.
Seja lá o que for, pretendo ir embora o mais rápido possível. Nós três já temos o plano perfeito: eu e Phil, meu primeiro e atual namorado — cujo relacionamento mantenho em sigilo pelo fato de ser 5 anos mais nova que ele —, estamos trabalhando juntos no bar enquanto a Jessy economiza dinheiro ajudando o Richy no ferro-velho. Ter o namorado como chefe tem suas vantagens e desvantagens. Vantagens: nos vemos praticamente todos os dias. Desvantagens: nos vemos praticamente todos os dias.
Não que eu odeie a consequência de vê-lo o tempo todo, mas sou do tipo lobo solitário. Sempre fui. Já ele, é do tipo grudento e ciumento, literalmente o oposto de mim. "Os opostos se atraem", as pessoas diriam. É por essa razão que aceitei seu pedido de namoro e porque, sinceramente, estava cansada de ser caçoada pela Jessy por estar fazendo 17 e nunca ter beijado na vida. Então, na minha festa de aniversário dois meses atrás, ele se confessou e me pediu em namoro. Felizmente, não foi nada parecido com aqueles filmes de comédia romântica onde o mocinho se declara na frente de todo mundo, bem pelo contrário: ele me levou para um canto escuro, me pediu em namoro, eu aceitei, nos beijamos, e então ele vomitou uma mistura nojenta de bebidas coloridas no meu vestido.
Romântico pra caramba.
Se eu o amo? Isso não importa. Ele é bonito, cheiroso e beija bem. Felicidade e amor são superestimados.
— Professora, desculpe interromper a aula. — O diretor aparece na porta, expulsando meu devaneio. — O aluno transferido acabou de chegar. Logo atrás da barriga de chopp do diretor Harold, entra um garoto alto encapuzado, com um moletom maior do que ele e calças largas cujas barras limpam o chão.
— Oh, é mesmo, tinha me esquecido — diz Verrurônica, dando passos largos até o centro da sala. — Gostaria de se apresentar?
O garoto mantém a mochila nas costas segurando apenas uma alça e permanece cabisbaixo, fitando os próprios pés. Ele sequer abre a boca.
— Hum, certo... — o diretor pigarreia, cortando o silêncio. — Este é o Jake, ele foi transferido de Colville e vai ficar com vocês a partir de agora. Sejam legais com ele, certo? — Harold dá tapinhas em suas costas. Nada. Sem reação. Preciso conter o riso ao notar a expressão encabulada do diretor, que se retira logo em seguida.
— Bem, Jake, pode se sentar ali... — ela aponta.
Em passos silenciosos, Jake desliza até a carteira de frente para Jessy. Sentamos no fundão: ela encostada na parede e eu do seu lado esquerdo. Meu celular, que está no lugarzinho estratégico de sempre — entre as minhas pernas —, vibra de repente, me fazendo saltar da cadeira. Por sorte, estão todos concentrados demais no garoto mudo para repararem. É uma mensagem da Jessy.
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SCARECROW - DUSKWOOD
Mystery / ThrillerDo ponto de vista de Ariel, não há cidade mais bizarra que Duskwood. E, de certa forma, ela não está errada: todos os anos, nas noites de 31 de outubro, um cadáver é encontrado no meio da floresta. A polícia negligente é incapaz de divulgar detalhes...